quinta-feira, 29 de maio de 2025

O Voo do Navegador (1986)

Este é um filme que eu gostava de ver no SBT quando criança, mas que nunca tinha revisto depois de adulto por achar que teria envelhecido mal — ou que pareceria malfeito em comparação com as produções do Spielberg que muitos desses filmes infantis/família dos anos 80 tentavam imitar (já viram Mac - O Extraterrestre?!). De fato, não dá pra comparar O Voo do Navegador com um filme do Spielberg em termos de direção e refinamento artístico, mas entre as produções da época que tentaram surfar na onda de E.T., esta é uma das que melhor se sustentam como filme independente. O que acontece nos quinze primeiros minutos é tão desconcertante e bem feito como gancho (lembrando também de De Volta para o Futuro) que acompanhar o resto da história se torna imprescindível. E o resto do roteiro é muito bem estruturado, no sentido de não ter blocos desinteressantes ou que não atendam progressivamente às expectativas criadas pela premissa inicial. Em termos de visual e execução, o filme também é mais bem cuidado do que eu me lembrava. A atuação do garoto principal é convincente, o design da nave cria um ótimo "movie prop" (considerando que o filme tem um dos primeiros usos de CGI no cinema, os efeitos da nave até que surpreendem), e o retrato da Flórida naquele período (associado aos sintetizadores de Alan Silvestri) é puro suco de nostalgia oitentista.


Flight of the Navigator / 1986 / Randal Kleiser

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Maio 2025 - outros filmes vistos

Pee-wee as Himself (2025 / Matt Wolf) — Tinha apenas uma vaga noção de quem era Pee-wee Herman (nunca tinha visto nem o filme do Tim Burton, As Grandes Aventuras de Pee-wee) e adorei conhecer sua história através deste documentário. Parte de sua tragédia se deve ao fato dele ter encontrado o sucesso na época "errada". Paul Reubens, em essência, era muito mais alinhado com a contracultura dos anos 70, mas foi na era Idealista dos anos 80 que seus dons encontraram um público. Esse conflito entre quem Reubens era de fato e quem seu público gostaria que ele fosse reflete o conflito interno do artista que, eventualmente, destruiria sua carreira. Apesar do desfecho trágico, a existência deste documentário acaba criando uma espécie de final feliz para Reubens, ao mostrar sua vida por uma perspectiva mais compreensiva e desconhecida pela maioria.

Sonic 3: O Filme
(Sonic the Hedgehog 3 / 2024 / Jeff Fowler) — Uma coleção de clichês tentando se amontoar em um filme. Não é uma produção malfeita ou com falhas notáveis, mas não há uma cena sequer que emane autenticidade. Tudo é incrivelmente pasteurizado, baseado em ideias excessivamente reutilizadas no cinema — desde a trama geral sobre a arma destruidora de mundos que, para ser desativada, depende dos heróis juntarem duas partes de uma chave, até as cenas individuais: temos a "dança" através do salão cortado por feixes de laser, a montagem cômica/nostálgica ao som de Wouldn't It Be Nice, piadinhas sobre a cafonice de novelas mexicanas — toda cena é composta de ideias enlatadas como essas, e nada mais (Mentalidade Clichê). A mensagem sobre o amor superar o ódio é a versão simplificada de algo que você leria num livro de autoajuda de banca de jornal.

Premonição 6: Laços de Sangue (Final Destination: Bloodlines / 2025 / Zach Lipovsky, Adam B. Stein) — Os set pieces não são tão satisfatórios quanto os dos filmes anteriores, mas a fórmula geral da franquia ainda rende um filme assistível. Há alguns toques de Idealismo Corrompido no casting e no humor (um dos roteiristas trabalhou em Pânico VI, Abigail), mas nada que arruíne totalmente a diversão.

Homem com H
(2025 / Esmir Filho)
— Segue o modelo das cinebiografias modernas, com algumas de suas limitações narrativas, mas em termos de atuações, capacidade de emocionar e de criar intimidade com o artista, faz melhor que muitas das grandes produções vindas de fora.

Thunderbolts* (2025 / Jake Schreier) — Acima do padrão Marvel em termos de direção e atuações, mas a história é tão insípida quanto de costume: um grupo de semi-vilões ou anti-heróis (há toda uma romantização do sofrimento, da melancolia) é atacado por um vilão maior ainda e passa o resto do filme tentando neutralizá-lo — um monte de negativos combatendo outros negativos, e a trama não envolve nenhum objetivo empolgante, que gere real antecipação. Permanece razoável até o clímax, que escorrega ao tentar uma abordagem mais psicológica, onde a "cura emocional" se torna o foco de todos os esforços, e a ação física vira puramente simbólica.

domingo, 25 de maio de 2025

TV Aberta, Monocultura e o Consumo Passivo

Parece haver uma correlação entre o declínio da audiência de mídias como TV aberta e rádio (em favor do YouTube, podcasts e redes sociais) e o senso de desintegração cultural, alienação social, etc. A internet foi, aos poucos, promovendo o fim da "monocultura" — aquela época em que todos pareciam estar por dentro das mesmas notícias, sabiam que novela estava no ar, que filmes faziam sucesso nos cinemas, que gírias estavam em alta, quem era famoso ou não, qual era a música do momento — e da sensação reconfortante de que, se você saísse na rua e abordasse uma pessoa aleatória, haveria uma grande interseção entre seus universos.

A cultura atomizada criada pela internet pode ter seu lado positivo, mas a ausência de uma "monocultura" também traz problemas. Acredito, inclusive, que a nostalgia que muitos sentem hoje em relação ao passado — às vezes acompanhada de uma aversão equivocada a estrangeiros — pode estar ligada a um anseio por esse senso de coesão cultural promovido pelas mídias tradicionais.

De uns meses pra cá, voltei a consumir mais rádio e TV aberta — não só para resgatar um pouco dessa coesão, mas também por sentir falta do "modo passivo" de consumo de conteúdo. Na internet, cada um é responsável por criar sua própria cultura. Isso te força a um modo "ativo" constante de consumo: você está sempre escolhendo os conteúdos aos quais será exposto, sempre selecionando, tomando decisões, se autoestimulando. Sem essa autoestimulação, nada acontece — nada vem do mundo externo. Não há nada de errado com isso, mas é importante lembrar que existe uma diferença entre esse tipo de atividade e a de ser exposto passivamente à "monocultura" — pense na diferença entre escutar sua música favorita em um CD e ouvi-la inesperadamente no rádio. Quando um conteúdo é transmitido por uma mídia de massa "oficial", ele ganha uma existência pública — uma relevância cultural que não pode ser construída individualmente.

Sabe quando você fica horas procurando algo para ver no streaming, mas simplesmente não consegue decidir? O problema, nessas situações, muitas vezes não é a ausência do "filme perfeito" para o momento — o que você quer, na verdade, pode ser sair do modo ativo de consumo e simplesmente relaxar, entrar em contato com a cultura ao seu redor — ser conduzido por uma programação definida externamente. E há valor nisso. Não só no descanso mental e no senso de conexão, mas também no lado prático de estar em contato com a sociedade em que você vive. Temos que lidar diariamente com pessoas diferentes de nós, com eventos externos que impactam nossas vidas — então, mesmo que você seja crítico a boa parte da cultura, há vantagens em estar familiarizado com a realidade além da sua bolha.

Acredito, inclusive, que plataformas como a Netflix estão perdendo uma grande oportunidade ao ignorarem esses modos diferentes de consumo. Se, além do catálogo normal, os serviços de streaming tivessem um modo "ao vivo", com uma programação 24h de conteúdos selecionados pela plataforma, haveria um grande público para isso. Seria uma forma de promover estreias simultâneas e outras experiências que sempre associamos à TV tradicional.

A polarização política foi uma das grandes responsáveis por espantar o público da TV aberta, já que o contato com ela passou a ser desgastante para quem não estava sintonizado com determinadas ideologias. Isso pode ter tido consequências piores do que se imaginava. De uns tempos pra cá, no entanto, os discursos polarizantes perderam força, e emissoras como a Globo parecem estar tentando atenuar seu conteúdo para atrair de volta as pessoas que haviam se afastado. Se a TV aberta voltar a ser convidativa para todo tipo de público, e parte da "monocultura" for resgatada, essa pode ser uma das formas mais eficientes de reintegrar aquilo que foi desintegrado na sociedade nas últimas décadas.

