terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Matrix Resurrections

Uma das dificuldades de se fazer uma sequência para Matrix é que o impacto do primeiro filme se deve muito aos conceitos inovadores que ele apresentou, não apenas à qualidade da narrativa, às cenas de ação, etc. Então pra manter o mesmo nível de impacto, não bastaria criar uma boa história e ter boas cenas; seria necessário surpreender o público com conceitos igualmente inovadores, diferentes dos do primeiro, o que se torna uma missão praticamente impossível (me lembra um pouco o desafio de Dogville, embora seja um filme totalmente diferente).

Das 3 sequências, acho que esta é a que mais se esforça pra pensar fora da caixa, trazer ideias novas, e isso é feito com um uso interessante de metalinguagem que nos leva a questionar a existência da própria trilogia inicial. Não chega perto da inventividade do primeiro, mas pelo menos me pareceu um roteiro mais ousado e estimulante intelectualmente do que os de Matrix Reloaded e Revolutions, que se destacaram apenas pelas cenas de ação.

Eu gosto de sequências como Aliens ou Terminator 2, que apresentam elementos novos, mas procuram não fugir muito do clima e da estrutura do filme original, pois entendem que o que conquistou o público não foram apenas os personagens e o universo, mas a experiência narrativa como um todo. E Matrix Resurrections respeita isso trazendo de volta a estrutura e muitos dos elementos do primeiro filme, porém com alguns twists (assim como De Volta para o Futuro 2 nos leva de volta ao 1, mas por uma nova perspectiva — e justificado por recursos essenciais da franquia; não tirando algo da cartola como o multiverso da Marvel, que torna o fan-service mais forçado).

SPOILER: O que torna a narrativa um pouco insatisfatória aqui é que os personagens passam o filme inteiro neste processo de "ressurreição", de "voltar à Matrix", e quando eles finalmente voltam, o filme acaba (Duna feelings). Na maior parte do tempo, não sentimos que Neo e Trinity estão realmente de volta, e que uma aventura nova, autêntica, está sendo vivida. Seus corpos estão de volta, mas suas consciências ainda não estão lá 100%. Pra que fosse uma experiência satisfatória e tivéssemos a sensação de uma refeição completa, o comeback dos dois teria que ter ocorrido muito mais cedo no roteiro, e a partir daí, o time saído em busca de um novo objetivo, lutado pra salvar o mundo de novas ameaças, etc. (Twin Peaks: O Retorno (2017) é um bom exemplo de como o mais fundamental nesses casos não é tanto o retorno ao lugar, aos trajes, à ação — mas é quando o personagem recupera plenamente sua consciência, seus propósitos e traços de caráter, que ele realmente parece vivo na tela.)

Quando Matrix saiu, lembro de um comentário sarcástico do José Wilker, que não via tanta profundidade no filme, e achava que se tratava apenas de uma história sobre um sujeito que aprendia a lutar mais rápido. Na época achei boba a crítica, mas hoje vejo que ela tinha um fundo de verdade, mas que isso não diminui o filme. Apesar dos temas complexos sendo discutidos, todo filme pra funcionar precisa ter um foco, uma linha simples de interesse que sustente o resto (uma das 5 Histórias Idealistas), e Matrix era essencialmente sobre um homem comum descobrindo e desenvolvendo seus novos poderes. Resurrections já não encontra um foco tão claro e prazeroso, e muitas vezes acaba deixando o espectador perdido no meio das discussões existenciais, sem saber o que esperar emocionalmente da trama.

De tudo, o que mais me impressionou no filme foi a direção de Lana Wachowski e o bom uso de todos os recursos cinematográficos. Eu vivo reclamando aqui da estética dos blockbusters atuais, como tudo se tornou mais Naturalista, menos mágico, até no caso de filmes de fantasia (problemas que vão desde o casting, até a direção de fotografia — sem falar no conteúdo, nos valores). Bem, aqui está uma prova de que isso não é problema dos equipamentos atuais, do CGI, nem de alguma "energia dos tempos" misteriosa que afete negativamente nossa percepção dos filmes, e sim de decisões artísticas (ou da falta de) tomadas pelos cineastas. Matrix Resurrections é atual, não busca um visual retrô, e ainda assim, com seu uso de trilha, fotografia, edição, atuação, efeitos sonoros, ele consegue fugir completamente do Naturalismo atual, e criar uma experiência rara hoje em dia, um entretenimento que se leva a sério, e tem pleno domínio da linguagem. Pelo menos neste aspecto, é o blockbuster mais bem feito que vejo em muito tempo (mesmo a ação e as lutas não sendo tão espetaculares e bem coreografadas quanto as dos outros capítulos).

A fraqueza do filme, portanto, não está na direção, na produção, nem na matéria prima do roteiro, que ainda demonstra inteligência, criatividade, e respeita o DNA da franquia (não corrompe os personagens com toques malevolentes, nem com humor autodestrutivo). O problema pra mim é que a história não explora todo seu potencial, termina antes de dar ao público o que ele quer — então é como uma música bem produzida, com ótimos vocais, letras interessantes, mas cuja melodia fica prometendo um refrão que nunca chega.

The Matrix Resurrections / 2021 / Lana Wachowski

Nível de Satisfação: 7

Categoria B: Idealismo com problemas de roteiro/estrutura

Filmes Parecidos: Han Solo: Uma História Star Wars (2018) / Tron: O Legado (2010) / Tenet (2020) / Twin Peaks: O Retorno (2017) / Duna (2021) / Matrix (1999)

11 comentários:

Dood disse...

