segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Glass Onion: Um Mistério Knives Out




Se a trama de Glass Onion se provasse razoavelmente coerente, bem amarrada, eu teria um respeito maior pelo filme, mas ainda não seria o tipo de trama que mais me diverte, pois já discuti aqui o problema dos "whodunits", e de filmes cheios de reviravoltas, onde personagens espertalhões estilo Sherlock Holmes estão sempre à frente do público. Assim como existem os "feel-good movie", esses pra mim são "feel-stupid movies" — não vejo graça em me ver sempre atrás de todos na narrativa, apenas aguardando um sabe-tudo me explicar os eventos depois através de flashbacks que mais confundem do que esclarecem qualquer coisa. Pra eu me envolver com um personagem/linha de ação, eu preciso estar no mínimo na mesma página que o protagonista em termos do que sabemos sobre a situação. Ou então saber mais que ele — que era a forma de Hitchcock prender a atenção. Mas é difícil se conectar com alguém que está o tempo todo te enganando e ocultando o que sabe. 

E o pior é quando o roteiro não tem preocupação alguma com lógica, clareza, e ainda assim quer se passar por esperto, engenhoso. Só pra citar algumas questões básicas que tornam a situação forçada e incoerente: por que o bilionário Miles convidaria a ex-sócia Andi pra ilha, se os dois tinham sérios conflitos pessoais? (SPOILERS daqui em diante) E por que a irmã gêmea da Andi, sabendo que há um assassino na ilha, iria se arriscar indo pra lá desprotegida (e ainda expor uma prova tão importante quanto o guardanapo)? Dezenas de contradições e questionamentos como esses vão se acumulando ao longo da história (o argumento de que os personagens são incrivelmente burros chega a ser usado pra explicar as incoerências), até que você simplesmente desiste de tentar conectar os pontos — uns vão assumir que Rian Johnson é brilhante e pensou em tudo; outros, como eu, vão achá-lo incompetente e desonesto, usando uma tática meio Christopher Nolan de apresentar algo que parece racional e complexo superficialmente, mas que serve mais pra desintegrar o senso de objetividade do público. (Assim como a melhor forma de corromper Autoestima é promovendo anti-heroísmo em histórias de heróis, a melhor forma de corromper Objetividade é pegando histórias de detetive, mistérios que pressupõem coerência, lógica, e daí fazer a plateia se sentir tão confusa quanto a personagem da Kate Hudson quando exclama "What is reality?!!". Vale observar também que John Lennon compôs a canção "Glass Onion" — que inspirou o título do filme — justamente pra zombar de espectadores que analisavam demais as músicas dos Beatles, e fez uma letra cheia de pistas e simbolismos que de propósito não tinham significado algum). 

Tudo isso no fim vira só uma desculpa pro Rian Johnson passar suas mensagens políticas habituais (lembrem que ele foi o responsável por Star Wars: Os Últimos Jedi), atacar bilionários, zombar de estereótipos associados à direita (o influencer amante de armas que parece inspirado no Joe Rogan; as musas fitness dessas que davam festa durante o lockdown, estão sempre sendo canceladas por deixarem escapar comentários preconceituosos nas redes sociais, etc.). O filme não é de fato uma comédia; está mais pra um "thriller irônico" (Idealismo Corrompido). Quase todo o humor na verdade consiste desse escárnio com teor político; uma atitude de olhar os personagens de cima pra baixo. Nem mesmo os protagonistas são totalmente admiráveis — além das gracinhas, os superpoderes mentais de Benoit Blanc são tão desconectados da realidade quanto os poderes físicos de heróis da Marvel; outra forma eficaz de fazer virtude parecer um ilusão.

O filme combina o desprezo por bilionários com ativismo ambiental, mostrando que a grande invenção de Miles (um combustível neutro em carbono que resolveria a questão do impacto no clima) é algo altamente inflamável e perigoso (gasolina também é perigosa se você jogá-la no fogo irresponsavelmente — mas é melhor ignorar esses detalhes). A essa altura muitos já perceberam que o objetivo maior dos ambientalistas não é impedir mudanças climáticas, e sim usar dessa questão pra atacar o capitalismo — portanto um dos maiores receios deles é que alguém invente um combustível eficiente que não tenha impacto no clima, pois isso impediria o ambientalismo de ser usado com esse propósito. Por isso, Miles e seu combustível são os vilões "perfeitos" pro momento atual (faz o público associar invenções do tipo a intenções maléficas), e Glass Onion é tão antenado que no final ainda se inspira na moda de "ativismo de museu" (jovens que vêm atacando obras de arte famosas como forma de protesto), fazendo a personagem da Janelle Monáe destruir a Mona Lisa — a mais valiosa de todas as pinturas — só como tática pra "cancelar" o bilionário e seu combustível (e devemos achá-la admirável por isso; por levar o conceito de "disrupção" realmente a sério — não ser como o bilionário, que admira disruptores apenas quando suas inovações resultam em mais riquezas e produtividade; em vez de implodir o sistema todo).

Glass Onion: A Knives Out Mystery / 2022 / Rian Johnson

Satisfação: 3

Categoria: IC / AI

Filmes Parecidos: O Menu (2022) / Morte no Nilo (2022) / Morte, Morte, Morte (2022) / Assassinato num Dia de Sol (1982)


domingo, 25 de dezembro de 2022

Dezembro 2022 - outros filmes vistos

Noite Infeliz (Violent Night / 2022 / Tommy Wirkola)

Tem algumas boas sacadas e diverte no começo, mas eventualmente vira um filme-de-uma-piada-só que se torna um pouco cansativo; mais inventivo na violência do que no humor em si.

Satisfação: 6

Categoria: I- / IC

Filmes Parecidos: Entre Armas e Brinquedos (2020) / Natal Sangrento (1984) / Crônicas de Natal (2018)



Filho da Mãe (2022 / Susana Garcia)

Bons registros da vida pessoal de Paulo Gustavo e dos bastidores de seu último espetáculo, com depoimentos tocantes de parentes e amigos.

Satisfação: 7

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Até os Ossos

Road movie dirigido por Luca Guadagnino (Me Chame Pelo Seu Nome) que se não fosse por 1 elemento bizarro, seria apenas um filme Naturalista comum, sem muita trama, sobre jovens desajustados vivendo às margens da sociedade, fugindo do passado, dando apoio um ao outro em seus conflitos pessoais, vivendo um romance (mas daqueles onde o que une o casal é o fato deles sofrerem e aceitarem as falhas um do outro — não espere nada muito inspirador), até que jogam uma cena trágica aleatória no final pro filme terminar dando aquela impressão de que algo aconteceu. O tal do elemento bizarro é que os personagens aqui não são marginalizados por razões comuns como pobreza, vício em drogas, e sim por serem canibais — e o filme mostra isso de maneira muito "sensível", como se fosse um problema normal de saúde alguém ter o impulso de devorar conhecidos, parentes, e como como se existissem diversos canibais por aí na sociedade, se encontrando secretamente, formando uma subcultura própria, etc. Então é um Naturalismo com elementos de terror, o que cria uma mistura inusitada de gêneros. Há bons atores que mantém o filme minimamente agradável, como Timothée Chalamet, Mark Rylance (que não acho um ator especialmente carismático, mas que é de uma versatilidade surpreendente). Mas no fim a história não passa de uma contemplação gratuita do mal, um filme que quer humanizar as monstruosidades dos personagens, e que não tem nem a justificativa básica do Naturalismo de estar dando visibilidade pra problemas relevantes da sociedade (se bem que, considerando filmes como RawFresh, o sucesso da série Dahmer e o escândalo recente do Armie Hammer — que inclusive trabalhou com Chalamet e Guadagnino em Me Chame Pelo Seu Nome — vai ver canibalismo é uma nova tendência mesmo e eu que não estou atualizado).

Bones and All / 2022 / Luca Guadagnino

Satisfação: 3

Categoria: NI / AI

Filmes Parecidos: Raw (2017) / Titane (2021) / Pearl (2022)


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Avatar: O Caminho da Água

James Cameron sempre foi um dos meus cineastas favoritos, mas como comentei na crítica recente, Avatar é um filme que, apesar dos méritos técnicos, tem uma série de fraquezas narrativas que foram ficando mais evidentes pra mim em revisões, e essas fraquezas continuam presentes agora na parte 2.

Em termos de CGI, a produção é obviamente um espetáculo, e até supera o primeiro em realismo e em quantidade de detalhes. Mas eu não sou o tipo de espectador que se deslumbra demais com efeitos gráficos, a não ser que estejam atrelados a um ótimo roteiro. E em termos de história, personagens, trama, mensagens, O Caminho da Água é mais problemático que o primeiro filme.

