terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Os Rejeitados

Assim como Folhas de Outono, Os Rejeitados tenta adquirir certo valor e se distanciar da mediocridade do cinema atual reproduzindo fielmente a estética do cinema de uma outra época (neste caso, estudos de personagem semi Naturalistas da Nova Hollywood dos anos 70/80). Mas é um caso mais bem-sucedido que Folhas, não só por se inspirar num tipo menos cru de Naturalismo, mas também por não parar só no estilo, e ter de fato personagens bem construídos, bons atores e diálogos inteligentes pra oferecer.

Não diria, no entanto, que é um grande roteiro. O filme é quase uma história estilo Sociedade dos Poetas Mortos sobre um professor inspirando seus alunos a levarem a vida mais a sério. E é quase uma comédia estilo Melhor É Impossível sobre um senhor amargo e antissocial que aprende a ser mais positivo com a chegada de uma pessoa mais jovem e descontraída em sua vida. Mas nenhuma das duas narrativas é desenvolvida o bastante pra criar um gancho envolvente e um desfecho satisfatório. 

O personagem do Paul Giamatti começa como um professor amargurado, de meia-idade, alcoólatra, fumante, vesgo, fora de forma, sem amigos, frustrado amorosamente, que fede a peixe por causa de uma condição rara de saúde (li em algum lugar que ele teria hemorroidas também), e no fim, ele está desempregado, um pouco mais otimista, querendo largar a bebida — o tipo de arco dramático que é tão sutil você precisa forçar um pouco a vista pra perceber que não é uma linha reta. Outro problema é que nunca fica claro o que havia de tão especial no aluno interpretado pelo Dominic Sessa pra desencadear essa transformação, considerando que o Paul trabalhou a vida inteira naquela escola e convive o tempo todo com jovens que são o oposto dele em personalidade (Angus teria sido o primeiro a mostrar qualquer potencial esse tempo todo?). Ter explicações claras pra questões emocionais é visto como "simplista" por naturalistas, que preferem deixar as relações entre causas e efeitos meio vagas, acidentais, e evitar qualquer coisa que possa soar como uma mensagem para o espectador.

Minha impressão é que o que desperta o interesse de Paul não é o potencial para o sucesso que ele vê em Angus, mas o potencial para o fracasso. Paul vê em Angus seu "eu" mais jovem, e o que ele tem de valioso a ensinar não são dicas de como superar essas inaptidões (afinal, o próprio Paul não as superou), mas de como lidar melhor com as "porradas" da vida, pra quem sabe Angus poder fracassar de maneira um pouco mais digna que Paul no futuro. A história é basicamente sobre pessoas fracassadas encontrando conforto na companhia de outras pessoas fracassadas, e descobrindo que é melhor fracassar em grupo, ao lado de pessoas que possam ouvir suas dores, perdoar seus defeitos, encobrir suas trapaças, do que fracassar sozinho. Quando os críticos dizem que Os Rejeitados é "humano", "tocante", é deste sentimento de compaixão pelo fracasso que eles estão falando.

Paul Giamatti está bem e super convincente no papel (o que é triste de certa forma), mas Da'Vine Joy Randolph ser considerada a grande atriz coadjuvante da temporada só faz sentido sob essa lógica de prêmios que não vão pros melhores de fato, mas pros "mais desavantajados que fizeram um trabalho de destaque" (Viola Davis está muito melhor em Air, mas é uma atriz já consagrada, interpretando uma mulher forte, o que parece tirar "momentum" dela em premiações).

The Holdovers / 2023 / Alexander Payne

Satisfação: 4

Categoria: IC / NI

Filmes Parecidos: Armageddon Time (2022) / As Confissões de Schmidt (2002) / Sideways: Entre Umas e Outras (2004)

2 comentários:

Anônimo disse...

A descrição também faz lembrar um pouco um filme chamado, salvo engano, "Browning's version", sobre um professor idoso que era detestado pelos alunos, exceto um, e também pelos colegas e que ainda era traído pela esposa.

Pedro.

Caio Amaral disse...

Sim, eu vi a versão de 1951 "Nunca Te Amei"... a ambientação é parecida, mas os personagens e a história tinham um caráter mais positivo. abs!