Um homem idoso reluta em aceitar a ajuda de sua filha, enquanto lida com um tipo de demência que gera perda de memória progressiva. O filme é contado pelo ponto de vista dele, portanto a linearidade da história é constantemente quebrada pra gerar na plateia um estado de desorientação psicológica parecida com a do protagonista. É um ótimo filme pra assistir levando em conta o que discuti no texto 1999 e o Declínio da Objetividade. Aqui vemos mais uma vez a realidade objetiva sendo questionada, mas por uma tática diferente, esperta, pois retrata as percepções do personagem como sendo perfeitamente racionais, consistentes do ponto de vista dele, e mostra o protagonista como um homem particularmente orgulhoso de sua racionalidade, sempre tentando provar as coisas que percebe através da lógica — mas obviamente, quem vê de fora sabe que ele está apenas criando racionalizações, e está completamente desconectado da realidade. O filme não sugere subtextos políticos, mas achei interessante o fato da pessoa perdendo a razão aqui ser uma espécie de "patriarca", um homem do século 20, do "velho mundo", uma figura frequentemente diminuída no cinema atual — é quase como se o filme estivesse sugerindo que o conceito de objetividade estivesse morrendo e se tornando ultrapassado junto com essa geração, que a lógica do passado não fizesse mais sentido no mundo atual.
O filme é bem feito, tem personagens ricos, uma performance magistral de Anthony Hopkins, sutilezas interessantes como a obsessão do personagem por seu relógio de pulso, que ele vive esquecendo onde guardou — um instrumento de precisão que pode ser visto como suas últimas tentativas de se agarrar a algo objetivo, preservar um senso de controle (em determinada cena ele acusa a empregada de ter roubado o relógio, mostrando que suas racionalizações podem ser motivadas por preconceitos, não fatos). O filme não chega a mergulhar no subjetivismo a ponto de deixar o espectador completamente perdido na trama. Mas às vezes acaba parecendo um "one-trick pony" — foca demais nesse recurso narrativo, e a história vai se tornando um pouco monótona e repetitiva depois que isso deixa de ser novidade. Como o protagonista está perdendo sua mente, ele não tem como levar a história adiante, pois a essa altura já é incapaz de perseguir propósitos, ter grandes aprendizados ou transformações no filme. Ele parece impotente e perdido na maior parte do tempo, o que dá um tom mais episódico/Naturalista pra história. Se o filme focasse mais na filha, nos dilemas dela em relação a cuidar ou não do pai, se sacrificar ou priorizar seus planos, teríamos um arco mais satisfatório possivelmente. De qualquer forma, é um dos poucos filmes sólidos do Oscar 2021, que está lá por méritos artísticos, por conteúdo, não por fazer panfletagem política.
The Father / Reino Unido, França / 2020 / Florian Zeller
NOTA: 7.0
* Um detalhe que gostaria de comentar é que o filme está indicado ao Oscar de Melhor Edição, e vi alguns críticos como o Dalenogare elogiarem bastante a edição do filme, que pra mim não pareceu nada além de correta, eficiente. Mas vou comentar isso num texto separado, que poderá ser adicionado aos posts teóricos depois:
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