segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Jungle Cruise

Fazia tempo que eu não via uma bomba deste nível no cinema. Minhas anotações pra esse filme não passaram de uma longa lista de "que diabos é isso?" a cada nova cena, então nem adianta eu transcrevê-las aqui como de costume. 

O filme já parece estar no trilho errado desde o início, antes da viagem pelo rio começar. O Jungle Cruise da Disney é um passeio por uma selva africana, e foi inspirado no clássico Uma Aventura na África (1951) com Katharine Hepburn e Humphrey Bogart. Não tem como lembrar do brinquedo e não se lembrar de elefantes, hipopótamos, hienas... Então já é um pouco frustrante o filme ignorar suas raízes e se passar na Amazônia, tendo botos-cor-de-rosa e piranhas no lugar. Mas independentemente disso, a questão é que o elemento escapista de Jungle Cruise é a natureza em si: o conceito simples de pessoas civilizadas jogadas na selva e tendo que sobreviver a corredeiras, crocodilos, etc. Aqui, o fantástico não é mais a natureza, e sim o misticismo, os elementos sobrenaturais e fantasmas que eles encontram no caminho (tentaram fazer uma mistura de Piratas do Caribe com Indiana Jones e A Múmia (1999), mas acertaram mais em A Ilha da Garganta Cortada).

Algo parece não funcionar direito na combinação dos elementos que usaram pra compor o universo do filme. Existem 3 níveis de escapismo competindo entre si: pro espectador, a Londres de 1916 já parece um outro planeta. Deste ambiente, os personagens viajam para a selva Amazônica, que é um lugar ainda mais exótico. Daí, dentro da selva Amazônica, eles descobrem um universo de monstros e criaturas sobrenaturais. A essa altura, já perdemos qualquer referência da realidade.

Em vez uma aventura na natureza como sugere o título, você de repente está diante de cobras e abelhas falantes, um exército de mortos-vivos, em outro momento surge a Árvore das Almas de Avatar, em outro você se vê diante do fantasma de Aguirre, o conquistador espanhol, que era a última coisa que eu esperava ver neste filme — a mistura de Amazônia, índios, com figuras hispânicas da Idade Média também cria uma combinação estranha de temas (há uma coadjuvante que até agora não sei se é pra ser uma índia brasileira ou uma cigana). Como se não bastasse, ainda temos uma espécie de submarino nazista perseguindo os mocinhos rio abaixo (!). É simplesmente uma salada horrível de elementos que não se encaixam e não criam uma situação interessante. E isso é só o ponto de partida, os ingredientes básicos da história. Acrescente a isso a Mentalidade Clichê, as Emoções Irracionais, a falta de Objetividade na Direção, e todos os problemas narrativos, e você tem uma aberração como eu não vejo há um bom tempo.

O filme é desses que parecem se passar numa realidade de vídeo game: num segundo, 2 personagens estão no mesmo lugar; daí alguma ação confusa acontece, e poucos instantes depois, um deles aparece 200 metros dali pendurado numa tirolesa ou cipó que você não sabe de onde veio, fazendo você pensar se perdeu algo importante na fração de segundo que desviou o olho pra pegar pipoca. Pessoas podem morrer e ressuscitar, situações que você pensava serem reais se revelam um teatro armado pelo Dwayne Johnson, que é um trapaceiro na trama. Temos a impressão de que nada é sólido, real, e que as coisas vão surgindo na tela de acordo com o fluxo de pensamentos do roteirista, sem nenhuma âncora no mundo físico ou numa lógica narrativa.

Há um senso de confusão até em cenas estáticas onde as pessoas estão apenas conversando. Veja esse trechinho do filme onde os personagens estão todos parados e só há diálogos. Perceba a desorientação espacial que a quebra de eixo constante na fotografia provoca: quando Emily Blunt está falando com Dwayne Johnson, a câmera salta aleatoriamente do lado da frente para o lado de trás deles... Portanto, quando Emily está olhando para Dwayne, em um take ela aparece olhando da direita para a esquerda da tela, e no take seguinte ela aparece olhando na direção oposta, sendo que a posição de ninguém mudou:

Essa alternância constante cria um senso de confusão visual, que é reforçado pela aleatoriedade da edição: repare como os cortes parecem ocorrer sem nenhum critério; como a cada 2 ou 3 segundos ocorre um corte independentemente do conteúdo, muitas vezes antes do personagem terminar a frase, como se a edição estivesse obedecendo uma regra arbitrária de que o filme não pode permanecer mais que 5 segundos numa mesma imagem. Se isso é assim numa cena quase estática, imagine no resto do filme! Já andaram num carro onde o motorista parece hesitante: tira e põe o pé no acelerador sem motivo, freia em momentos inesperados? Um motorista ruim pode causar enjoo no passageiro com esse tipo de instabilidade, e algo parecido ocorre na mente do espectador quando um cineasta não sabe filmar e editar. (Este vídeo no YouTube faz uma ótima comparação entre boa e má direção).

O fato do filme ter um tom benevolente e personagens relativamente positivos nem contou muito pra mim nesse caso, pois nenhum personagem parece real, nenhum diálogo traz qualquer senso de verdade. Tudo parece uma imitação baseada numa noção vaga e clichê que o roteirista tem de aventuras antigas — mais ou menos quando te pedem pra escrever uma redação na 5ª série e você não tem nada a dizer, portanto você escreve apenas tentando reproduzir o tom de outras redações que você já leu, e suas palavras são completamente vazias.

Jungle Cruise / 2021 / Jaume Collet-Serra

4 comentários:

Anônimo disse...

"A Ilha da Garganta Cortada" foi mesmo péssimo, um fracasso merecido, um filme vazio e malfeito, com um final tão aberto quanto sem sentido, que queria dar deixa para continuações, em que Geena Davis e seus piratas conseguem o gigantesco tesouro, mas o deixam de lado, pra continuar pirateando por aí, porque, aparentemente, isso era mais divertido. Se acabassem na forca ou no fundo do mar, não dava pro espectador lamentar.
Pedro.

Caio Amaral disse...

Nem lembro como acabou o filme! Lembro só desse mesmo senso de bagunça.. de que as peças não se encaixavam direito: as explosões tipo Michael Bay num filme de época, o humor, as escolhas de elenco.. etc.

Anônimo disse...

Isso me lembra de uma conversa que tive com uns amigos cinéfilos sobre se o Indiana Jones e a Última Cruzada fosse feito por esse povo de hoje em dia. Primeiro que a história seria toda de pontas-cabeça. A motivação primária do Indi seria curar uma ferida emocional, para isso ele descobre que precisa reatar laços com seu pai, daí ele descobre que precisa salvar o seu pai da “direita nazista”, daí ele descobre que seu pai está morrendo, para daí então descobrir que existe um tal de Santo Graal que pode salvar seu pai. Aí só nos 20 minutos finais o Indi resolve fazer a investigação sobre o Santo Graal e em vez de ser um clímax de aventura, vira uma introdução expositiva, como se o filme tivesse começando agora.

Caio Amaral disse...

Haha.. vc pegou o espírito.. no final ele ainda podia precisar escolher entre salvar o pai ou se sacrificar, ficando pra trás junto com o cavaleiro.. óbvio que ele escolhe ficar pra trás e morrer.. mas daí de última hora surge uma magia inesperada que o salva.