Evitando o "Papo Brisado"

Meu impulso para escrever este texto veio depois de ouvir um podcast no YouTube, onde o convidado começou a divagar sobre questões filosóficas de maneira tão caótica que, por alguns minutos, achei que estava tendo uma mini bad trip. Foi um exemplo perfeito do que chamo de Papo Brisado: uma conversa existencial abstrata que perde totalmente a clareza e acaba em um caos epistemológico onde ninguém sabe mais do que está falando.

Vou transcrever abaixo alguns trechos em que ele argumentava a favor da espiritualidade e da eternidade da alma:

“A linguagem é muito esquisita. Quando eu digo: ‘Eu vim neste podcast’, eu nunca mais vou ter deixado de vir. Então, eu ter vindo no podcast é uma coisa eterna. Quando a coisa sai do ‘não ser’ e vai para o ‘ser’, ela se torna eterna.”

“Eu não consigo enxergar nada na realidade que não tenha uma causa e uma consequência. Existe algo, existe o movimento desse algo, existe algo que causou esse movimento, e esse movimento vai para algum lugar. Se eu chego à lógica de que tudo tem isso, eu também vou chegar à lógica de que ‘tudo isso’ também tem algo que funciona da mesma forma em relação a tudo isso. Olha que louco: pela lógica linguística, pela forma como a gente consegue pensar através da linguagem, a gente chega em questões espirituais. E eu fico pensando: por que o ser humano chega nisso? Se isso fosse uma ilusão, por que ela seria tão perene, forte e frequente? Seria como falar assim: ‘a cobra tem uma visão de calor, só que essa visão de calor da cobra é ilusória, e a coloca sempre em situações erradas’. Mas não é o caso. A visão de calor da cobra funciona para ela se movimentar. Assim como o golfinho tem o sonar. O cachorro tem o olfato. Da mesma forma, o ser humano tem essa coisa de explorar. E onde dá essa exploração? Ela sempre termina em coisas não materiais.”

A confusão que surge desse tipo de conversa é extremamente incômoda. Fica impossível dialogar com alguém assim, pois, em uma única fala, veja que ele mistura diferentes tópicos, tenta provar a validade dos sentidos, da razão, a existência de Deus (através do argumento da causa primeira) e encontrar um propósito para a vida humana em uma noção duvidosa de “eternidade”.

Como uma espécie de kit de primeiros socorros para conversas filosóficas que desandam, vou listar abaixo algumas das causas por trás do Papo Brisado. Com isso, você saberá melhor como desfazer os nós em uma conversa desse tipo e redirecioná-la para um caminho mais produtivo:

Problemas cognitivos

É preciso reconhecer que muitas pessoas simplesmente não têm organização mental suficiente para sustentar uma conversa altamente abstrata. Nesses casos, o ideal é evitar esse tipo de diálogo ou mantê-lo em um nível relativamente superficial.

Falta de conhecimento

Papos Brisados muitas vezes ocorrem porque os participantes são amplamente ignorantes no que diz respeito à ciência e à história da filosofia. Eles conversam como se fossem as primeiras pessoas a pensar sobre aquilo — ignorando boa parte do que a ciência já sabe e o fato de que a filosofia é uma disciplina bem estabelecida, organizada em ramos como metafísica e epistemologia — e terminam em conversas caóticas, sem estrutura, cheias de misturas de categorias e confusões conceituais que já foram resolvidas há séculos por pensadores conhecidos.

Problemas de linguagem

É importante sempre usar termos com clareza, para garantir que todos estejam se referindo aos mesmos fenômenos. Quando alguém usa palavras como “Deus”, “espiritual”, “linguístico”, “metafísico”, a pessoa pode estar se referindo a algo diferente daquilo que você entende por esses termos — e essa falta de definição é uma das grandes causas por trás do Papo Brisado. (Por medo de ser considerado burro ou inconveniente, o interlocutor muitas vezes finge que está entendendo o que o outro está falando, evita pedir definições, esclarecimentos, exemplos concretos, e a conversa se torna mais uma performance do que uma troca real de ideias.)

