segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Glass Onion: Um Mistério Knives Out




Se a trama de Glass Onion se provasse razoavelmente coerente, bem amarrada, eu teria um respeito maior pelo filme, mas ainda não seria o tipo de trama que mais me diverte, pois já discuti aqui o problema dos "whodunits", e de filmes cheios de reviravoltas, onde personagens espertalhões estilo Sherlock Holmes estão sempre à frente do público. Assim como existem os "feel-good movie", esses pra mim são "feel-stupid movies" — não vejo graça em me ver sempre atrás de todos na narrativa, apenas aguardando um sabe-tudo me explicar os eventos depois através de flashbacks que mais confundem do que esclarecem qualquer coisa. Pra eu me envolver com um personagem/linha de ação, eu preciso estar no mínimo na mesma página que o protagonista em termos do que sabemos sobre a situação. Ou então saber mais que ele — que era a forma de Hitchcock prender a atenção. Mas é difícil se conectar com alguém que está o tempo todo te enganando e ocultando o que sabe. 

E o pior é quando o roteiro não tem preocupação alguma com lógica, clareza, e ainda assim quer se passar por esperto, engenhoso. Só pra citar algumas questões básicas que tornam a situação forçada e incoerente: por que o bilionário Miles convidaria a ex-sócia Andi pra ilha, se os dois tinham sérios conflitos pessoais? (SPOILERS daqui em diante) E por que a irmã gêmea da Andi, sabendo que há um assassino na ilha, iria se arriscar indo pra lá desprotegida (e ainda expor uma prova tão importante quanto o guardanapo)? Dezenas de contradições e questionamentos como esses vão se acumulando ao longo da história (o argumento de que os personagens são incrivelmente burros chega a ser usado pra explicar as incoerências), até que você simplesmente desiste de tentar conectar os pontos — uns vão assumir que Rian Johnson é brilhante e pensou em tudo; outros, como eu, vão achá-lo incompetente e desonesto, usando uma tática meio Christopher Nolan de apresentar algo que parece racional e complexo superficialmente, mas que serve mais pra desintegrar o senso de objetividade do público. (Assim como a melhor forma de corromper Autoestima é promovendo anti-heroísmo em histórias de heróis, a melhor forma de corromper Objetividade é pegando histórias de detetive, mistérios que pressupõem coerência, lógica, e daí fazer a plateia se sentir tão confusa quanto a personagem da Kate Hudson quando exclama "What is reality?!!". Vale observar também que John Lennon compôs a canção "Glass Onion" — que inspirou o título do filme — justamente pra zombar de espectadores que analisavam demais as músicas dos Beatles, e fez uma letra cheia de pistas e simbolismos que de propósito não tinham significado algum). 

Tudo isso no fim vira só uma desculpa pro Rian Johnson passar suas mensagens políticas habituais (lembrem que ele foi o responsável por Star Wars: Os Últimos Jedi), atacar bilionários, zombar de estereótipos associados à direita (o influencer amante de armas que parece inspirado no Joe Rogan; as musas fitness dessas que davam festa durante o lockdown, estão sempre sendo canceladas por deixarem escapar comentários preconceituosos nas redes sociais, etc.). O filme não é de fato uma comédia; está mais pra um "thriller irônico" (Idealismo Corrompido). Quase todo o humor na verdade consiste desse escárnio com teor político; uma atitude de olhar os personagens de cima pra baixo. Nem mesmo os protagonistas são totalmente admiráveis — além das gracinhas, os superpoderes mentais de Benoit Blanc são tão desconectados da realidade quanto os poderes físicos de heróis da Marvel; outra forma eficaz de fazer virtude parecer um ilusão.

O filme combina o desprezo por bilionários com ativismo ambiental, mostrando que a grande invenção de Miles (um combustível neutro em carbono que resolveria a questão do impacto no clima) é algo altamente inflamável e perigoso (gasolina também é perigosa se você jogá-la no fogo irresponsavelmente — mas é melhor ignorar esses detalhes). A essa altura muitos já perceberam que o objetivo maior dos ambientalistas não é impedir mudanças climáticas, e sim usar dessa questão pra atacar o capitalismo — portanto um dos maiores receios deles é que alguém invente um combustível eficiente que não tenha impacto no clima, pois isso impediria o ambientalismo de ser usado com esse propósito. Por isso, Miles e seu combustível são os vilões "perfeitos" pro momento atual (faz o público associar invenções do tipo a intenções maléficas), e Glass Onion é tão antenado que no final ainda se inspira na moda de "ativismo de museu" (jovens que vêm atacando obras de arte famosas como forma de protesto), fazendo a personagem da Janelle Monáe destruir a Mona Lisa — a mais valiosa de todas as pinturas — só como tática pra "cancelar" o bilionário e seu combustível (e devemos achá-la admirável por isso; por levar o conceito de "disrupção" realmente a sério — não ser como o bilionário, que admira disruptores apenas quando suas inovações resultam em mais riquezas e produtividade; em vez de implodir o sistema todo).

Glass Onion: A Knives Out Mystery / 2022 / Rian Johnson

Satisfação: 3

Categoria: IC / AI

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