Ato 1:

O filme começa nos mostrando o que houve com os Sully desde os eventos da parte 1. Agora eles têm uma porção de filhos, e demora um pouco até a gente se familiarizar com os rostos, entender a estrutura da família, pois há filhos biológicos misturados com adotivos, irmãos de criação, e no meio disso temos que absorver ainda uma série de detalhes expositivos.

Os Sully estão felizes, tiveram pelo menos uns 15/20 anos de paz, mas agora o Povo do Céu está de volta pra destruir Pandora — um detalhe meio exagerado é que só pra pousar uma das naves (são inúmeras que chegam), os humanos causam uma devastação na floresta que parece 3x mais cataclísmica do que tudo que ocorreu no primeiro filme.

E aqui começam alguns dos meus problemas com o ambientalismo de Avatar, que não quer simplesmente passar uma mensagem positiva de preservação da natureza, mas mistura isso com um certo anti-humanismo; a visão de que o ser humano (e o progresso humano) são como um câncer pro planeta; que evoluímos não através de inteligência, ciência, produção, mas através de crueldade e exploração, e que de alguma forma não fazemos parte da natureza. Gostaria que houvesse um pouco mais de nuance nessa caracterização dos humanos no filme, pois desta forma, Avatar apenas empodera a ala niilista do movimento ambientalista do mundo real, que é muito influente (e perigosa) hoje politicamente.

Esse encanto de Avatar pelo primitivo, pelo não-civilizado, me impede de me envolver com alguns elementos da história. No primeiro filme, os humanos queriam destruir o lar dos Na'vi pra extrair minerais do solo, então pra mim era perfeitamente legítimo eles se rebelarem contra os humanos. Já agora, vemos os Na'vi explodindo trens, atacando tudo que é dos homens, mas não fica claro que os humanos estavam sendo violentos com os nativos em primeiro lugar ou invadindo a propriedade deles. Fica parecendo apenas um vandalismo gratuito, e o filme espera que a gente ache tudo justo, pois os humanos são inerentemente maus.

Por conta dessa rebelião (liderada por Jake), os humanos clonam Quaritch, o coronel linha dura da parte 1, e o trazem de volta com um pequeno exército pra dar um jeito nos "hostis". E uma das grandes fraquezas do roteiro de O Caminho da Água, é que temos um filme de mais de 3 horas baseado numa rivalidade entre Jake e Quaritch que simplesmente não tem carga dramática o bastante. Vejo Quaritch muito mais como um soldado, alguém que segue ordens, do que como um vilão motivado por valores odiosos, alguém que tem um antagonismo pessoal com Jake realmente convincente. Sem falar que este nem é mais o Quaritch original. Apenas um clone, que provavelmente pode ser clonado infinitas vezes caso esta unidade seja eliminada. Então o filme não funciona direito como trama de vingança. O real conflito de Jake é com os humanos. Se ele matar Quaritch, isso não resolverá nem dramas pessoais, nem questões práticas de sobrevivência. Passamos o filme todo aguardando esse grande combate no fim, mas sabemos que isso não será realmente significativo no contexto geral da saga.

Ato 2:

A parte do filme que mais gostei foi quando os Sully se mudam para o arquipélago e somos apresentados ao mundo das águas. Um detalhe que me parece um furo de roteiro nesse ponto é o fato de Jake colocar em risco o Povo do Recife indo se esconder no meio deles, sendo que uma das justificativas pra ele ter ido embora da floresta era justamente o perigo que sua presença representaria para os Omaticaya — uma atitude que não faz Jake parecer especialmente brilhante ou responsável. Mas é um momento agradável do filme onde o CGI brilha, os personagens podem se divertir um pouco, e Cameron exibe suas criações novas pro universo de Pandora (assim como no original, o "planeta" às vezes me gera mais encanto que seus próprios habitantes).

Mas aí nós vamos pro 2º ato do filme que é extremamente caótico narrativamente. O conflito com Quaritch (que já não é tão forte) é deixado um pouco de lado, e o filme passa a focar nos dramas familiares, nos conflitos dos Sully com o Povo do Recife, e se perde em uma série de subtramas que parecem totalmente dispensáveis.

A falta de protagonista ajuda esse miolo do filme a ficar sem forma, pois a história fica saltando de um personagem pro outro, de um drama pro outro, sem nenhum senso de hierarquia.

Um dos dramas explorados é o bullying sofrido pelos filhos de Jake e Neytiri no novo lar, mas o desenvolvimento disso é tão clichê quanto o de qualquer seriado de high-school. O forte de Cameron nunca foi diálogos, sutilezas de caracterização, e Pandora deve ser um universo confortável pra ele enquanto roteirista, pois agora ele só precisa lidar com povos "simples", que falam frases genéricas, vivem conflitos sempre muito básicos e universais (aquela caricatura que Hollywood sempre fez de estrangeiros).