Perspectivas limitadas

Materialismo — Em conversas assim, é comum encontrar alguém que parece partir do princípio de que apenas o mundo material é científico, e que tudo no universo — inclusive a vida e a consciência — deveria ser totalmente explicável pela lógica newtoniana. Se a pessoa não aceita que existe tanto matéria quanto consciência no universo, e que isso é algo natural, ela estará sempre chocada com coisas óbvias: achará “muito louco” o fato de uma pessoa poder perceber um objeto, ter uma ideia, formar conceitos, se comunicar com outra consciência — tudo ligado à vida parecerá inexplicavelmente mágico, fantástico, apesar de serem coisas que até uma criança vê como naturais. Esse materialismo implícito transforma rapidamente uma conversa filosófica em um Papo Brisado.

Mentalidade convencional — Outro erro comum é o da pessoa de “senso comum” que ainda não aceita plenamente que existe um mundo além da bolha familiar em que ela vive — que a Terra é apenas um entre milhões de planetas no universo, que a evolução das espécies é real, etc. Essa pessoa acha que a realidade perceptível e imediata ao seu redor deveria ser a única realidade, e passará horas dando voltas em torno de fatos óbvios, achando “muito loucos” fenômenos que a ciência já explicou há muito tempo.

Objetivos impossíveis

Explicar o inexplicável — A motivação por trás de um Papo Brisado muitas vezes é tentar solucionar os “mistérios” do cosmos que milênios de ciência e filosofia ainda não resolveram: a origem do mundo material, da vida, da consciência, do tempo, etc. Se esse é o objetivo da conversa, ela inevitavelmente cairá em paradoxos e becos sem saída. Primeiro, porque algumas dessas questões estão além do nosso conhecimento científico atual — e dificilmente alguém da sua roda de conversa será o gênio que apresentará a teoria inédita que solucionará tudo isso. Segundo, porque muitas dessas perguntas são irracionais por natureza — “o que há além do universo?”, “o que havia antes do tempo?” — são questões que não podem ser respondidas, como gastar horas debatendo o formato de um “triângulo de quatro lados”. Nesses casos, é importante aceitar que o propósito dos participantes é apenas explorar poeticamente certas ideias, e que a ausência de respostas não é nenhuma prova contra a razão humana.

Transcender a condição humana — A busca incessante por conhecimento e certezas muitas vezes revela um interlocutor cujo desejo implícito é o da onisciência e da imortalidade. Essa pessoa se sente profundamente incomodada com as limitações do conhecimento humano. Age como se o universo estivesse conspirando para enganá-la, destruí-la — e sua única proteção fosse o conhecimento absoluto. Assim, o conhecimento deixa de ser uma ferramenta para vivermos bem na Terra e passa a ser um meio de transcender a condição humana. Ela perde de vista o contexto humano — precisa ser lembrada de que, para sermos felizes e bem-sucedidos neste universo, o que é conhecível já pode ser suficiente.

Desonestidade intelectual

Em alguns casos, a conversa se torna nebulosa não por uma dificuldade honesta de comunicação, mas porque os participantes, no fundo, não estão atrás de respostas — apenas querem confirmar visões de mundo previamente estabelecidas.

Subjetivismo/Misticismo — Há pessoas que, emocionalmente, preferem o mistério à explicação, o vago ao definido, o esotérico ao científico — e veem uma certa beleza na confusão, no paradoxal. Nesse caso, é importante não se iludir achando que o objetivo da pessoa é chegar a respostas. O prazer dela pode vir justamente da romantização do inexplicável.

Política — Há pessoas que colocam suas crenças políticas acima da lógica e da coerência. Para algumas, o objetivo da conversa filosófica pode ser justamente gerar caos epistemológico, a fim de proteger ideias que não estão abertas a questionamento. A busca por respostas e o linguajar científico são apenas uma fachada.

