O original de 1985 eu gosto bastante apesar das tentativas do Spielberg de combinar seu estilo escapista com temas mais adultos/sociais nem sempre darem totalmente certo. Mas acho uma história benevolente e emocionante sobre uma mulher tendo que lutar contra obstáculos internos e externos pra aprender a defender sua felicidade, e esse remake ficou bastante fiel ao original, tanto em espírito quanto em estética, apesar de tudo ser mais extravagante visualmente por se tratar de um remake musical.
Há algumas sub-tramas meio apressadas, e acho que os números musicais mais teatrais destoam um pouco da ambientação rústica do resto da história. Mas de modo geral, achei que tudo funcionou muito bem: Fantasia Barrino, Colman Domingo, Danielle Brooks e Taraji P. Henson estão todos extraordinários, Blitz Bazawule é o raro caso do diretor com pouca experiência no cinema que acerta na direção de um musical (talvez por ser um "multiartista" com uma carreira prévia na música), e acho difícil pensar em um filme de 2023 que seja mais virtuoso levando em conta todos os "quesitos" do Oscar (fotografia, design de produção, figurino, som, edição etc.).
O fato dele ter sido ignorado pela Academia em quase todas as categorias (exceto atriz coadjuvante), pra mim é o maior flagrante do ano no que diz respeito aos princípios decadentes do Oscar. Temos aqui um filme comandado por artistas negros que é nitidamente superior aos indicados em algumas categorias (desafio qualquer um a justificar por que a Lily Gladstone tem um desempenho melhor que o da Fantasia Barrino, por que a fotografia ou edição de Oppenheimer são melhores que as deste filme, por que a canção "Wahzhazhe (A Song for My People)" é melhor que "Keep It Movin" etc.). Já comentei no caso de Air que filmes com um viés Idealista não têm força em premiações hoje em dia. Mas vendo A Cor Púrpura, outra coisa pra mim ficou óbvia: que "diversidade e inclusão" só são uma real prioridade pra Academia quando o filme/artista "incluído" serve pra fazer um ataque aos homens brancos, denunciar o mal dos ricos, privilegiados, "opressores" etc. Se reconhecer o talento de atores e cineastas de grupos sub-representados fosse a real prioridade da Academia (como ela gosta de fazer parecer), A Cor Púrpura teria sido indicado em várias categorias (e teria merecido). O "problema" é que A Cor Púrpura não só é Idealista demais (mostra uma mulher negra empreendendo e sendo livre nos EUA antes mesmo do movimento dos Direitos Civis, imaginem só) como não é sobre negros sendo maltratados por brancos. É primeiramente sobre negros vitimizando outros negros (assim como A Mulher Rei, que também foi esnobado ano passado). Isso não serve aos propósitos da Academia. E por que Danielle Brooks foi indicada? Simples: pois os únicos 5 minutos de A Cor Púrpura que focam em um personagem negro sendo vitimizado por brancos é a cena-chave da Danielle Brooks, na qual ela é espancada e presa após se defender de uma ofensa racista feita por uma mulher rica. Só nesse momento Danielle se torna uma grande atriz pra Academia — assim como America Ferrera, quando dá seu discurso anti-patriarcado em Barbie (que lhe rendeu uma indicação inesperada enquanto a protagonista do filme foi esnobada). Fazendo exercícios simples de lógica como esses, começam a ficar claras as reias motivações da Academia hoje, e vem à tona a triste verdade: que minorias que "apenas" são as melhores não têm muitas chances de ganhar um Oscar hoje. Afinal, premiar minorias com base em mérito, real talento, não serve pra exibir a superioridade moral dos votantes — o quão nobres e altruístas eles são por criticarem a si mesmos, ajudarem os incapazes, e abrirem mão de alguns de seus privilégios em nome da "justiça social".
The Color Purple / 2023 / Blitz Bazawule
Satisfação: 8
Categoria: Idealismo
Filmes Parecidos: A Cor Púrpura (1985) / Dreamgirls: Em Busca de um Sonho (2006) / Estrelas Além do Tempo (2016) / Cavalo de Guerra (2011) / Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi (2017)
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