O Oscar 2021, se não foi o pior da história, foi certamente o pior que eu vi em mais de 20 anos que não perco uma transmissão. Em termos de indicados e vencedores, as últimas edições já estavam praticamente no mesmo nível de ruindade — não é novidade que hoje é tudo sobre política, sinalização de virtude, diversidade, não sobre talento e mérito — então nem vou comentar isso. Mas essa foi a primeira vez que os "AIs" conseguiram destruir a cerimônia em si. Nos outros anos, os premiados eram fracos, mas em termos de evento, o Oscar ainda parecia o Oscar — uma inconsistência que foi resolvida na festa de ontem.
O maior choque pra mim foi perceber que a cerimônia se passaria inteira na Union Station, não apenas parte da festa como tinha sido anunciado. O teatro Dolby é enorme, então desde o início eu não estava entendendo a necessidade de um segundo local para apresentar parte da cerimônia, pois seria perfeitamente possível fazer distanciamento social no Dolby Theatre (já que os convidados seriam limitados a indicados e apresentadores). Mas se no fim a festa acabou sendo apresentada praticamente inteira em 1 local só, qual foi o sentido então de fazê-la na Union Station? Tudo aquilo que vimos não poderia ter ocorrido no Dolby Theatre? A resposta está na atitude que descrevi no texto sobre a Pandemia: o Dolby Theatre é um símbolo de luxo, glamour. Uma estação de trem é mais humilde, low profile, é um lugar do "povo". Como já vimos, nada disso é sobre saúde, segurança, lógica — é sobre sacrifício, sobre mostrar que vivemos um "novo normal", é sobre o desejo de destruir a felicidade, o prazer, o conforto, em nome de um falso bem coletivo.
A festa não teve host, não teve o tradicional espetáculo de abertura, não teve as apresentações musicais (que foram jogadas pro pré-show), a orquestra foi substituída por um DJ, não havia telões e palcos grandiosos, e as poucas tentativas de humor foram tímidas e deslocadas. Não vimos prêmios honorários, prêmios para inovações técnicas, nem montagens épicas celebrando a história do cinema — em compensação, tivemos dois prêmios humanitários.
O prêmio de Melhor Filme (logicamente, o grand finale de toda cerimônia) não foi apresentado no final, mas foi anunciado antes dos prêmios de Melhor Atriz e Melhor Ator pela primeira vez, gerando um anti-clímax, um momento de "desconstrução", que parecia querer dizer de que há algo de "ultrapassado" em hierarquias, que nada é tão importante assim, então pra que gerar expectativas?
Quando Nomadland ganhou melhor filme, tivemos também a visão bizarra da Frances McDormand uivando como um lobo no palco, mais um ato de niilismo que, sob um manto de irreverência e descontração, atende o desejo coletivo de degradar a premiação, de colocar uma figura animalesca e primitiva num podium que deveria representar o auge da sofisticação, do desenvolvimento profissional e artístico do ser humano.
A "cereja do bolo" foi deixar o Oscar de Melhor Ator por último, sendo que já era possível prever que os dois atores favoritos ao prêmio não estariam presentes na cerimônia (Anthony Hopkins e Chadwick Boseman — este último por razões óbvias), o que seria garantia de que a festa terminaria numa nota inconclusiva, frustrante, ainda mais na ausência de um anfitrião.
Steven Soderbergh, que foi produtor da cerimônia, disse que a festa deste ano iria se parecer com a experiência de assistir a um filme... Ele só esqueceu de avisar que seria um filme horrível, como os que a Academia tem premiado ultimamente.