Esse tipo de desonestidade intelectual torna o Papo Brisado particularmente indigesto. Além de ter que lidar com o caos cognitivo, de pensar dez vezes mais do que o necessário para desfazer todos os problemas de linguagem, de suportar a pretensão de pessoas que não sabem do que estão falando, seu desconforto pode vir também da percepção de algo hostil por trás da conversa: o fato da pessoa estar se aproveitando do seu interesse por fatos e ideias complexas para preparar um ataque à razão e à objetividade. Assim como os Anti-Idealistas na arte atraem o público se apropriando de aspectos do Idealismo apenas para subvertê-los depois, algumas pessoas usam conversas filosóficas como isca para envolver mentes sedentas por conhecimento e aprimoramento intelectual, quando tudo o que elas querem é enguiçar sua mente.

Portanto, para evitar o Papo Brisado, lembre-se de que existem certas condições para que uma discussão filosófica seja produtiva. A pessoa precisa ter boa cognição, conhecimento básico sobre o tema, usar palavras com clareza, não pode ter objetivos impossíveis com a conversa, nem partir de perspectivas filosóficas irracionais e, acima de tudo, precisa ser intelectualmente honesta. Alguns desses erros podem ser corrigidos ao longo da discussão, mas, quando eles começam a se acumular a ponto de tornar impossível desfazer os nós, é hora de mudar educadamente de assunto e poupar sua energia mental.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Lilo & Stitch (2025)

O maior empecilho deste remake é o fato de o original ser uma animação que, embora simpática, tem uma historinha bem água-com-açúcar. Se Lilo & Stitch (2002) tem algo que justifica sua popularidade, é Stitch, que é maravilhosamente concebido. Mas a história em si é uma variação despretensiosa de E.T. que serviria bem para um episódio de uma série animada de TV.

A boa notícia é que o live-action não só consegue preservar o que o original tinha de mais especial — Stitch continua igualmente divertido — como também dá uma polida no roteiro e na caracterização de alguns dos outros personagens: tanto Lilo quanto a irmã mais velha, pra mim, ficaram mais carismáticas nesta versão. É um dos raros casos também em que um remake moderno traz algumas melhorias em termos de valores e mensagem em relação ao original, em vez de apenas corromper a obra. Isso vem da sensibilidade de Dean Fleischer Camp, de Marcel the Shell with Shoes On, que traz personalidade para a produção, pequenos toques que dão vida a cada cena, sem deixar de cumprir seu dever de ser fiel ao material base.

Lilo & Stitch / 2025 / Dean Fleischer Camp

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Filmes Nota 6 Salvariam a Indústria

Astros às vezes são definidos como aquele ator capaz de fazer o público ir ao cinema só para vê-lo, independentemente do filme — e a visão de muitos hoje é que não existem mais astros como antigamente, pois nenhum ator atualmente garante bilheteria. Mas me ocorreu que isso nunca foi literalmente verdade. Se nomes como Schwarzenegger ou Tom Cruise eram suficientes para garantir bilheteria, isso não se devia apenas ao carisma deles, mas também ao fato do público ter certa confiança na qualidade básica dos filmes: a vasta maioria dos filmes que você via, até algumas décadas atrás, cumpria sua função mínima como entretenimento. Um filme "Nota 6" pode não virar o favorito de ninguém, mas rende um programa divertido e faz valer o ingresso.

O problema hoje é que não há mais essa confiança. Princípios e critérios foram jogados pela janela, e é extremamente comum você ver filmes que são uma completa perda de tempo, que não arrancam uma emoção positiva sequer da plateia. Alguns atores atuais teriam potencial para garantir bilheteria "apenas com seus nomes" se aparecessem consistentemente em filmes "Nota 6" ou melhores (em uma métrica Idealista). O público não é tão rigoroso quanto se imagina. O sucesso recente de filmes como Um Filme Minecraft ou Premonição 6: Laços de Sangue mostra que, quando um filme entrega o básico em termos de diversão, o público comparece e responde. Mas esse "básico", que costumava estar presente na vasta maioria dos lançamentos comerciais (o que permitia que as pessoas saíssem de casa para ir ao cinema e escolhessem o filme às vezes só quando chegavam no multiplex), hoje é raridade.

