Drama biográfico escrito e dirigido por Aaron Sorkin (roteirista consagrado que agora vem se consolidando como diretor também) sobre os bastidores do seriado de TV
I Love Lucy, um dos mais populares da história. No começo estava estranhando a proposta do filme de levantar conflitos políticos (Lucy é acusada de ser comunista pela mídia, podendo sofrer um "cancelamento") e questões que ninguém associa à figura de Lucille Ball; como se hoje todos os filmes tivessem que trazer algum tipo de discussão do tipo pra serem levados a sério, mesmo quando o tema não pede. Parecia um desses filmes que iriam focar no lado decadente do show business, só porque é mais fácil parecer respeitável desta forma. Mas aos poucos o filme foi me conquistando. Nicole Kidman está surpreendentemente bem, apesar de não se parecer em nada com Lucille Ball. O que faz ela funcionar no papel é o fato do filme focar no lado determinado e perfeccionista da comediante (um temperamento que cai muito bem em Nicole), e não no lado "palhaça" que surge apenas quando o diretor grita "ação". Pra entender o filme, é preciso encará-lo quase como um novo
Steve Jobs (2015), também escrito por Sorkin. Não espere uma biografia convencional, linear, que abrange toda a vida da personagem. O filme é uma exploração da personalidade de Lucy, e seleciona apenas alguns momentos chave de sua carreira, que são condensados pra revelar sua essência. Vemos uma profissional brilhante, técnica, capaz de visualizar cenas detalhadamente em sua mente conforme lê os roteiros, antecipando fraquezas no conceito, inconsistências lógicas — é impressionante a atenção aos detalhes e a preocupação quase obsessiva com verossimilhança de Lucy no processo criativo. Sorkin deu a ela um verniz meio Steve Jobs/Mark Zuckerberg, e a apresenta como uma figura exigente, um mestre em seu ofício, capaz de ser dura e insensível com sua equipe na busca por excelência. Até que ponto Lucille era de fato assim eu não sei, e essa era a última coisa que eu esperava ver em um filme sobre
I Love Lucy, mas a personagem que Sorkin pintou não deixa de ser fascinante. O filme se passa em um ambiente que Sorkin conhece intimamente, e talvez até por isso ele consiga descrevê-lo com tanta riqueza e veracidade, muito mais que o universo de
Os 7 de Chicago, por exemplo. É um filme para pessoas que gostam do processo criativo, que admiram talento artístico, e são apaixonadas pelo mundo do entretenimento (não é um filme que apela para o grande público). Quando Sorkin descreve os desafios criativos e as soluções para os problemas do programa, não são passagens genéricas, como vemos na maioria dos filmes (pensem na visão superficial que
WandaVision tem da TV e do humor da época) e sim discussões bastante específicas, reais, que apenas alguém que conhece o meio, que entende a diferença entre o que funciona e o que não funciona tecnicamente, entre humor de qualidade e humor de segunda linha, poderia ter elaborado. Há também toda a relação de Lucille com o marido Desi Arnaz (Javier Bardem, também ótimo) e uma exploração interessante dos conflitos mais íntimos dela — suas desilusões quanto à família, o desejo de constituir um lar — algo que é arrematado na cena final com um simbolismo visual muito bem colocado.
Being the Ricardos / 2021 / Aaron Sorkin
Nível de Satisfação: 9
Categoria A: Idealismo com ênfase em conflitos, mas ainda buscando inspirar (é no mínimo um bom filme sobre Idealismo, o que explica em partes meu contentamento extra)
Filmes Parecidos: Um Lindo Dia na Vizinhança (2019) / Steve Jobs (2015) / Walt nos Bastidores de Mary Poppins (2013) / O Destino de uma Nação (2017)
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