terça-feira, 2 de agosto de 2022

Problemas do Objetivismo #2 - A Questão Central

Acho que há uma razão natural para que grandes gênios tenham personalidades conturbadas, não sejam das pessoas mais serenas e tranquilas da humanidade — a mesma sensibilidade que os possibilita ter uma compreensão mais profunda da realidade, os coloca também num estado de desarmonia com a sociedade; imagine alguém com uma visão absoluta vivendo num ambiente construído para pessoas míopes. E embora Rand tivesse uma capacidade enorme de introspecção, e lutasse constantemente pra que nenhuma questão emocional interferisse com sua racionalidade, ela ainda era humana, estava suscetível a falhas, pontos cegos, e acho que em algumas questões, Rand de fato permitiu que questões emocionais distorcessem sua observação dos fatos — o que não é nenhuma tragédia. Não são problemas que colocam em xeque seus princípios fundamentais, os pilares mais básicos de sua filosofia — apenas a implementação de certas ideias, a visão de Rand sobre certos assuntos, principalmente no que diz respeito à psicologia, relacionamentos humanos, etc. 

Eu poderia me aprofundar na biografia de Rand pra tentar explicar a origem desses conflitos, mas vou tentar manter a "psicologização" ao mínimo. Com base em tudo que li sobre sua vida e observei em seu comportamento, acho que Rand era uma mulher que guardava certos rancores em relação ao mundo e à sociedade. Ela começou a vida como uma menina otimista, com uma visão extasiante do futuro — era uma jovem sonhadora, inocente, apaixonada por arte e entretenimento, que sonhava em ir para Hollywood e se tornar alguém importante, escrever obras que seriam grandes sucessos de público e crítica — mas conforme ela chegou à vida adulta e foi trilhando seu caminho, Rand começou a perceber uma certa distância entre essa sua versão ideal — a "diva" de Hollywood que existia escondida em sua personalidade — e a mulher séria, reclusa, cerebral, em desarmonia com a sociedade, que ela tendia a ser na prática. 

Com isso, uma série de decepções e rejeições dolorosas ocorreram em sua vida, que foram moldando sua personalidade e atitude em relação ao mundo. E embora depois de mais velha ela tenha abraçado com entusiasmo sua persona séria, crítica, controversa, minha impressão é que essa não era a Rand mais autêntica, e que no fundo ela sempre guardou uma mágoa do mundo por tê-la forçado a este papel.

Pra explicar os conflitos que enxergo no Objetivismo, é preciso estabelecer primeiro duas características importantes da psicologia de Rand que surgem a partir destas vivências:

1) Um eterno conflito entre a personalidade original que Rand reprimiu vs. a personalidade que Rand criou pra sobreviver — entre a mulher mais leve, benevolente, feminina, glamourosa, que intimamente queria fazer parte do mundo e da sociedade vs. a intelectual severa, controversa, antissocial, que condenava a tudo e a todos.

2) Uma tendência à megalomania e ao auto engrandecimento (que surge também como um escudo contra esse senso de rejeição e desarmonia com o mundo). Ao criar o Objetivismo, Rand parecia ter 2 agendas em mente — não só ela queria decifrar a verdade e expô-la para o mundo como nunca antes, através de uma filosofia totalmente consistente e racional, como ela queria também se posicionar como o representante ideal desta filosofia; como um indivíduo supremo, invulnerável a qualquer crítica ou rejeição honesta de outra pessoa. Como Rand era uma mulher de fato genial, virtuosa, na maior parte do tempo era possível promover essas 2 agendas paralelamente, sem nenhum conflito entre elas. Mas nas áreas onde surgiam algumas incompatibilidades, a 2ª agenda parecia ser colocada acima da 1ª, ou no mínimo distorcê-la.

Basicamente, os conflitos internos do Objetivismo que pretendo comentar vêm desta mesma causa, e são um reflexo ou da característica 1, ou da característica 2 (ou de uma combinação das duas).

Como disse, não acho que isso invalide a filosofia, nem dê razão pra alguém dispensar o que Rand escreveu. Na maior parte do tempo, Rand era brutalmente honesta, coerente, fiel aos fatos, e mesmo nessas áreas "problemáticas" ela não se permitiu escrever coisas completamente falsas, desconectadas da realidade. Os problemas vêm mais na forma de certos exageros, distorções, de não levar em conta o contexto todo, e são ideias transmitidas mais pelas entrelinhas, por implicação, em comentários extra-oficiais — não como teorias explícitas.

Rand elaborou fatos tão importantes sobre o mundo, ideias tão necessárias hoje em dia, e ainda tão mal compreendidas, que nenhuma pessoa honesta poderia dispensá-la com base nessas idiossincrasias, sem antes considerar muito seriamente as verdades que ela tem a oferecer.

2 comentários:

Dood disse...

Muitas pessoas acabam envaidecendo pelas suas criações, Rand é mais uma que se levou por esse caminho. Legado admirável, cujo usei alguns conceitos, oriundos de outras escolas filosóficas, e coloquei dentro de uma "prática". Não sou perfeito, mas aprendi que se você tiver bagagem você pode se tornar um pensador e que essa prática toda pode ser desenvolvida e aprimorada. Agradeço toda sua contribuição com esses textos e como isso me transformou durante 5 anos, ou somente deixou latente algo que sempre tive.

Abraços.

Caio Amaral disse...

Sim, acho que Rand tem essa capacidade de potencializar nossa mente.. ensinando como pensar e usar conceitos de forma mais eficiente.. e que bom que pude contribuir com algo também nesse processo, abs! 🙏