quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Analise Idealista da Coca-Cola

Vamos à requisitada análise Idealista da Coca-Cola!

A ideia aqui é dar um exemplo de como valores podem se manifestar no mundo concreto/material pra quem sabe ajudar pessoas que tenham um estilo cognitivo mais verbal a enxergar com mais facilidade valores e "mensagens" em situações que não envolvem palavras.

Emoções estão sempre conectadas a valores. Numa pessoa saudável e racional, valores positivos estarão associados ao prazer, e valores negativos ao sofrimento. Aquilo que provoca indiferença seria um não-valor, pelo menos naquele momento.

Se você for uma pessoa com bons hábitos epistemológicos, com mente e emoções razoavelmente alinhadas, e além disso for bom em introspecção, será possível muitas vezes inverter o processo normal de cognição e, ao observar suas emoções em qualquer experiência, conseguir decifrar qual o valor abstrato que um objeto externo representa.

Claro que é sempre necessário fazer uma "dupla verificação" usando a lógica pra checar se sua conclusão faz sentido. Mas este é muitas vezes o melhor método pra descobrir os valores abstratos por trás das coisas do dia a dia, como os que revelarei abaixo na análise da Coca-Cola.

Coca-Cola: A Bebida

(Lembrando que estou me baseando aqui nos valores dos 4 Pilares do Idealismo ilustrados no Mapa de Valores). 

No caso de comidas e bebidas, não vou falar tanto em Objetividade, que é um valor mais ligado à comunicação, a coisas que exigem um intermediário traduzindo fielmente a mensagem pra que ela chegue ao interlocutor. Em experiências sensoriais, a "mensagem" já está nas próprias sensações, então não há como a comunicação ser falha no mesmo sentido (embora dê pra ser criativo e imaginar formas de tornar um alimento "não-objetivo" também).

Pra começar, vamos pegar como base uma bebida neutra que não provoque sentimentos positivos ou negativos na maioria das pessoas: a água em temperatura ambiente, talvez não tão perfeitamente limpa e purificada (pois a pureza absoluta poderia já levar a uma emoção positiva ligada à Benevolência).

Este seria o Não-Idealismo. O Naturalismo em forma de bebida. Uma água nesta condição teria uma função prática de nos manter hidratados, mas não é algo que consumiríamos por prazer, pra buscar satisfação, exceto talvez no caso de uma pessoa doente, morrendo de sede, que não tenha outra opção no momento (que é o equivalente à situação espiritual dos que priorizam o Naturalismo na arte).

A partir desta base, tudo que tornar uma bebida mais prazerosa e interessante para o consumidor, representará um valor positivo — um movimento do centro do Mapa de Valores em direção a algum valor específico.



Benevolência

Como já mencionei, a própria limpeza do líquido e o senso de que estamos bebendo algo puro, seguro, livre de bactérias, já envolve uma experiência básica de Benevolência. Mas isto ainda é muito elementar pra se destacar aqui.

Na Coca-Cola, assim como em todos os refrigerantes, o principal gerador de Benevolência é a doçura do açúcar ou do adoçante, que não existe na água. 

Neste ponto, poderíamos encontrar um valor equivalente em outros líquidos como sucos de fruta, por exemplo. Nenhum valor que vou citar aqui é exclusivo de refrigerantes. O que torna a Coca-Cola mais "Idealista" que outras bebidas é o fato dela reunir uma série de valores positivos no líquido, que foram combinados intencionalmente por um criador com o objetivo de proporcionar uma experiência prazerosa para o consumidor.

Outros refrigerantes da mesma categoria buscam fazer a mesma coisa. A diferença entre a Coca-Cola, a Pepsi, e o Dolly Cola, seria principalmente uma diferença em nível estético. A Coca-Cola teria uma "nota" mais alta que o Dolly Cola por ter uma fórmula melhor, um sabor mais "redondo", atemporal, menos enjoativo, etc.