Outro drama é o da filha Kiri (Sigourney Weaver) que parece meio "brisada" o filme todo. Ela sofre por se sentir diferente de todos por ter uma conexão especial com a natureza — mas é um conflito que pra mim não faz o menor sentido, considerando que todos os habitantes de Pandora têm uma conexão mística com a natureza.

Sabendo que as plateias são segregadas hoje politicamente, muitos blockbusters adotam a tática de andar numa corda bamba, e dar "biscoitos" pros dois lados pra ter um público mais amplo (o que costuma resultar em dois públicos levemente insatisfeitos). Então pra contrabalancear o ambientalismo e os temas mais de esquerda da história, temos aqui uma ênfase em valores familiares, no retrato de uma família nuclear tradicional que deverá apaziguar o público mais conservador. Mas pelo visto, uma família nuclear saudável pro filme é uma onde o pai está sempre dando uma dura nos filhos, impondo sua autoridade, sendo rígido, mesmo quando suas atitudes são totalmente injustas.

Jake já não era um herói muito carismático no primeiro filme, mas aqui ele está ainda menos gostável, principalmente pelas atitudes questionáveis em relação aos filhos, por ser submisso demais ao Povo do Recife, e por estar sempre preferindo se esconder e fugir das batalhas em vez de resolver o problema.

Neytiri eu sempre achei uma personagem meio irritante. Enquanto Jake ainda tem um pouco do humano que ele já foi, ela é alguém que devemos admirar por ser puro instinto, pura "raça", não ter sido tocada pelas impurezas dos homens. Ao contrário de heroínas antigas de Cameron como Ripley, que se guiavam pela razão, Neytiri encarna uma romantização do homem primitivo: ela ruge, vira bicho quando ameaçada, sabe que medicina ancestral é melhor que ciência moderna, não confia em quem não seja de sua tribo, e tem uma aversão (meio suspeita moralmente) até ao Spider por conta de sua raça, apesar dele ser alguém que cresceu no meio de seus filhos.

Spider, aliás, é outro personagem problemático. Primeiro porque ele está sempre semi-nu na tela, o que se torna uma distração (e o fato de ser um ator tão jovem cria um incômodo no estilo "Lagoa Azul" onde você não tem certeza do quão apropriado é sexualizar um corpo desta idade). Mas fora isso, incomoda a falta de posicionamento do personagem. Ele está sempre tendo atitudes que parecem traiçoeiras em relação aos Sully, mas no minuto seguinte muda de atitude e está de novo do lado certo. A gente nunca sabe se deveria ou não estar gostando dele. A câmera tenta explorar o máximo do carisma do ator, mas faz isso em momentos onde ele está sendo duvidoso moralmente, o que cria dissonância sempre que ele está em cena. Não fica claro qual o seu arco dramático; se a ideia do filme é a de um jovem sendo seduzido pelo "lado negro da foça", ou se ele está apenas sendo esperto e fingindo ser amigo dos humanos pra ganhar tempo.

Pra mim o ponto baixo do filme é quando a história começa a explorar a amizade de Lo'ak com a baleia (Tulkun). Parece o tipo de coisa que você vê nas Cenas Deletadas do DVD e entende por que não entrou no corte final. Não só a baleia fala, divide com Lo'ak seus traumas do passado, como os dois se conectam por serem ambos "outcasts" (Cameron parece ter percebido que o público atual se conecta mais com Heróis Envergonhados do que com personagens excepcionais, pois faz vários acenos aqui aos "excluídos", aos "diferentes", algo que não era comum em sua filmografia).

O filme salta de cenas desnecessárias como essas pra desenvolver outros conflitos pouco importantes (Kiri tendo ataque epilético, etc.), depois tenta de novo nos deixar deslumbrados com a paisagem de Pandora (a essa altura essas cenas já não têm o mesmo efeito), daí volta pra falar dos traumas da baleia, criando um ritmo truncado que dá a impressão do filme não estar caminhando pra lugar algum.

Ato 3:

Depois de muitos rodeios, finalmente Quaritch sai à procura de Jake no arquipélago, e os encontra com uma facilidade surpreendente (a primeira ilha que eles param já é a do povo que está abrigando os Sully; e logo eles colocam um localizador numa baleia que por sorte é a amiga do Lo'ak).

