domingo, 5 de janeiro de 2025

Estilo Acima de Conteúdo

O cinema é uma mídia altamente expressiva e isso frequentemente atrai pessoas que querem usá-lo para explorar interesses e aptidões particulares, ignorando o fato de que ele é, essencialmente, uma arte narrativa. Um exemplo comum desse tipo de criador é o estilista ou designer — indivíduos que priorizam as propriedades visuais e sensoriais da arte. Esses criadores costumam se expressar por vias não-verbais e subjetivas, o que geralmente os torna inaptos como roteiristas de filmes. Ao idealizar um projeto, eles tendem a detalhar minuciosamente elementos como direção de arte, figurino, trilha sonora, fotografia e movimentos de câmera, tratando o roteiro apenas como um mal necessário para viabilizar sua visão estética. Para eles, o sentido do cinema está nos estímulos sensoriais e no universo estético que os fascina.

O problema é que estímulos sensoriais, por si só, não comunicam conceitos ou ideias e, portanto, não provocam emoções genuínas (exceto Emoções Irracionais). Quando um cineasta desse tipo tenta se expressar através da estética, ele está, na verdade, buscando um atalho. Ele escolhe uma estética porque ela o transporta para um universo que reflete seus ideais, mas não compreende a verdadeira origem de suas emoções. Por exemplo, um artista pode fazer um filme com a estética dos anos 1950 — Cadillacs, drive-ins, brilhantina, Marilyn Monroe, letreiros vintage da Coca-Cola, etc. Ao recriar esse visual, ele apenas toma emprestadas as emoções associadas a esses elementos, que foram construídas por artistas e obras anteriores. Ele espera que, ao representar fielmente esse estilo, o espectador sinta as mesmas emoções que ele associa a esse universo estético, sem precisar compreender ou expressar diretamente seus próprios valores. No caso dos anos 1950, o artista pode estar atraído por uma idealização da juventude, do capitalismo ou dos Estados Unidos. Ou então, ele pode usar a estética "perfeitinha" dos anos 50 para sugerir artificialidade e comunicar seu desprezo por esses mesmos temas. Em qualquer caso, o artista não trabalha diretamente com conceitos ou ideias, mas apenas referencia elementos concretos que no passado projetaram tais valores.

Filmes que tentam substituir conteúdo por estilo são sempre marcados por superficialidade e monotonia. Eles podem ter uma atmosfera interessante que atrai no início, mas rapidamente se tornam previsíveis e repetitivos. Isso ocorre porque suspense, surpresa e verdadeiro envolvimento dramático dependem do conteúdo.

Se um espectador do tipo "estilista" assistisse a um filme voltado para o conteúdo, como os do Woody Allen, por exemplo, e desligasse o som para focar apenas na direção de arte, nas cores dos cenários e nos figurinos, o filme pareceria totalmente incoerente. Seu apetite estético não seria "alimentado" de um plano para o outro. Os cortes e enquadramentos pareceriam aleatórios, como se seguissem uma lógica alienígena.

O mesmo acontece quando um espectador orientado pelo conteúdo assiste a um filme voltado para o estilo. Apesar dos personagens pronunciarem frases gramaticalmente corretas e suas ações terem alguma consistência, o conteúdo parece vago e desconexo. Não há uma lógica clara interligando as ações ou cenas, ou, quando há, essa lógica é secundária, com a estética ou atmosfera servindo como o principal elemento de conexão entre os planos.

O talento desses cineastas pode ser valioso em áreas como moda, design, publicidade e videoclipes, mas um longa-metragem não se sustenta apenas com esse tipo de comunicação. Por ser uma arte temporal, o cinema exige um enredo — que exige ideias, conceitos, valores e comunicação objetiva. Nenhuma pessoa racional tolera passar uma hora e meia em um transe sensorial, sem alimento para o intelecto.

Assim como o "como" depende do "o que", o estilo deve vir depois do conteúdo, servindo para dar vida e cor às ideias apresentadas no roteiro, que precisam ser envolventes e interessantes por si só.