Excitação

Além de Benevolência, o Valor mais fundamental presente no refrigerante que precisa ser destacado é o da Excitação. Parte da Excitação está em coisas que vão além do líquido em si, mas que costumam fazer parte da experiência: o fato da Coca-Cola ser frequentemente servida gelada (extremos / emoções intensas), com gelo (que além de gelado, é um objeto "mágico" que passa por uma transformação de estado). Mas em termos de Excitação, a grande "estrela" do refrigerante é o gás e as bolhas criadas por ele. As esferas brilhantes, espelhadas, que parecem se materializar magicamente dentro do copo, ascender em uma direção contrária à gravidade, que às vezes grudam por razões desconhecidas na parede do copo, e depois estouram na superfície numa grande celebração, fazendo um chiado (água com efeitos sonoros!), provocando cócegas no nariz e fervilhando na boca... Tudo isso representa estímulo, movimento, brilho, surpresa — o que torna o gás do refrigerante um agente perfeito pro valor da Excitação.

(Água com gás seria uma água com mais Excitação apenas, mas não com outros valores que seriam necessários pra torná-la de fato um produto "Idealista"). 

Autoestima

Autoestima, por ser um valor mais ligado à indivíduos, não é tão detectável numa bebida. Mas diria que o fato da Coca-Cola ser preta carrega em si um elemento de seriedade, força — qualidades que um refrigerante amarelo ou cor-de-rosa não teriam, por exemplo. Também daria pra associar a cor escura, assim como ao ardido do gás, a um valor negativo como Malevolência (escuridão / dor). Mas como esses são valores secundários na bebida que não chegam nem perto de tornar a experiência desagradável, eles acabam funcionando mais como um Contraste para os valores positivos, servindo pra realçar o prazer do doce, que seria o valor principal (se coisas como o gelado ou a acidez do refrigerante fossem realmente incômodas, crianças não gostariam tanto de Coca-Cola). 

Ou seja, através de estímulos puramente sensoriais como estes, que envolvem a visão, o tato, o paladar, a audição, a Coca-Cola te dá a experiência de sair da monotonia do dia a dia e entrar em mundo excitante, cheio de movimento, magia, estímulos, emoções intensas; em uma narrativa Benevolente que exige uma certa dose de coragem no início pra que você encare a "escuridão", dê um passo em direção ao desconhecido, mas que eventualmente te leva a um lugar doce, refrescante, prazeroso e livre de qualquer ameaça.

Coca-Cola: A Marca

Claro que há mais do que isso na experiência, pois a Coca-Cola enquanto marca acrescenta às emoções já presentes na bebida uma outra camada de significados que chegam ao consumidor por uma via mais intelectual (neste estágio sim a Objetividade pode se tornar um fator relevante).

A Coca-Cola enquanto marca reforça valores como Benevolência e Excitação através de suas propagandas, que têm sempre músicas alegres, jovens se divertindo, famílias reunidas no Natal, ursos fofos, crianças etc. O próprio nome "Coca-Cola" é feito de sons, rimas e ritmos que remetem a brincadeira, felicidade, inocência ("Jägermeister" não teria o mesmo efeito). E nesse nível a Coca-Cola tem uma grande vantagem sobre os outros refrigerantes por ser a marca número 1 do ramo; o refrigerante mais vendido, o mais bem sucedido, o mais clássico, o original, o que tem mais história, mais status etc. É aqui, mais até do que na bebida em si, que o valor da Autoestima se manifesta na experiência da Coca-Cola. Diante de uma geladeira onde há uma Coca-Cola e um refrigerante de Cola regional (vamos supor que este tenha um sabor similar e seja igualmente seguro de beber), a única coisa que faria uma pessoa escolher o refrigerante regional em vez da Coca-Cola seria algo no espírito da "padrãofobia"; um problema com o valor da Autoestima.

Críticas: Anti-Idealismo e Universo Malevolente

Muitos condenam a Coca-Cola e refrigerantes por acharem que eles são nocivos para a saúde. Se isso fosse uma verdade óbvia, eu não classificaria a Coca-Cola como "Idealista". Ela estaria mais na categoria de uma droga que te dá prazer a curto prazo, mas representa um impulso autodestrutivo. Mas refrigerantes estão naquela categoria de coisas como carne vermelha e café, que ninguém parece saber ao certo o quanto fazem de bem, mal, e em que quantidade. Eu nunca vi, como no caso do cigarro, pessoas morrendo claramente por causa do consumo de refrigerantes. Eu bebo Coca-Cola regularmente há mais de 35 anos, e meus exames de sangue sempre foram perfeitos. O açúcar da Coca-Cola normal sem dúvida pode engordar, provocar problemas de saúde se consumido em excesso, ou por pessoas com certas condições. Mas daí o problema seria o excesso, a irresponsabilidade do consumidor. A Coca-Cola em si não deixaria de ser Idealista (assim como um bolo de chocolate não deixaria).