O terceiro ato é pura ação, mas apesar de tudo ser muito intenso e grandioso, não há nenhum Set Piece realmente memorável, o que costumava ser um dos grandes talentos de Cameron. Boas sequências de ação geralmente têm um conceito simples, envolvem poucos elementos físicos, algo visualmente marcante... Mas aqui, em geral temos perseguições complexas envolvendo dezenas de pessoas, com veículos de diversos tipos se chocando, e água espirrando por todos os lados.

Um desvio de trama que acho bem desnecessário nesse início do terceiro ato é toda a caça às baleias no trajeto dos vilões até o arquipélago, que parece ocorrer só porque os donos do barco no qual Quaritch pega carona precisam "bater a meta" e pescar algumas baleias pra justificar a viagem. É uma forma de reforçar a ideia dos homens como criaturas cruéis, mas que não é bem integrada à trama como um todo.

A luta final entre Quaritch e os Sully no barco naufragando parece o sonho que alguém teria ao ir dormir logo após maratonar todos os filmes de Cameron. As ideias parecem recicladas de vários de seus filmes, mas não estão à altura daquilo que já vimos no passado. Temos Neytiri indo resgatar sua filha pequena, que é sugada pra dentro de uma mega-estrutura prestes a colapsar... Mas ele já fez isso muito melhor no final de Aliens, e não tem como competir com aquela sequência. Temos um naufrágio com compartimentos sendo inundados e personagens tentando achar uma saída... Mas nenhum naufrágio vai chegar aos pés do de Titanic. Temos cenas envolvendo afogamento, falta de ar, mas nada será mais angustiante que a cena do submarino de O Segredo do Abismo. Então Cameron não pode ir a fundo em nenhuma dessas ideias. Ele só cria uma edição paralela mostrando um pouco de cada situação, mas não vem com um conceito realmente único para o clímax deste filme.

No fim, Quaritch continua vivo (não acho 100% convincente a atitude de Spider de salvá-lo, até por Spider ser um personagem mal definido), e Jake resolve fugir mais uma fez. Se você for pensar, a espinha da trama não é das mais interessantes, e pode ser resumida assim: os Sully estão vivendo em paz, até que Quaritch volta pra matar Jake; eles tentam se esconder; são encontrados; mas após uma luta, conseguem fugir e se esconder de novo. Os personagens agem apenas por uma motivação negativa — evitar o vilão — mas não buscam nada interessante que irá melhorar suas vidas.

Considerações finais:

A impressão que tenho é que Cameron passou esses anos todos pensando muito mais num novo universo pra mostrar (e em mensagens ambientais pra passar) do que em uma nova história pra contar. Acumulou centenas de ideias a respeito de como tudo funcionaria nesse novo mundo de Pandora (os animais que permitem respirar debaixo d'água, os diversos barcos, os submarinos em forma de siri, o ciclo diário de eclipses, o detalhe da visão das baleias que é amarelada fora da água, talvez pelo "white balance" delas estar ajustado para o fundo do mar — se bem que debaixo d'água elas continuam vendo tudo azul), e tentou inserir todos esses elementos num intervalo de 3 horas, em vez de construir uma linha narrativa forte e coesa primeiro, pra depois ornamentá-la com as ideias de criação de universo que coubessem. O filme foca em conflitos que parecem pequenos demais perto da escala grandiosa da franquia; como se fosse um episódio de novela que apenas desenvolve dramas pequenos em núcleos secundários, mas não faz muito pela trama central.

Apesar da excelência do CGI, não é um filme que acho tecnicamente brilhante do ponto de vista cinematográfico. A técnica que admiro no cinema não tem a ver com qualidade gráfica, mas com a técnica a que Hitchcock se refere quando diz que o que importa num filme não é o que acontece, mas como acontece. Avatar é um filme pra espectadores que se interessam mais pelo "o que" do que pelo "como". Cameron como realizador aqui busca apenas abrir uma janela na parede do cinema e te inserir naquele mundo, mostrar o que está acontecendo de maneira eficiente e grandiosa, mas ele exercita muito pouco seus poderes como contador de história. Em nenhum momento de O Caminho da Água eu me peguei pensando "que enquadramento inteligente", "que uso de música / luz ousado", "que movimento de câmera impactante", "que transição de cena criativa". Pra um filme realmente me estimular, ele precisa funcionar tanto no nível do conteúdo quanto no nível do estilo; as intervenções criativas do cineasta precisam me fascinar tanto quanto a jornada dos personagens. Mas em Avatar, meu lado que aprecia a técnica e a linguagem do cinema não é tão recompensado quanto em outras obras de Cameron.

