Parece haver uma correlação entre o declínio da audiência de mídias como TV aberta e rádio (em favor do YouTube, podcasts e redes sociais) e o senso de desintegração cultural, alienação social, etc. A internet foi, aos poucos, promovendo o fim da "monocultura" — aquela época em que todos pareciam estar por dentro das mesmas notícias, sabiam que novela estava no ar, que filmes faziam sucesso nos cinemas, que gírias estavam em alta, quem era famoso ou não, qual era a música do momento — e da sensação reconfortante de que, se você saísse na rua e abordasse uma pessoa aleatória, haveria uma grande interseção entre seus universos.
A cultura atomizada criada pela internet pode ter seu lado positivo, mas a ausência de uma "monocultura" também traz problemas. Acredito, inclusive, que a nostalgia que muitos sentem hoje em relação ao passado — às vezes acompanhada de uma aversão equivocada a estrangeiros — pode estar ligada a um anseio por esse senso de coesão cultural promovido pelas mídias tradicionais.
De uns meses pra cá, voltei a consumir mais rádio e TV aberta — não só para resgatar um pouco dessa coesão, mas também por sentir falta do "modo passivo" de consumo de conteúdo. Na internet, cada um é responsável por criar sua própria cultura. Isso te força a um modo "ativo" constante de consumo: você está sempre escolhendo os conteúdos aos quais será exposto, sempre selecionando, tomando decisões, se autoestimulando. Sem essa autoestimulação, nada acontece — nada vem do mundo externo. Não há nada de errado com isso, mas é importante lembrar que existe uma diferença entre esse tipo de atividade e a de ser exposto passivamente à "monocultura" — pense na diferença entre escutar sua música favorita em um CD e ouvi-la inesperadamente no rádio. Quando um conteúdo é transmitido por uma mídia de massa "oficial", ele ganha uma existência pública — uma relevância cultural que não pode ser construída individualmente.
Sabe quando você fica horas procurando algo para ver no streaming, mas simplesmente não consegue decidir? O problema, nessas situações, muitas vezes não é a ausência do "filme perfeito" para o momento — o que você quer, na verdade, pode ser sair do modo ativo de consumo e simplesmente relaxar, entrar em contato com a cultura ao seu redor — ser conduzido por uma programação definida externamente. E há valor nisso. Não só no descanso mental e no senso de conexão, mas também no lado prático de estar em contato com a sociedade em que você vive. Temos que lidar diariamente com pessoas diferentes de nós, com eventos externos que impactam nossas vidas — então, mesmo que você seja crítico a boa parte da cultura, há vantagens em estar familiarizado com a realidade além da sua bolha.
Acredito, inclusive, que plataformas como a Netflix estão perdendo uma grande oportunidade ao ignorarem esses modos diferentes de consumo. Se, além do catálogo normal, os serviços de streaming tivessem um modo "ao vivo", com uma programação 24h de conteúdos selecionados pela plataforma, haveria um grande público para isso. Seria uma forma de promover estreias simultâneas e outras experiências que sempre associamos à TV tradicional.
A polarização política foi uma das grandes responsáveis por espantar o público da TV aberta, já que o contato com ela passou a ser desgastante para quem não estava sintonizado com determinadas ideologias. Isso pode ter tido consequências piores do que se imaginava. De uns tempos pra cá, no entanto, os discursos polarizantes perderam força, e emissoras como a Globo parecem estar tentando atenuar seu conteúdo para atrair de volta as pessoas que haviam se afastado. Se a TV aberta voltar a ser convidativa para todo tipo de público, e parte da "monocultura" for resgatada, essa pode ser uma das formas mais eficientes de reintegrar aquilo que foi desintegrado na sociedade nas últimas décadas.
Eu posso te dizer que atualmente não sinto mais vontade de assistir TV Aberta e sempre fui mais entusiasta da internet. Só que algumas coisas eu tenho uma relutância em usar, por achar cansativo. Como plataformas de vídeos curtos como Tiktok e Kwai. Só as uso com um objetivo profissional do que buscar entretenimento em si. E, como eu disse em outros comentários, sou muito apegado a mídia física (CD e DVD) eu acho essa "stremanização" nociva não só em qualidade das produções e não permite curtir muito as mesmas quando são boas.
ResponderExcluirAcho que a internet só potencializou esse falso coletivismo que nós vivemos, as pessoas acabam indo para nichos e núcleos as quais elas se indentificam e a própria mídia acaba sendo responsável pela quebra com esses núcleos em alguns casos, acho que falta profissionais do entretenimento e jornalismo que sejam competentes em unir os dois mundos. E mesmo os ditos influencers quando vão a TV em sua grande parte não tem o preparo adequado, profissionalismo. Você esperar uma migração de público deles para a TV é um tiro no pé. Isso já foi visto em coberturas de eventos e programas nas principais emissoras.