O que acontece é que com o Reloaded e o Revolutions tinham que trabalhar com o conceito pre estabelecido e caiu no clichê de ideias pouco sustentáveis, no final o que salvava eram as cenas de ação.

Quanto a este novo foi ofuscado até por conta de uma declaração politizada de um dos autores reclamando de como se apropriaram politicamente da franquia (conceito red pill e blue pill) e tal, chegando a dizer que o filme de 1999 é uma metáfora trans.

Aliás a reclamação sua e que dá pra ver de muitos que viram o filme é justamente a falta de executar a ideia. Muitos da maneira como fazia referência ao filme de 1999.

Caio Amaral disse...

Não lembro de discussões de gênero no de 1999 hehe... achei que teriam mais mensagens do tipo neste, mas até que pegaram leve.

As referências ao original são excessivas em alguns pontos.. mas como o filme tem conteúdo novo, é criativo, não fica a impressão de algo vazio que não tem nada a oferecer além de nostalgia.

y. disse...

oi Caio tudo bem? Você vai montar uma lista com os filmes mais idealistas de 2021?

Também queria perguntar por onde que você consegue assistir filmes mais antigos (década de 80 para trás), já que filmes mais antigos raramente entram em catálogos dos serviços de streaming mais famosinhos.

Caio Amaral disse...

Clássicos que não estão no streaming eu vejo por torrent mesmo.. normalmente sou contra.. mas quem mandou eles destruírem as locadoras antes do streaming ter um acervo à altura? rss. Pra mim é uma falha temporária de mercado que deve ser corrigida nos próximos anos.

Não tinha pensado em fazer lista, mas não seria difícil.. é que normalmente prefiro me guiar pelo calendário de estreias americano, e vários filmes importantes de 2021 só estreiam no Brasil agora em janeiro/fevereiro.. mas vou dar uma olhada no que tem até agora. Abs!

Caio Amaral disse...

Acho que não há filmes o bastante pra criar um top 10 ainda.. mas por enquanto, os que avaliei melhor foram:

Being the Ricardos
Passageiro Acidental
O Último Duelo
King Richard: Criando Campeãs
Sem Tempo Para Morrer

y. disse...

Muito obrigado, vou ir atrás desses para assistir!

Queria comentar também que eu fui assisti a um filme do Ingmar Bergman por ele ser muito idolatrado entre os cinéfilos. Eu estava assistindo A Hora do Lobo (1968) e achei o filme extremamente entediante e chato. Eu parei nos 40 minutos e praticamente nada na história aconteceu, a não ser uns diálogos bem vazios e fiquei um pouco receoso por não gostar do filme já que vi que ele tem uma nota bem alta no letterbox. Quando você se encontra nessas situaçõoes de não gostar de uma obra muito conceituada, o que você faz?

Caio Amaral disse...

Aquele meu texto "Superando o Guilty Boredom" fala justamente disso.. de como evoluí no sentido de deixar de me sentir culpado ou burro por não gostar de certos filmes aclamados. No meu caso isso só veio depois de ter um certo repertório.. de ter visto vários filmes dos principais cineastas, e chegado às minhas próprias conclusões etc. No IMDb eu tenho 14 longas do Bergman avaliados, e nenhum deles com nota abaixo de 8 pra você ter uma ideia! Pois vi praticamente todos esses filmes no começo dos anos 2000, quando estava começando a explorar este universo.. Então não se impressione com essas notas no Letterboxd, pois eu mesmo, por imaturidade, já fui um desses que achava o filme tedioso, mas dava nota alta por "respeito à arte", etc. Então não duvido que pelo menos uns 50% desses votantes estejam nesta categoria. "A Hora do Lobo" é particularmente frustrante porque ele dá a impressão que vai ter temas sobrenaturais, terror, mas na prática é um filme de arte bem abstrato.. então engana.. o cinéfilo acha que será uma porta de entrada mais fácil.. quando na realidade é um dos filmes mais obscuros dele. Os dramas mais psicológicos, sobre relacionamentos, acabam sendo os mais "agradáveis" de assistir (Gritos e Sussurros, Persona.. até Morangos Silvestres), claro que mesmo estes ainda são bem depressivos, rss.

Dood disse...

"Não lembro de discussões de gênero no de 1999 hehe... achei que teriam mais mensagens do tipo neste, mas até que pegaram leve."

Se você procurar, vai achar gente usando os termos como Redpill. Existe até uma corrente chamada MGTOW - Men Going Their Own Way (Homens Seguindo seu Próprio Caminho) que usa esse termo

Caio Amaral disse...

Entendi.. É que até onde sei, Matrix só criou símbolos bem amplos, que significam acordar pra realidade, ou continuar vivendo sob a ilusão do sistema (red pill/blue pill).. depois isso passou a ser usado na cultura em inúmeros contextos.. mas não lembro do filme em si discutir gênero, sexualidade, etc. Quem sabe haja algo nas entrelinhas que eu não tenha pego. abs!

y. disse...

Vou ler esse seu texto e quem sabe assistir a outros filmes do Bergman em outras oportunidades. Descobri esse canal no youtube a uns tempos (https://www.youtube.com/channel/UC7wpTuQLxFnw5K4-CshHquA) e achei bem interessante, tem vários filmes clássicos lá. Uma coisa que percebi vendo alguns deles é que diversas produções mais 'cults' que são muito elogiada pelo público em geral não caíram no meu gosto, já alguns romances 'bobinhos' da old hollywood me entreteram muito mais.

Caio Amaral disse...

Verdade.. tem muita coisa disponível no YouTube, principalmente filmes bem antigos que já estão em domínio público, e muitos outros também.
Desses cults, tem alguns diretores que gosto.. mas sou bem seletivo.