Ainda assim, O Caminho das Águas tem seus méritos. É uma aventura com um tom mais romântico e Idealista que a maioria das franquias atuais; apesar dos problemas, ela resgata um pouco do espírito do cinema dos anos 80/90, e Cameron mesmo quando não está nos seus melhores dias ainda é muito mais magnético que a maioria dos diretores, pois seus filmes têm sempre bastante imediatismo e presença — num filme de Cameron, mesmo quando o conteúdo não é dos mais ricos, cada segundo na tela conta e parece trabalhado, pensado pra capturar sua atenção naquele instante, eleva as barreiras técnicas, te mostra algo diferente e intenso; algo bem diferente do blockbuster rotineiro de Hollywood, que te proporciona uma experiência de névoa mental, onde tudo é vago, distante e descartável na tela.

Avatar: The Way of Water / 2022 / James Cameron

Satisfação: 6

Categoria: I- / IC

Filmes Parecidos: Duna (2021) / Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma (1999) / Alita: Anjo de Combate (2019) / As Aventuras de Pi (2012) / O Segredo do Abismo (1989)


sábado, 17 de dezembro de 2022

Diário - Dezembro 2022

17/12 - Já assisti Avatar: O Caminho da Água mas não postei nada ainda pois estou pensando se assisto uma 2ª vez antes de comentar... Além disso, percebi que vou ter que mudar um pouco o método de gravar vídeos, pois tenho achado difícil fazer comentários mais elaborados sem ter um roteiro ou um outline no mínimo pra seguir. Estava achando que eu conseguiria simplesmente apertar REC e falar espontaneamente, mas já vi que não vai funcionar, a não ser que os vídeos sejam sempre muito curtos e superficiais.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

RRR: Revolta, Rebelião, Revolução

Já tinha tentado ver o filme uns meses atrás, mas minha paciência só durou 1 hora (faltavam mais 2 pro filme acabar). Como a produção vem ganhando algum destaque agora na temporada de prêmios, resolvi tentar ver até o final. Consegui, em mais duas etapas, mas ainda com muita preguiça e achando tudo com clima de novela da Record. O filme consegue fazer pela masculinidade o mesmo que 365 Dias faz pela feminilidade — nos mostra uma faceta tão primitiva e infantilizada do gênero que você começa a se perguntar se tem alguma aversão subconsciente a homens/mulheres enquanto tais, não apenas à visão do filme. Certamente as cenas de ação são incrivelmente trabalhosas, espetaculares visualmente (o que não é sinônimo de boa fotografia/bons efeitos especiais — mas merecem um destaque). Mas depois de 5 cenas onde um indiano voa pelos ares, dá um mortal triplo, monta num tigre, metralha um exército de ingleses, e cai no chão sem errar ou levar 1 tiro, as outras 50 cenas do tipo que seguem acabam perdendo um pouco do impacto. O mindset de delírio de grandeza misturado com desprezo pela realidade que o filme celebra faz a saga Velozes e Furiosos parecer comedida em comparação. Sem falar nos sentimentos de nacionalismo, de "revolução dos oprimidos", nos ideais de auto-sacrifício / altruísmo / coletivismo imbuídos na trama (surpreendentemente cristãos pra uma cultura que tem outras origens), que tornam tudo dramático e impedem uma leitura mais benevolente e despretensiosa do filme (algo na linha Sharknado) de que tudo não passaria de uma grande piada.

RRR (Rise Roar Revolt) / 2022 / S.S. Rajamouli

Satisfação: 3

Categoria: IC

Filmes Parecidos: Velozes & Furiosos 9 (2021) / John Wick 3: Parabellum (2019) / Transformers: A Era da Extinção (2014)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Ruído Branco

Noah Baumbach sempre me passou uma visão lúgubre da vida, mas seus dramas focados em conflitos pessoais e relacionamentos costumam ter bastante riqueza psicológica, o que torna as obras proveitosas em algum nível. Aqui, ele tenta algo diferente; um filme interpretativo, alegórico, onde o foco são as críticas à sociedade, as ideias filosóficas, e não os personagens. Assim, ele eliminou o elemento humano que era o que salvava seus filmes do completo vazio espiritual.

