- Não-Idealismo: a ideia de um romance entre uma mulher frígida e um homem com o braço paralisado que são funcionários de um matadouro não é particularmente inspiradora.
- Horrível o filme mostrar as vacas sendo abatidas, decapitadas, desmembradas. O que é isso, Okja versão "filme de arte"? Pra que servem as imagens lindas dos cervos na floresta? Pra constrastar com as vacas no matadouro e fazer a plateia se sentir culpada por comer carne?
- Curiosa a história do roubo do pó de acasalamento (mas será que isso servirá pra algo na história?). O filme é cheio de detalhes divertidos, como o elemento sobrenatural dos protagonistas compartilharem o mesmo sonho. Ele tem alguns elementos Idealistas, mas apresentados de maneira fria, dentro ainda de um estilo Realista (seria mais um caso de Minimalismo - o que é menos ruim).
- A caracterização da protagonista é interessante e muito perspicaz - ela indo naquele terapeuta infantil, as características meio autistas, a inteligência aguçada pra algumas coisas mas o lado social prejudicado, a sexualidade mal desenvolvida... Faz muito sentido uma mulher assim trabalhar com análise, controle de qualidade, pois é uma pessoa totalmente mental, que vive num mundo de ideias, desconectada do corpo, das outras pessoas, etc.
- Mas ainda não é clara qual a relação entre todos esses elementos. O sonho, os cervos, o matadouro, a personalidade da Mária, o pó de acasalamento... O filme é sobre sexualidade? Ainda não há uma ligação muito sólida entre tudo.
- Hilário a Mária tentando se tornar mais "normal": a cena dela ouvindo rock, assistindo filme pornô. O filme enfatiza a incongruência, então se torna cômico (a senhora da limpeza dando dicas de sedução é simplesmente genial). Nesse momento o filme começa a tomar uma direção mais clara, a ter um conflito central: Mária precisando superar sua natureza frígida pra poder ter uma experiência romântica com Endre.
- Endre também é um cara desconectado do corpo (o braço que não funciona) e de sua natureza sexual (a apatia quando vai pra cama com aquela outra mulher).
- SPOILER: Quando a conexão entre os elementos do filme finalmente te atinge, é uma experiência realmente fantástica. A cineasta não entrega suas ideias de bandeja pro espectador, vai simplesmente contando a história no seu ritmo, preocupada apenas com sua coerência interna, e confiando que a mensagem será eventualmente transmitida, mesmo que num nível emocional, subconsciente. Na minha visão, o filme é sobre o rompimento entre corpo e mente (ou "Corpo e Alma" como diz o título) e a maneira como isso torna as pessoas incompletas e infelizes. Os personagens trabalharem num matadouro não é uma crítica banal ao consumo de carne - é simplesmente pra mostrar de maneira simbólica que essas são pessoas que matam (reprimem) o lado "animal" delas (o corpo, o sexo), e lidam com ele de maneira platônica (lindos cervos numa floresta imaginária), mas não conseguem integrá-lo ao mundo real (na vida real, o "animal" é sujo e deve ser rejeitado, abatido cruelmente como as vacas / e o sexo não é natural, precisa de um pó de acasalamento pra acontecer, etc).
- SPOILER: Legal o momento de "crise" do roteiro onde o Endre decide parar de encontrar Mária nos sonhos. A tentativa de suicídio dela é uma das mais chocantes que já vi: a perfeição dos efeitos visuais, a maneira casual como tudo é filmado, sem drama, a câmera friamente mostrando o sangue jorrando, como as vacas do matadouro (Mária não pôde encontrar harmonia entre corpo e alma no mundo real, então resolveu rejeitar definitivamente o corpo).
- SPOILER: Sensacional o fim - Endre telefonar de última hora e interromper o suicídio de Mária - e o eventual "final feliz". A cena de sexo entre os 2 é filmada de maneira simples (alguém que veja a cena fora de contexto achará até banal ou feia), mas o filme construiu um contexto tão rico até chegar nesse momento, que acaba sendo uma das cenas de sexo mais "épicas" que eu já vi no cinema. E o detalhe no fim dos cervos terem desaparecido da floresta é brilhante: o "animal" não está mais num mundo paralelo, não é mais uma noção platônica. Através do outro, Mária e Endre finalmente conseguiram, no mundo real, unir corpo e alma.
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CONCLUSÃO: Um tipo de sensibilidade artística que raramente se vê no cinema.
On Body and Soul / Hungria / 2017 / Ildikó Enyedi
FILMES PARECIDOS: Grave (2016) / Ninfomaníaca (2013) / Anticristo (2009)
NOTA: 8.0