Uma boa maneira de testar se uma música é realmente boa é tocá-la no piano — sem vocais, letra e seu arranjo original. Se ela continuar satisfatória apenas pela melodia, ritmo, harmonia e estrutura, trata-se de uma composição sólida. No cinema, o roteiro é esse conteúdo fundamental. Fotografia, direção de arte, atuações, efeitos especiais e trilha sonora vêm depois. Nos melhores casos, o estilo é tão memorável que se torna difícil imaginar a obra sem seus visuais e sons característicos, mas o roteiro é o alicerce. Sem o conteúdo, esses elementos estilísticos perdem toda a emoção associada a eles.

Exemplos de Estilo Acima de Conteúdo

Wes Anderson, Luca Guadagnino, Yorgos Lanthimos, Robert Eggers — Alguns cineastas fazem o que chamo de "fashion films": filmes que parecem existir quase exclusivamente pela estética e que, nos piores casos, se tornam exercícios vazios de estilo. Cenários, figurinos, estilos musicais e tudo relacionado ao design dominam a experiência. O enredo, nesses casos, parece existir apenas para viabilizar a estética, como o tema de um desfile de escola de samba, que orienta fantasias e alegorias, mas não é o foco principal do espectador.

Tim Burton, Baz Luhrmann, Guillermo del Toro, Jean-Pierre Jeunet, Sofia Coppola — Se encaixam parcialmente na categoria acima, mas seus filmes geralmente têm uma dose maior de enredo e conteúdo.

Filmes "Hitchcockianos", "Tarantinescos", "Kubrickianos" — Alguns cineastas se encantam tanto pelo estilo de diretores icônicos que seus filmes acabam se tornando exercícios de imitação, em vez de esforços genuínos para contar histórias próprias. Nesses casos, a imitação é uma tentativa de captar o talento desses artistas por meio da estética. (Tarantino, embora frequentemente imitado, é em parte um imitador também).

Filmes "Oitentistas", "Neo-Noir", etc. — O estilo de certas décadas ou gêneros pode inspirar cineastas que priorizam a estética em detrimento do conteúdo.

Brady Corbet, Jonathan Glazer, Xavier Dolan, Gaspar Noé e os "Fashion Films" de Arte — A estética rústica e árdua associada ao cinema de arte pode atrair cineastas interessados em prestígio, prêmios, levando ao fenômeno da Pseudo-Sofisticação.

Christopher Nolan, Zack Snyder, Denis Villeneuve — A imponência e as proezas técnicas dos blockbusters criam uma estética atraente que frequentemente serve como um substituto para o conteúdo narrativo. Embora não façam filmes desprovidos de substância, muitos dos sucessos desses cineastas se sustentam na grandiosidade e na "sensualidade" de suas produções.

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sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Problemas do Objetivismo #12 - Ambição vs. Ganância

Alguns intelectuais objetivistas às vezes ignoram ou "passam pano" para um aspecto negativo do mundo dos negócios que é extremamente comum e malvisto pela maior parte da população: a atitude de empresários que não enxergam a diferença entre ganhar dinheiro e criar algo de valor.

Ansiosos por defender o capitalismo e os princípios do livre mercado, eles às vezes esquecem que muitas coisas feitas em liberdade podem, e frequentemente são, menos que heroicas.

Um objetivista concordaria que é imoral um marido violentar fisicamente sua esposa e que ele deveria ser punido por isso. Mas, dentro do que é permitido pela lei, existe uma diferença enorme entre um casamento feliz e uma relação tóxica, dominada por mentiras, incompatibilidades e ressentimento — embora esse tipo de relação seja perfeitamente legal. Não precisamos sugerir que o governo deva interferir ou proibir aquilo que é imoral ou desprezível — mas isso não significa que devemos ignorar as diferenças entre o que é admirável e o que não é.

Há uma diferença enorme, por exemplo, entre Walt Disney e Bob Iger (atual CEO da Disney). Ambos queriam fazer dinheiro, mas Walt Disney claramente buscava isso como consequência de criar algo magnífico e oferecer um grande valor para seus clientes. Ele disse uma vez que, na Disneyland, queria que o cliente pudesse entrar em um prédio de 1 milhão de dólares pra comprar um hambúrguer por 50 centavos. Obviamente, ele esperava lucrar com essa troca — Disney não era um altruísta. Ainda assim, ele parecia se animar ao fazer o cliente sentir que pagou pouco em comparação com o benefício que teve. Iger já parece ser do tipo que se orgulharia de conseguir vender por 1 milhão de dólares um produto que, na prática, vale 50 centavos.

