1) O meio intelectual conservador nunca foi um grande berço pra artistas talentosos, e este filme parece comandado por pessoas mais preparadas pra entregar um discurso ideológico espertinho do que pra criar um bom entretenimento.
2) Até em Hollywood, a crise de talento hoje é tamanha que nem profissionais da área conseguem mais fazer comédias besteirol no nível de um As Branquelas (filmes que na época eram considerados trash, mas que hoje por contraste já revelam certas virtudes que antes passavam despercebidas, como comentei na crítica de De Volta ao Baile). Se até os "pros" de hoje parecem amadores, que dirá pessoas sem tanta experiência na área. (Pra dar um crédito pro filme, até que ele não está tão abaixo das comédias ruins feitas em Hollywood hoje).
3) Há uma diferença entre você fazer um filme com um viés de direita, e um filme promovendo uma organização ideológica específica. Uma vez li em um livro teórico sobre comédia que "humor de direita é um oxímoro". Discordo disso em partes pois não vejo por que a direita não possa ser engraçada; consigo imaginar a cultura woke sendo alvo de uma sátira e conseguindo apelar pro público geral (me vem à mente o recente South Park: Joining the Panderverse, filmes como Trovão Tropical, o trecho de A Vida de Brian onde o Eric Idle decide virar "Loretta", e até o De Volta ao Baile, que não diverte mais por falta de qualidade do que pelo alvo das piadas em si). Mas por um lado entendo o que pode ter levado o autor do livro a afirmar tal coisa. Um pouco pode ter a ver com a natureza mais rígida e moralista da direita. Mas acho que uma questão mais fundamental aqui é: nenhum desses filmes que citei foi feito primeiramente pra promover uma ideologia, ou parece filiado a uma organização política específica, a uma sub-cultura particular, cheia de códigos internos e de valores que precisam ser defendidos em conjunto pra você fazer parte. Já o Daily Wire tem sim uma agenda ideológica, está fazendo propaganda de seu próprio movimento, e isso fica claro ao longo do filme (há participações especiais de figuras fundadoras como Ben Shapiro, Matt Walsh, Candace Owens etc.). Então o oxímoro pra mim não seria "humor de direita", e sim "entretenimento panfletário" (que valeria também pra filmes panfletários de organizações de esquerda, de religiões, de países em guerra etc.), pois a intenção de entreter, descontrair, fazer rir, é incompatível com a mentalidade de alguém agarrado a um grupo, tentando se proteger, querendo salvar a sociedade de uma ameaça iminente (neste sentido, o lado que estiver perdendo numa guerra cultural terá sempre menos chances de expressar leveza e descontração — o que estiver ganhando ainda conseguirá camuflar melhor o desespero por trás de sua militância). Toda obra de arte/entretenimento é "militante" no sentido de expressar a preferência de um artista por certos valores. Mas há uma diferença entre um artista promovendo seus valores pessoais, promovendo valores amplos e atemporais que apelam pra uma grande fatia da humanidade, de uma obra panfletária querendo lidar com crises do momento, promovendo uma doutrina específica, uma organização reconhecível na cultura. Tais grupos ideológicos são sempre sustentados por racionalizações, e quanto mais irracionais forem essas racionalizações, mais o grupo refletirá um estado de apreensão, medo, ódio, repulsa, autoenganação, que será sentido pelo espectador — e isso sim é incompatível com divertimento. Por isso todas essas tentativas de dar uma roupagem de entretenimento leve e escapista pra filmes que no fundo têm intenções panfletárias acabam resultando não só em obras não muito bem feitas (já que bons artistas são sempre escassos nos confins desses grupos) como resultam também em obras artificiais, que parecem desonestas em algum nível, disfarçando suas verdadeiras naturezas. O Daily Wire, que se revolta tanto com as crises de identidade dos outros, deveria refletir um pouco também sobre esse tipo menos óbvio de confusão de gênero.
Lady Ballers / 2023 / Jeremy Boreing
Satisfação: 3
Categoria: NI
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2 comentários:
Eu esperava que o filme seguisse um viés espantalho mesmo, até porque como dito a falta de experiência dentro dos idealizadores acaba comprometendo. Mas devido a essa caricatura que se carrega parte do progressismo LGBT eu vejo o filme como um produto de consequência de uma imposição cultural vinda do polo esquerdista. Se existirá uma Direita atuante artisticamente com competência, talvez seja o filme seja o primeiro passo, mesmo que de forma muito rudimentar.
Acho que filmes assim podem ajudar a por um fim à "era woke".. pois vc começa a naturalizar o ato de zombar desses temas em mídias mais oficiais.. assim como o Bill Maher faz no talk show dele etc. Hoje já não é tão tabu mais fazer piada de algumas dessas coisas mais extremas da esquerda.
Mas não acho que exista uma barreira pra filmes conservadores que esse filme vá ajudar a quebrar.. Pq se você for ver, já existem muitos filmes mainstream com valores conservadores. O que não existe são tantos filmes panfletários de direita.. Mas não vejo isso como algo desejável.
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