Ainda mais no Brasil onde grandes conglomerados assumem regulação de redes sociais junto ao governo. Fica uma guerra, é mais fácil sabotar um lado do que melhorar o que você oferece ao seu público. É uma atitude nefasta e desleal, então pra mim é difícil eu me reaproximar de mídias assim, ainda mais da TV.
Quando ligo a TV eventualmente para ver algo até adormecer geralmente coloco em canais pequenos - ou o SBT. Até mesmo esse último prometeu resgatar a programação tradicional. Até mesmo vou ligar a TV amanhã.
Nota: falando de TV lembrei da Pluto TV uma TV de Streaming com canais temáticos de filmes, desenhos entre outras produções. Achei a ideia fantástica. Nunca fui muito de Netflix, assisti muito pouco e geralmente eram produções que você recomendava.
Eu também tinha abandonado a TV aberta.. aquelas edições do BBB que comentei aqui foram "experimentos" isolados. Acho que desde o final dos anos 90 que deixou de ser uma companhia diária. Mas uns 2-3 meses atrás caiu uma ficha e comecei a perceber alguns aspectos da "mídia mainstream" que faziam falta pra mim. Não é uma questão de escolher entre TV aberta e internet, mas de entender a função e o potencial de cada coisa. Hoje é fácil entender as vantagens da internet em relação à TV, já que aqui você encontra um conteúdo infinito, personalizado, etc. Mas acho que mídias de massa como os grandes canais de TV ainda cumprem um papel que a internet não conseguiu substituir.. esse lado da história é menos debatido atualmente.
ExcluirEu sinceramente não me sinto representado pela mídia em geral, talvez rádio eu até volte a escutar só se for algo como antena 1 ou sulamérica paradiso que privilegie músicas ao invés de notícias.
ExcluirEu sou um entusiasta desse mundo analógico, mas convenhamos ele tá muito deteriorado. Eu sempre gostei de TV: acompanho alguns canais como TV Formosa, Tela Ácida (de um conhecido Peter Shelton- que movimentava a antiga comunidade Anti Video Show) e o Feltrin. Eu vejo pela opinião deles o quanto a tv está desgastada.
O que acho nocivo é viver com a sensação de que a mídia mainstream está contra você.. Claro que a mídia é em grande parte responsável por essa sensação, quando ela se torna muito enviesada. Da mesma forma, acho péssimo, como cinéfilo, sentir que Hollywood foi dominada por Anti-Idealistas. Muito da minha reclamação aqui no blog ocorre justamente porque existe um desejo, da minha parte, de viver em uma cultura que não me pareça hostil. Há 3 ou 4 anos atrás, talvez isso fosse difícil demais.. Não é algo que está totalmente sob nosso controle. O que venho sentindo agora, tanto no cinema quanto na TV aberta, é que eles estão adotando discursos menos divisivos, e, por consequência, se tornando ambientes mais amigáveis. O especial de 60 anos da Globo, pra quem viu, acho que foi um bom marco nesse sentido... E estou curtindo acompanhar (casualmente) esse remake de Vale Tudo, apesar de algumas decisões criativas questionáveis. Não que eu fique o dia todo com a TV ligada.. Mas quando quero sair da internet e entrar em outro modo de consumo, ligo o rádio pra me atualizar com as notícias (numa CBN, por exemplo) ou deixo a TV ligada na sala, sem o compromisso de ver algo do começo ao fim. Há um valor às vezes na mera percepção de que a cultura mainstream não é tóxica (o tempo todo, pelo menos). Não sei até que ponto estou conseguindo sentir isso atualmente por mudanças em mim, mas acho vêm ocorrendo mudanças na própria mídia também — não me parece uma percepção totalmente subjetiva.
ExcluirA cultura mainstream ainda me parece, em muitos aspectos, contrária a pessoas como eu. Sempre sonhei com o dia em que o nerd seria aceito, mas o que acabou sendo acolhido foi apenas a cultura nerd — e não o nerd em si. A indústria abraçou os produtos, os lucros e a estética, mas ainda sinto certa hostilidade vinda desse meio. Eles só baixaram a guarda quando perceberam que estavam mexendo com o próprio bolso.
ExcluirNão assisti ao especial de 60 anos da Globo. Parece mais uma tentativa de reconquistar o público, mas a imagem da emissora está bastante manchada. A TV sempre teve um lado obscuro, como mostra o livro Afundação Roberto Marinho, de Romero Costa Machado. A obra expõe uma parte desse bastidor que a TV tem de negativo”.