Muitos acreditam que não é possível ser bem-sucedido prejudicando seus clientes, pois as forças do mercado trabalhariam contra você. A longo prazo, isso pode até ser verdade. Mas essas forças de mercado frequentemente demoram décadas para agir, permitindo que empresários acumulem fortunas por muito tempo através de táticas desprezíveis.

Entre atitudes virtuosas, que promovem relações ganha-ganha, e ações destrutivas que levam uma empresa à falência, existe uma vasta zona cinzenta com inúmeras graduações intermediárias. No extremo positivo, temos o empresário do "Tipo 1" que foca no quanto de valor ele pode produzir, em quão excelente pode tornar seu produto ou serviço, e no quanto pode satisfazer seus consumidores (sempre dentro de um modelo lucrativo). No extremo negativo, temos o empresário "Tipo 2" que busca o máximo de lucro testando os limites de seu público: flertando com atitudes abusivas e manipulativas, vendo até onde pode baratear e degradar seu produto antes de sofrer prejuízos concretos.

Na minha percepção, o primeiro tipo de empresário tende a lucrar mais a longo prazo (além de Walt Disney, citaria Steve Jobs como outro bom exemplo de empresário preocupado com qualidade e com o valor gerado para o consumidor). Mas é possível que, em certos contextos, o segundo tipo seja mais lucrativo. Isso não o torna superior como empresário. O objetivismo diz que devemos produzir, gerar riquezas e buscar uma vida materialmente confortável — mas não diz que devemos sempre buscar o máximo de dinheiro possível. Nosso foco deve ser nossa felicidade, nosso desenvolvimento pessoal. E o tipo de empresário focado em criar o máximo valor e em promover relações ganha-ganha está muito mais alinhado com esses objetivos.

Infelizmente, muitas pessoas parecem cegas para o verdadeiro valor de um produto. Enxergam apenas dados e números, interpretando o sucesso comercial de algo como sua principal medida de valor. Se você é bom em economia, mas não entende nada de entretenimento, por exemplo, você pode achar que Bob Iger tomou uma decisão brilhante ao colocar Moana 2 nos cinemas, em vez de lançá-lo como série no Disney+, como era o plano original. Olhando apenas para os números, Iger vai parecer um empresário virtuoso, promovendo o crescimento de sua empresa e atendendo os desejos do consumidor (o filme se tornou uma das maiores bilheterias de 2024). É necessária alguma sensibilidade estética e conhecimento da indústria para reconhecer que Iger agiu como o segundo tipo de empresário.

Consigo imaginar cenários em que priorizar o lucro, e não a geração de valor, seja aceitável (situações de pobreza, por exemplo, onde o foco do produtor é a sobrevivência). Mas lucrar sem gerar algo tangível de valor (riquezas "com lastro") não proporciona um senso de realização pessoal. Se uma pessoa trabalha apenas para ganhar dinheiro, seu trabalho dificilmente será gratificante, e ela terá que buscar essa realização em outro lugar. A situação ideal, portanto, é alinhar trabalho com valores e propósitos mais elevados.

A maioria das pessoas, creio eu, admira empresários do Tipo 1. Existem anti-capitalistas que rejeitam sucesso de qualquer tipo, mas muitos ataques a empresários que vemos na cultura popular não são contra o capitalismo em si, mas contra a atitude dos empresários do Tipo 2. Sugerir que esses empresários devam ser punidos pelo governo é errado, mas o desprezo ou falta de admiração por parte da população não são necessariamente maus.

Assim como o termo "egoísmo" tem uma conotação positiva no objetivismo, o termo "ganância" às vezes recebe o mesmo tratamento. Mas ganância não é sinônimo de ambição. É um termo usado principalmente para descrever processos imorais de obter riqueza.

Há pessoas demais lucrando através desses processos para ignorarmos as diferenças entre os gênios produtivos retratados nos romances de Ayn Rand e os empresários do Tipo 2. Enquanto objetivistas tratarem essas mentalidades distintas com o mesmo senso de respeito, eles continuarão promovendo a falsa impressão de que o objetivismo coloca riqueza material acima da felicidade humana e dos valores que a possibilitam.

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