quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Dias Perfeitos

Até me arrependi de ter chamado Folhas de Outono de um exemplo de Naturalismo puro, pois Dias Perfeitos ganha de longe nessa disputa. Folhas ainda tinha algo de conceitual, um estilo retrô curioso, uns comentários políticos brotando pelas entrelinhas. Dias Perfeitos é o simples registro da rotina de um homem que trabalha limpando banheiros públicos no Japão. Nada mais — nenhum truque na manga, nenhuma ousadia estilística, nenhum comentário político disfarçado, nem mesmo uma tentativa de vitimizar o personagem, criar sensacionalismo transformando sua vida num sofrimento terrível. O protagonista Hirayama parece bem contente até com sua existência (exceto pela expressão em seu rosto na cena final — o misto de riso e choro ao som de Nina Simone, que é uma cristalização inconfundível do Senso de Vida Malevolente, e revela a verdadeira intenção do filme, que não é a de mostrar "dias perfeitos" coisa alguma).

Esse pseudo-otimismo do personagem ao longo do filme é a única coisa que torna a "história" (não há uma história) menos deprimente que um filme como Nomadland, por exemplo. Ainda assim, é uma experiência monótona e criativamente/intelectualmente vazia. Pra quem achou o filme primoroso, proponho o seguinte exercício mental: imagine um filme com a mesma estrutura, o mesmo padrão técnico/visual, a mesma profundidade nos diálogos, com um ator com o mesmo nível de talento, mas que em vez da rotina de um limpador de banheiros, registrasse a rotina de um CEO bem-sucedido, ou a de uma madame rica. Tal filme continuaria soando "profundo", "sensível" pra você? Ou o personagem ser um limpador de banheiros é o que magicamente torna o filme superior cinematograficamente?

Perfect Days / 2023 / Wim Wenders

Satisfação: 1

Categoria: Não Idealismo (Naturalismo)

Filmes Parecidos: Drive My Car (2021) / Nomadland (2022) / Central do Brasil (1998) / Era uma Vez em Tóquio (1953)

Nenhum comentário: