sábado, 13 de janeiro de 2024

Folhas de Outono

Quando críticos que não gostam do Naturalismo tentam descrever este tipo de cinema, às vezes parece que eles estão exagerando e que na prática não existem filmes literalmente assim, onde nada acontece, e que focam em pessoas totalmente desinteressantes — como Hitchcock, quando inventou o termo "sink to sink pictures" e imaginou a situação cômica da dona de casa que passa o dia lavando louça, e quando finalmente pode descansar e ir com o marido ao cinema, chega lá e se depara na tela com uma mulher lavando louça. A maioria dos filmes Naturalistas são casos mistos, mas Folhas de Outono é um filme conceitual que parece ter consciência das linhas que dividem essas diversas teorias do cinema e se esforça para ser um representante puro dessa tradição.

Só que em vez de algo autêntico, com um mínimo de conteúdo e caracterizações convincentes, o filme é um exercício vazio de estilo que parece mais um cosplay de um filme de arte antigo, que está na dúvida se quer se fantasiar de algo da Nova Hollywood dos anos 70, ou de um filme europeu neorrealista dos anos 40/50. Parece algo feito por alguém que passou a vida toda lendo livros de história do cinema, desses que colocam cineastas como Bresson, Visconti, Godard e Ozu no topo da pirâmide, e agora está tentando capturar o espírito desses filmes puramente através da estética, criando uma série de imagens que remetam às ilustrações que aparecem nesses livros, que parecem sempre achar que há algo "poético" na imagem de um personagem de meia-idade, de aparência cansada, num local comum, olhando para o vazio.

E se alguns dos clássicos que o filme tenta imitar já eram "pseudo-sofisticados" na época, este aqui seria a versão wannabe de 2023, que reflete a mesma queda em substância e originalidade do cinema atual que vemos em filmes de Hollywood que tentam imitar blockbusters lançados há 40 anos. Há uma breve cena no filme em que a protagonista sai para comprar um prato extra para seu convidado (sugerindo que ela é tão solitária que só tem 1 prato em casa), e depois do encontro malsucedido, joga o prato sujo inteiro no lixo. Achei um ótimo toque de caracterização — só que isso representa uns 10 segundos de um filme de 81 minutos. Um filme sem trama que queira se sustentar apenas em caracterizações deveria ter algo assim em toda cena, mas eu não consigo pensar em três ou quatro outros momentos de Folhas de Outono que sejam igualmente interessantes. O filme é tão vazio que, com alguns exageros e uma trilha de risadas, certas cenas poderiam facilmente virar o sketch do Monty Python "French Subtitled Film" (que explica esse tipo de cinema melhor que qualquer texto teórico).

É curioso, no entanto, que no meio desse vazio o filme esteja sempre alfinetando o entretenimento americano (nas cenas do karaokê ou do cinema, por exemplo), tentando denunciar os "males do capitalismo" em cenas como as dos patrões sendo hostis com os empregados (apenas por "bobagens" como o homem ser alcoólatra e beber escondido no trabalho, e a mulher ser pega roubando da empresa!). Isso me fez pensar, saindo da sessão, em algo que para mim sempre foi uma suspeita: que talvez não exista Não Idealismo de fato. Que no fundo, todo filme Naturalista ou Experimental é apenas um filme Anti-Idealista que ainda não saiu do armário.

Kuolleet lehdet (Fallen Leaves) / 2023 / Aki Kaurismäki

Satisfação: 0

Categoria: NI / AI

Filmes Parecidos: Jeanne Dielman (1975)

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