Mas mesmo que algo nocivo fosse descoberto no refrigerante, nada impediria este ingrediente de ser removido da fórmula, e a Coca-Cola continuar proporcionando o mesmo prazer pro consumidor, assim como cocaína um dia já foi um ingrediente da Coca-Cola e eventualmente foi removida quando todos perceberam que era uma substância perigosa.

A noção de que existe algo indispensável na Coca-Cola que não pode ser removido, e que é letal, é puro Senso de Vida Malevolente: a ideia de que o universo por alguma razão é inimigo da vida humana. Frequentemente, esta crença é reflexo também de Anti-Idealismo e de um ódio do capitalismo e da cultura ocidental (pessoas assim estão sempre tentando de qualquer jeito associar marcas americanas de sucesso ligadas à diversão — como McDonald's e Disney — à morte, corrupção moral, intenções maléficas, conspirações etc.).

Branding: Pepsi & Michael Jackson

Entender como valores se manifestam nesses níveis "subverbais" pode ter grandes benefícios pra nossas vidas pessoais, pra apreciação da arte, e até pros negócios. O mundo do Branding, por exemplo, depende muito desse tipo de leitura. Se você entende os valores "ocultos" por trás das coisas, você pode se expressar e se comunicar muito melhor.

Não é arbitrário, por exemplo, que o Michael Jackson foi escolhido pra fazer propaganda pra Pepsi nos anos 80.

Não vou fazer uma diferenciação aqui entre Pepsi e Coca-Cola. Talvez haja uma diferença em "nível estético" entre as duas, mas ambas buscam transmitir valores bem parecidos. E talvez, a Pepsi ter se associado ao artista número 1 da época tenha sido uma estratégia pra compensar sua desvantagem em "Autoestima" em relação à Coca-Cola, e deixar de ser vista como a número 2. Mas acho que o Michael seria igualmente adequado em um comercial da Coca. Por quê:

Assim como a Coca-Cola adiciona valores ligados a Benevolência, Excitação e Autoestima à bebida neutra que seria a água pura, um astro com características como as do Michael faz algo parecido em relação ao ser humano médio. A intensidade, o espírito de diversão, os movimentos que desafiam as leis da gravidade, a metamorfose e capacidade de mudar de "estados", as roupas extravagantes (a jaqueta preta com pontinhos brilhantes na propaganda abaixo te remetem a alguma coisa?) — são todas coisas estimulantes ligadas a Excitação que o Michael incorpora, e que não são encontradas em um indivíduo típico (ou em um artista Naturalista).




O fato do Michael se apresentar de maneira agressiva por fora, passar um ar de "durão" (as roupas e timbres com influência do rock) mas na prática oferecer uma música alegre, inocente, não-ameaçadora, cria através do Contraste uma narrativa Benevolente análoga à do refrigerante "sombrio", levemente ácido, que no fim se revela doce e amigável.

Coca-Cola e Pepsi combinam com artistas pop dessa tradição. Não combinariam muito com uma Adele, por exemplo, que não se associa tanto ao valor da Excitação. Adele ficaria melhor num comercial de vinho. Já astros do rock não costumam ter a doçura necessária pra combinar com refrigerante, e seriam mais adequados ao lado de bebidas alcoólicas como cerveja, whisky, tequila, que representam uma diversão mais rebelde e perigosa.

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Espero que a análise tenha feito jus à expectativa que sem querer acabei criando, e que vocês vejam agora a Coca-Cola como um entretenimento líquido na tradição do Idealismo!

Pra finalizar, um registro do início de uma relação especial com o refrigerante: eu com 3 anos de idade (aos 0:34 min) num comercial da Coca-Cola de 1986 que meu pai dirigiu:

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