Não julgo os gostos alheios, desde que o entretenimento cumpra seu papel principal: divertir, sem panfletagem ideológica forçada. Tenho dificuldade em consumir filmes atuais, e isso me levou a revisitar obras do passado que deixei passar — e, surpreendentemente, encontrei nelas muito mais valor do que imaginava. Vai demorar um tempo pra isso voltar, talvez eu nem esteja mais vivo quando isso ocorrer, e sempre vou olhar com desconfiança pro material, esperar análises confiáveis - um bom referencial de criadores. Não dá mais pra confiar num mundo assim
O bom de não me apegar tanto a TV e consumir material seleto pela internet é que me permite focar em outras coisas. A TV perdendo o ponto central me fez perceber outras mídias, valorizar a criação de conteudo e a comunicação com pessoas de outros lugares.
Eu não sei quanto a você, eu sou bem humilde. Vivo em uma zona periférica e as oportunidades sempre forma difíceis pra mim, então pra mim o que a TV diz não me diz tanto, até mesmo olho com ar de desconfiança ao material que consumo, eu prefiro escolher o que consumir do que assistir passivamente através da TV. E, se não tiver o que escolher, dificilmente eu assistiria TV novamente.
É que aí você está misturando a questão do enviesamento ideológico da mídia mainstream com a questão da "representatividade" — de você se sentir acolhido ou não em termos da sua identidade social particular... Isso é uma discussão paralela. Eu também não me sinto bem representado pela TV aberta nesse sentido íntimo (a TV aberta tem que mirar num público geral). Mas posso consumir sem problemas se ela não ficar promovendo valores intoleráveis, se refletir um senso comum aceitável, etc. É como estar em um espaço público.
ExcluirNão estou recomendando abrir mão dos benefícios da internet. Só apontando um possível valor nessas mídias de massa... E quando falo em "consumo passivo", é claro que ele nunca é 100% passivo, pois você ainda escolhe quando, por quanto tempo quer estar em contato, etc.
Claro que tem um pouco dessa mistura, não nego. Pessoalmente acho que deixar uma TV ligada atualmente é um desperdício, a não ser que tenha aquele fator curiosidade. Percebe como a motivação é o que leva as ações? Vou pegar até mesmo a opinião do Feltrin: a TV ainda tem seu espaço, existe uma parcela que ainda consome esse produto, seja costume ou porque tem quase nenhum tipo de diversão. Eu posso não assistir mais TV, mas a TV ainda é tema dentro de minhas buscas a Internet. Mesmo que não tenha motivos de assistir atualmente.
ExcluirÉ, não estou falando pra ligar só pelo ritual.. Apenas se a programação tiver um mínimo de valor pra você. E quando falo "TV Aberta", talvez vc esteja pensando em milhares de coisas: programa do Ratinho, novela trash da Record.. então vou ser mais específico: estou me referindo a coisas que tenho visto ocasionalmente na Globo, desde reexibições de novelas clássicas como Tieta, A Viagem, o remake atual de Vale Tudo, a alguns programas tradicionais de jornalismo. Algumas dessas coisas funcionam como os remakes de Hollywood - ainda dependem de criações do passado, não são tão bons quanto os originais, mas, na medida em que tentam preservar o espírito e evitam a politização, podem render um conteúdo decente.
ResponderExcluirO propósito desse meu texto não foi defender o conteúdo da TV aberta, menos ainda o atual. Estou falando basicamente do FORMATO, do valor da mídia em si. O conteúdo, apesar de eu perceber essa melhora, pode sempre ser bem melhor.
Aí é que esta: não sou fã da Globo atual, mesmo sabendo do valor de seu legado do passado. Eu não gosto dos formatos dos programas atuais, então fica difícil eu ser motivado a dar uma chance a uma TV cujo não é o meu perfil consumidor atual. Entendo que existam perfis consumidores diferentes, até mesmo na época que a TV era o pilar do entretenimento nacional e a Internet era um tímido nicho. E como eu disse mesmo que haja um rebranding, que eu não vejo acontecer, vai demorar para conquistar o público que tinha novamente. Mesmo a Vale Tudo pelo que ando vendo por aí tá com problema de audiência e a saída de autores como Glória Perez e um ponto a se pensar.
ResponderExcluirEu já entendi que você não gosta do conteúdo da Globo (apesar de, aparentemente, você não estar consumindo atualmente para ter certeza se continua tão ruim), e eu não estou falando que a programação atual está ótima. Meu texto é primeiramente sobre a forma diferente de se consumir conteúdo via mídias de massa, e sobre a capacidade dessas mídias de proporcionarem mais coesão cultural, em contraste com a internet (mesmo fora do Brasil).
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