O filme mostra uma família americana de classe média nos anos 80, e tem uma série de elementos que remetem a produções do Spielberg, sucessos de bilheteria da época, mas diferentemente de filmes que fazem isso por um senso de nostalgia, o filme recria esse ambiente apenas como um alvo pra suas críticas. Assim como muitos filmes usam os anos 50 como um cenário ideal pra fazer uma crítica ao "american way of life", os anos 80 são outro período que cineastas adoram pegar pra fazer um ataque aos EUA, justamente por ser um período no qual o otimismo americano estava em pleno vigor.

O filme começa fazendo uma análise esperta, porém cínica, da violência nos filmes americanos — sugerindo que acidentes de carro no cinema são na verdade otimistas, pois foram transformados numa espécie de espetáculo acrobático por Hollywood, um feito admirável do ponto de vista técnico, que inspira o público mais do que choca. É uma análise que eu poderia concordar totalmente, exceto que o tom cínico indica que na verdade o filme pensa o oposto disso. Ele traz diversas outras críticas à "cultura do espetáculo", chegando a traçar um paralelo entre Elvis Presley e Adolf Hitler pelo fanatismo que ambos conseguiam inspirar no público. Tudo o que simboliza a cultura ocidental é condenado pelo filme — entretenimento, o "consumismo", supermercados, alimentos industrializados, petróleo, pessoas que fazem dieta, pessoas que comem carne, remédios psiquiátricos, televisão, e até mesmo a igreja, que o filme parece colocar na mesma categoria de supermercados — no fim, tudo não passa de uma forma de "escapismo", da tentativa fútil do ser humano de evitar a morte, de buscar falsas esperanças num universo essencialmente maligno e sem sentido.

Infelizmente, o filme se resume a criticar, a expressar seu desprezo pelo mundo, pelo ser humano, pela busca da felicidade, mas não dá nenhum argumento pra explicar por que ele acha essas coisas condenáveis, e qual seria a alternativa, uma forma melhor de viver. Por eliminação, podemos sempre concluir que é o socialismo, mas o filme prefere ser sutil nesse ponto. Até temos as TVs de fundo com mensagens políticas indiretas, as menções irônicas a Ronald Reagan, mas mesmo nesses detalhes o filme é mais discreto que o normal, como se ele estivesse se dirigindo a um público tão "entendido", que é como um casal que está junto há décadas e já consegue se comunicar por códigos — basta um leve aceno com os olhos pro outro entender exatamente o que ele quer dizer. (Lembro quando pequeno que saquei algo sobre os adultos: sempre que eles estavam rindo, usando termos misteriosos, e eu não entendia a piada, era porque se tratava de sexo. Algo parecido ocorre na arte: quando um filme é meio sem pé nem cabeça, parece esconder uma série de mensagens obscuras nas entrelinhas, o assunto normalmente é socialismo.)

Em vez de uma crítica inteligente, desafiadora para os tempos atuais, o filme acaba parecendo intelectualmente datado (a cena dos créditos finais consegue ser mais vergonha-alheia que o filme brasileiro 1,99 - Um Supermercado que Vende Palavras) falando de pautas que talvez fossem quentes quando o livro White Noise foi publicado em 1985, mas que hoje é como falar em buraco na camada de ozônio, "bug do milênio" — discussões que não devem empolgar nem aqueles que concordam com a visão de mundo básica do autor.

White Noise / 2022 / Noah Baumbach

Satisfação: 2

Categoria: AI

Filmes Parecidos: Armageddon Time (2022) / Pequena Grande Vida (2017) / Não Olhe para Cima (2021)


domingo, 11 de dezembro de 2022

Ela Disse



She Said / 2022 / Maria Schrader

Satisfação: 7

Categoria: I

Filmes Parecidos: Spotlight: Segredos Revelados (2015) / The Post: A Guerra Secreta (2017) / O Escândalo (2019) / Todos os Homens do Presidente (1976)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Aftersun

Filme estilo "fatias da vida" que parece mais uma série de vídeos caseiros e registros pessoais do que um enredo cinematográfico. O filme começa mostrando pai e filha se divertindo numa viagem sozinhos, mas isso é basicamente tudo o que acontece. Do começo ao fim, ficamos vendo momentos aleatórios desta viagem, conversas e situações casuais, mas nunca surge algum conflito ou evento extraordinário — como se a cineasta fosse tão alienada e removida da existência que os momentos singelos da vida de pessoas normais já fossem o bastante pra fasciná-la — a filha que dorme de tênis, e o pai tem que tirá-lo pra não sujar a cama, etc. Não há nem uma estrutura narrativa básica, como a de um filme como C'Mon C'Mon, que também mostra momentos do dia a dia, mas pelo menos dá ao espectador um contexto geral para essas cenas: explica por que os personagens estão juntos, qual a relação da família, quando todos voltarão pra casa (e o filme acabará), etc.

