quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Ataque dos Cães

É um dos pretendentes ao Oscar 2022 este novo trabalho da Jane Campion (O Piano) que não lançava nenhum longa desde 2009. O filme se passa em Montana, em 1925, onde 2 irmãos donos de um rancho começam a ter conflitos após um deles se casar e trazer a esposa (Kirsten Dunst) para morar com eles. Benedict Cumberbatch, que é a figura central do filme, representa aqui a "masculinidade tóxica", atormentando a vida da cunhada (e também a do filho afeminado dela) com seu comportamento abusivo.

O filme tem ótimas atuações, uma das fotografias mais bonitas do ano, e embora muito pouca coisa aconteça na primeira hora, eu estava assistindo interessado, querendo saber onde aquilo tudo iria parar. Porém quando o filme começa a revelar suas cartas, pra mim ele foi ficando cada vez mais frustrante.

(SPOILERS fortes daqui em diante) O objetivo da história é basicamente condenar o comportamento tóxico de Phil (Cumberbatch), que leva a personagem de Dunst ao alcoolismo e a passar por várias humilhações. Descobrimos ao longo da história que Phil tem uma homossexualidade enrustida, e o filho de Dunst, percebendo isso, usa a informação para ganhar sua confiança e se vingar no fim. Só que pra justificar essa vingança (à la Promising Young Woman), o filme acaba criando diversos exageros e inconsistências nos personagens, como se as caracterizações estivessem a serviço do plot twist e não o contrário.

A primeira coisa que achei estranha foi o sofrimento exagerado de Dunst ao longo do filme. Ela parece chorar e ficar abalada por razões que não entendemos direito. Por exemplo: quando seu filho sofre bullying no restaurante e depois ela chora compulsivamente (mais até do que o filho parece ter se abalado), como se alguém tivesse morrido; ou as reações de horror quando ela vê o filho formando amizade com Phil; ou o desconforto enorme ao receber visitas para o jantar (sendo que ela trabalhava em restaurante e lidava com pessoas o dia todo); ou a própria ideia dela se tornar alcóolatra por causa das provocações (o marido desaparece convenientemente da história no segundo ato, e não a protege — o que não faz sentido, pois ele ama a esposa e teria capacidade de enfrentar o irmão).

Phil de fato é uma figura tóxica, mas a fragilidade emocional dela parece desproporcional até para os padrões de hoje, quando nossas sensibilidades para questões emocionais são muito mais aguçadas — que dirá pros padrões de Montana nos anos 20, onde esse tipo de comportamento era o normal. Phil sempre a provoca e faz comentários cruéis (dizendo que ela é interesseira, que não tem talento, etc.), mas não chega nem perto de cometer alguma agressão física, nem mesmo quando ela faz a loucura de vender o couro dele, provocando um grande prejuízo. Será que bullying desse tipo já é motivo pra assassinar alguém? O filme parece acreditar que conforto emocional agora está acima de qualquer outro direito.

Se o comportamento de Dunst não me pareceu convincente, tampouco achei o do filho, que é apresentado como um garoto extremamente delicado, interessado em arte, flores, sem um pingo de agressividade, mas depois, pra ajudar a explicar a reviravolta, inventam que ele adora matar coelhinhos e estripar animais como hobby — 2 comportamentos conflitantes que o filme não consegue encaixar numa mesma personalidade. Ele nem demonstra ser tão protetor em relação à mãe ao longo da trama, a ponto de justificar o que faz (uma coisa é um personagem complexo, outra é um personagem incongruente).

O próprio Phil tem inconsistências estranhas. O fato dele ser gay enrustido eu até comprei — mas a ideia dele ser um homem estudado, capaz, vaidoso, com uma postura natural de líder, pra mim não casa com a noção dele ser alguém que não sabe que precisa tomar banho pra receber visitas, que se comporta às vezes como um garoto problemático e irresponsável.

Então me pareceu um daqueles filmes que querem soar mais maduros e sofisticados do que são de fato; que apelam pra ambiguidade, pro interpretativo, pra que os críticos depois preencham as lacunas com uma riqueza que ele em si não possui.

E é uma narrativa que frustra, por construir expectativas ao redor de um tema (a sexualidade mal resolvida de Phil e a amizade com Peter) e no fim não entregar um momento catártico resolvendo esta questão, e sim um pay-off que parece arbitrário; uma vingança contra Phil que ocorre não no auge de sua intolerância, e sim num momento onde ele já tinha iniciado uma jornada de transformação para melhor.

The Power of the Dog / 2021 / Jane Campion

Nível de Satifação: 4

Categoria D/C: Filme de autor / trama minimalista insatisfatória e com valores ambíguos

Filmes Parecidos: Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016) / The Rider (2017) / O Estranho que Nós Amamos (2017) / O Piano (1993)

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