sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa

Terceiro filme do Homem-Aranha com Tom Holland, onde ele e o Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) acidentalmente abrem um portal para outras dimensões, e trazem de volta diversos vilões que lutaram contra o Homem-Aranha no passado, inclusive em filmes anteriores à "era Holland".

A Marvel parece ter 2 vertentes; uma que busca agradar o público mais progressista, que quer mudanças drásticas no gênero, e outra que quer agradar os mais conservadores, que querem que as coisas voltem a ser como sempre foram. A segunda vertente certamente é a mais popular, e Sem Volta para Casa é provavelmente o filme do MCU que melhor satisfaz este desejo. Como muitos desses filmes são feitos com base em fan-service e referências a outras obras, normalmente eu fico me sentindo meio de fora, mas neste caso eu consegui entender a maioria dos (vários) momentos onde a plateia aplaudiu na sessão, pois lembro bem de atores como Alfred Molina e Willem Dafoe dos outros filmes da série; as "memórias afetivas" aqui são mais óbvias que de costume, então você não precisa ser um fã hardcore pra aproveitar.

De qualquer forma, continuo achando essa uma tática meio barata de agradar o espectador, mesmo eu tendo ficado feliz de rever alguns rostos. Vivemos numa época tão pobre em diversão e criatividade, que parece que a única forma satisfazer o público é fazendo referência a coisas de outros tempos (e nem precisamos ir muito pra trás; até a aparição de Electro, o vilão de O Espetacular Homem-Aranha 2 de 2014, fez alguns espectadores pularem de alegria na sala). Eu gosto de nostalgia, e sou super a favor de filmes "crowdpleasers" — porém há formas mais e menos admiráveis, mais e menos artísticas de se fazer isto; e esta das referências, da memória afetiva, das participações especiais, é uma que já foi explorada à exaustão (achei que Vingadores: Ultimato tinha sido o limite dessa tática de reunir personagens, mas eles continuam pensando em novas ideias), e serve de muleta pra muitos filmes que, sem esta carta na manga, não teriam muito a oferecer (SPOILER: fico imaginando daqui a 20 anos, se as cenas-chave deste filme terão qualquer impacto; e também como serão os filmes do futuro, se eles serão saudosistas e farão referência aos filmes de hoje, que já sobrevivem de referências a coisas anteriores — neste segundo caso acredito que sim, pois a nostalgia deste público no fundo não é direcionada à obra, nem mesmo ao personagem, e sim ao ator, ao I.P., ao passado em si, então daqui a 20 anos, o retorno de um Tom Holland será tão aguardado quanto o de um Tobey Maguire ou Andrew Garfield, independentemente dos méritos destes filmes novos).

O multiverso é a desculpa perfeita pra Marvel poder repetir esta fórmula ad infinitum (junto com as "joias do infinito" e com o próprio conceito do MCU) e serve como uma lâmpada mágica inesgotável, capaz de proporcionar qualquer tipo de aparição, reencontro, comeback, até o de personagens que já morreram, e ainda podendo desfazer tudo no fim, como se nada tivesse ocorrido, pra não comprometer narrativas futuras.

Se você pensar na história em si, ela é bem corriqueira, sem imaginação, e se resume a uma grande burrada de Parker e do Doutor Estranho (por serem tão descuidados ao brincarem com as forças do universo), e depois uma outra grande burrada do Homem-Aranha (SPOILERS), que pra ser altruísta e tentar amar seus inimigos, decide soltar todos os vilões (o conceito de vilão e a ideia de punir o mal andam em baixa, e hoje vemos cada vez mais filmes sem vilões tradicionais, ou com vilões que no fundo não são maus — Sem Volta Para Casa, apesar do tom descontraído, vem com todo o pacote de valores como "sacrifício", "humildade", que reflete os de seu público alvo). Estes erros dos personagens resultam numa série de problemas, que no fim são corrigidos de forma fácil, num outro passe de mágica que já poderia ter sido feito logo no início da história. Então é um roteiro sem muito investimento criativo, e daquelas tramas onde o protagonista não busca nada que irá realmente melhorar sua vida; tem apenas que desfazer um acidente que ocorre no início do filme pra poder voltar à normalidade, o que não cria uma meta tão atraente.