Pegue a Sandra Bullock, por exemplo. Velocidade Máxima (1994) foi o filme que a lançou ao estrelato, e é de fato um filme de ação bem acima da média. Mas quase qualquer filme que você visse com ela nos anos 90 seria no mínimo um passatempo agradável, ainda que não atingisse o mesmo patamar: Enquanto Você Dormia, A Rede, Tempo de Matar e até Velocidade Máxima 2, considerado uma "bomba" pela crítica. O mesmo pode ser dito de Eddie Murphy, Harrison Ford, Meryl Streep, Gene Hackman e até de astros da Era de Ouro (muitos musicais da Judy Garland ou do Fred Astaire eram apenas OK). Era como se o sistema e as práticas estabelecidas na indústria criassem um piso mínimo (em termos de valor de entretenimento) abaixo do qual pouca coisa se sustentava.

Hoje há tantos produtos completamente ocos nesse sentido que é necessário um trabalho de curadoria enorme só para você descobrir algo que atinja esse piso mínimo e pareça um filme legítimo: algo que tenha uma trama minimamente instigante, fácil de acompanhar, com atores/personagens atraentes, "Princípio da Ascensão", uma mensagem digna etc. Portanto, não é primeiramente a ausência de gênios isolados e de atores carismáticos no cinema que está fazendo a indústria colapsar. É a falta de um Sistema, de padrões, dessa base sólida de filmes "Nota 6", entregando entretenimento consistentemente, semana após semana, que fazia do cinema uma opção confiável de lazer — mesmo quando deixava a desejar no aspecto artístico.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Missão: Impossível – O Acerto Final

Não tinha gostado tanto da Parte 1, e este, infelizmente, me agradou ainda menos. O set piece dos monomotores no final é o único que se destaca. O resto do filme é uma grande enrolação — incontáveis cenas de reuniões em salas fechadas, onde se discutem coordenadas, códigos secretos, todo tipo de MacGuffin, mas você nunca entende direito o que está acontecendo (pra não ficarem muito paradas, essas cenas de conversa são sempre entrecortadas por clipes de cenas de ação de filmes anteriores ou flashforwards de sequências que ainda estão por vir — uma tática incrivelmente brochante).

Ethan Hunt, assim como no anterior, continua parecendo sem controle da situação, perplexo em uma narrativa onde tudo está sempre dando errado, da qual ele sai vivo mais por sorte do que por eficácia. O Acerto Final é o filme mais longo da franquia (e um dos mais caros de todos os tempos, com um orçamento estimado em 400 milhões de dólares!), mas é o mais diluído em termos de espetáculo e entretenimento — refletindo essa lógica do "pague o dobro e leve a metade" que virou a norma no mundo pós-Covid. A produção física é caprichada e a dedicação de Tom Cruise é indiscutível, mas o roteiro e a direção dão aquela sensação de que os artistas de Hollywood se tornaram preguiçosos e não investem mais a energia criativa necessária para fazer cada minuto de projeção valer a pena.

Mission: Impossible – The Final Reckoning / 2025 / Christopher McQuarrie

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Cultura - Maio 2025

5/5 - Tarifas em Hollywood

Trump anunciou tarifas altíssimas para filmes produzidos internacionalmente, para incentivá-los a voltar para os EUA. Se for real, provavelmente será uma medida desastrosa — e o pior é que, mesmo entre os críticos das tarifas de Trump, muitos terão receio de mencionar a causa original do problema: se é caro demais produzir filmes nos EUA, isso já se deve a intervenção estatal (estimulada por greves, sindicatos, etc.). Todos querem que os filmes voltem a ser feitos nos EUA, mas ninguém quer torná-los mais baratos eliminando impostos, regulações, e permitindo que as pessoas trabalhem por cachês menores. Descartando essas possibilidades, resta apenas uma "solução" para segurar os filmes no país: mais intervenção estatal — ou seja, o governo multar produções internacionais baratas, ou dar dinheiro aos estúdios americanos para compensar o alto (e artificial) custo de produção.