O conceito de Aftersun é que a filha, depois de adulta, está assistindo a esses vídeos da viagem e refletindo sobre sua relação com o pai — o lado obscuro dele que ela não tinha acesso quando pequena. Mas esse contexto é sugerido apenas por um flash-forward muito breve em que a garota Sophie aparece adulta. O filme não é de fato sobre uma mulher tentando curar feridas de sua infância. Se fosse isso, pelo menos haveria algum conflito interno, um personagem com um propósito. Também não é sobre os dramas do pai, que também são apenas sugeridos nas entrelinhas. Em 99% do tempo, o que o filme mostra é apenas cenas banais da viagem. Então é daqueles filmes que espera que todo seu valor venha do não-dito, do não-mostrado, de tudo aquilo que a cineasta deixou de fora do filme. Percebemos que há vários dramas mais intensos ocorrendo nas beiradas da história, mas em vez de abordá-los, de desenvolvê-los, o filme acha mais "sofisticado" focar na banalidade, e apenas indicar sutilmente que existe algo além daquilo. E claro que esse "algo" se resume a sofrimento, dor, desesperança. Naturalismo e "senso de vida malevolente" andam sempre de mãos dadas, e se um filme Naturalista está te mostrando pessoas em momentos agradáveis, você pode ter certeza que existe algo deprimente por trás, pois é apenas o pessimismo que justifica tais filmes — enquanto o cineasta não confirmou para o público que a vida é difícil, dolorosa, é como se ele ainda não tivesse feito um filme de verdade. Sofrimento é o que parece metafisicamente importante, real, profundo pra esse tipo de cineasta. A aparente leveza de Aftersun é apenas um Contraste. Enquanto em um filme Idealista, o sofrimeno é usado como Contraste pra acentuar valores positivos, aqui é o contrário. A proposta do filme é mostrar que, por trás de uma viagem agradável e ensolarada da infância, havia coisas tenebrosas ocorrendo no mundo dos adultos que arruinariam toda a experiência caso a criança soubesse da verdade (e se "sol" é sinônimo de vida e de alegria, talvez seja por isso que o filme se chame Aftersun). Se for possível dizer que existe um arco narrativo em Aftersun, seria apenas essa tática do filme ir expondo aos poucos para o público o fato de que, por trás das memórias positivas apresentadas, existia algo deprimente que eventualmente arruinou a vida emocional da menina.

Mas o problema do filme não é nem o pano de fundo melancólico, e sim esse fato dele não encarar e desenvolver seu verdadeiro tema; deixar tudo nas entrelinhas e nas linhas de fato apresentar apenas trivialidades. É uma tática meio fraudulenta, que livra o autor da responsabilidade de ter que escrever bons diálogos, criar cenas memoráveis, emocionar o público, e mostrar se de fato tem algo a dizer.

Aftersun / 2022 / Charlotte Wells

Satisfação: 4

Categoria: NI

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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

O Menu

O começo é interessante; lembra um Jurassic Park só que da gastronomia. Em vez dos convidados irem pra uma ilha misteriosa e se depararem com as maravilhas da engenharia genética, eles se deparam com pratos que parecem igualmente avançados tecnologicamente — até que as coisas desandam e os humanos se tornam comida pra suas próprias criações (pagando o preço pela soberba e pela busca por controle, perfeição — coisas que nunca saem impunes na nossa cultura). O problema é que a situação aqui não é nada crível. É absurda a ideia de um chef renomado como Slowik (Ralph Fiennes) se revelar um Jigsaw da cozinha de uma hora pra outra... E a passividade dos convidados diante de tudo também torna a situação artificial. O filme obviamente não quer que você acredite no que está acontecendo (e os toques constantes de humor reforçam isso). Ele funcionaria melhor como uma alegoria — um filme desses onde você sabe que não deve levar os eventos ao pé da letra, apenas procurar as ideias filosóficas e mensagens políticas embutidas na narrativa (tipo O Poço, Triângulo da Tristeza). Só que aqui não há clareza alguma quanto às tais ideias, o que deixa o filme sem propósito. Ele não é nem um suspense de verdade, nem uma comédia de verdade, nem uma alegoria satisfatória intelectualmente.

The Menu / 2022 / Mark Mylod

Satisfação: 5

Categoria: IC

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