No começo do filme, Parker está sendo vilanizado pela população, é chamado de assassino na mídia, mas em vez de pensar em maneiras de transformar a opinião pública através de ações efetivas, e buscar uma vitória honesta, Parker vai logo atrás do Doutor Estranho, pra que ele simplesmente lance um feitiço e mude a mente da população. Os próprios vilões não precisam fazer nada para terem seus espíritos "curados"; basta Parker instalar um chip, usar nanotecnologia, que já está tudo feito. Esse tipo de solução instantânea contribui pra característica vápida e superficial dos filmes da Marvel; num universo onde tudo pode acontecer num estalar de dedos, tudo pode ser revertido com um Ctrl+Z, e nada tem consequências sérias, as emoções do espectador em relação à história se desmaterializam tão facilmente quanto os personagens ao final da sessão. Fica até difícil sentir grande admiração pelo Homem-Aranha, pois suas habilidades não são demonstradas de forma convincente (pegue a cena onde ele usa "matemática" para vencer uma luta, e veja se aquilo faz qualquer sentido).

Eu até fiquei emocionado em alguns momentos do filme. A questão é que, quando eu realmente admiro e respeito um filme, depois que ele acaba, os sentimentos vividos parecem crescer em mim. Mas quando eles foram obtidos de forma pouco talentosa e autêntica, a experiência é rebaixada na minha memória já nas horas seguintes.

De todos os filmes do MCU, este é possivelmente o mais satisfatório e o que melhor utiliza todos os recursos que eles já vêm usando há muito tempo; o que é ótimo por um lado, mas também expõe as limitações deste modelo atual de entretenimento. 

Spider-Man: No Way Home / 2021 / Jon Watts

Nível de Satisfação: 7

Categoria B/C: Entretenimento eficaz, mas baseado em clichês, fórmulas, e valores morais não Idealistas

Filmes Parecidos: Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017) / Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) / Vingadores: Ultimato (2019) / Star Wars: A Ascensão Skywalker (2019) / The Mandalorian (2019)

2 comentários:

Dood disse...

Eu até fiquei emocionado em alguns momentos do filme. A questão é que, quando eu realmente admiro e respeito um filme, depois que ele acaba, os sentimentos vividos parecem crescer em mim. Mas quando eles foram obtidos de forma pouco talentosa e autêntica, a experiência é rebaixada na minha memória já nas horas seguintes.

-E aquilo que você fala no seu livro e na sua postagem: emoções irracionais, é notável como o entretenimento ficou descartável. Eu somente gosto do dois da primeira Trilogia e das animações dos anos 90 do personagem. Tenho muitos gibis do personagem, mas não me atrai muito a esse Homem Aranha atual que acho pior que o do Andrew Garfield.

Caio Amaral disse...

Eu gostava do Garfield.. até dei notas mais altas que 7 pra outros filmes da Marvel no passado, mas acho que falando deste "MCU" atual, que me parece uma nova fase, mais misturada, aí sim diria que este foi um dos mais satisfatórios.

Pareço um velhinho dizendo que está tudo ficando descartável hoje em dia (lembro de pessoas que condenavam a TV nos anos 50, depois a MTV nos anos 90), mas sei lá.. isso costumava vir de gente que já não era fã de entretenimento pra começo de conversa.. Eu tento me manter aberto pra tendências como streaming etc.. mesmo quando não simpatizo de cara.. mas algumas coisas vão além da minha capacidade de adaptação.. como essa evolução das redes sociais pro formato reels/tiktoks.. que é justamente esse tipo de estímulo instantâneo e que evapora no segundo seguinte.. algo que me lembra mais o comportamento de viciados do que de pessoas buscando diversão. Eu não vejo problema com redes sociais, nem mesmo com stories, por exemplo.. então não sei se tudo se resume a "os tempos mudaram", rss.. mas vai saber.