quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Guia: Críticos de Cinema

Não conheço nenhum crítico hoje que eu consiga recomendar sem grandes ressalvas. Até porque aqueles que eu conheço são os que já têm um público considerável, e ter um público considerável significa que você reflete em um bom grau os valores predominantes na cultura, o que hoje particularmente não é uma vantagem. Então praticamente todos os críticos desta lista vão cair num espectro que só vai de "totalmente detestável" a "não tão mau" na minha perspectiva.

Há os que eu sigo pra me manter informado, e os que eu sigo pra entender melhor o gosto de determinado público, mas nenhum eu sigo por de fato refletir a minha visão de cinema.

De qualquer forma, queria abrir esta postagem aqui pra avaliar alguns dos críticos/comunicadores de cinema que acho relevantes hoje. Afinal, críticos às vezes têm tanto impacto no público e na indústria quanto os filmes em si, então acho importante indicar o quão próximos ou distantes eles estão da visão Idealista. Vou começar pelos que eu sigo ou já segui com alguma consistência — que não são tantos assim — e ao longo do tempo posso ir acrescentando outros nomes e recebendo sugestões de vocês.

Hoje em dia eu prefiro críticos de YouTube e de mídias mais informais aos críticos "sérios" de jornal como os que aparecem no Metacritic/Rotten Tomatoes, pois estes parecem sempre mais preocupados em se provarem escritores eruditos, sofisticados, merecedores de seus empregos, do que intelectuais interessados em ideias, princípios, em serem honestos em suas opiniões.

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* Alguns desses críticos eu não conheço a fundo, não acompanhei por tanto tempo, então pode ser que eu cometa alguma injustiça, esteja julgando com base numa amostragem muito pequena de seus trabalhos. Se este for o caso, estou aberto a reconsiderar minha opinião (diante de evidências!).

NACIONAIS:

Waldemar Dalenogare: De todos, é o que eu mais acompanho hoje. Nem tanto pelas críticas em si, que tendem a ficar na superfície, mas pelas informações que ele traz. O gosto dele pra filmes é bem diferente do meu; ele costuma ter mais respeito pelo Não Idealismo do que pelo Idealismo (os filmes europeus/latinos que falam sobre fatos históricos, que têm relevância política/social etc.) embora ele não pareça ter nada contra o cinema tradicional de Hollywood. Mas isso não importa tanto, pois eu vejo o Dalenogare primeiramente como um jornalista do cinema. E como jornalista (ele na verdade é historiador, professor universitário — o que talvez explique a preferência por filmes históricos/políticos) acho o trabalho dele excepcional, até pela vantagem dele morar nos EUA, poder ver filmes antes de todo mundo, e ser um insider da indústria (é membro da Critics Choice Association, vota em algumas premiações). Como quase nenhum crítico hoje eu consigo apreciar pelas opiniões, pelas análises, o Dalenogare pra mim tem essa vantagem de oferecer um "serviço" útil que vai além de sua perspectiva pessoal sobre os filmes. É um ótimo guia pra se ficar por dentro das notícias da indústria, tendências de mercado, temporada de prêmios, bilheterias etc. Politicamente, ele é inclinado à esquerda (embora não seja muito militante, nem "woke"), então quando as notícias envolvem coisas como greves, cotas de tela, tem que ficar atento a este viés. Recomendo muito as lives que ele faz de Sábado no YouTube com as notícias da semana.


Pablo Villaça: Se comunica muito bem, tem um conhecimento de cinema enorme e uma grande capacidade analítica, mas assim como todo intelectual de esquerda, seu poder de manipular ideias e sustentar racionalizações é tão grande quanto sua inteligência. Então ele representa aquele mesmo tipo de ameaça do professor universitário carismático, que tem autoridade sobre um tema, um poder de influência grande sobre os alunos, mas que é capaz das distorções intelectuais mais hediondas pra promover sua ideologia política, que é sua verdadeira paixão. Já vi algumas análises muito interessantes dele, principalmente quando ele foca em técnicas de direção, aspectos mais delimitados de um filme (fala bem até de E.T.), mas quando ele fala dos filmes que realmente representam seus valores, ele se prova o mais perigoso e "Anti-Idealista" de todos os críticos desta lista (recentemente ele postou uma análise de 1h argumentando que Star Wars: Os Últimos Jedi é o melhor filme de toda a saga Star Wars — o que me fez enxergá-lo quase como um arqui-inimigo, uma espécie de antítese de tudo o que eu defendo aqui). 


Isabela Boscov: Apesar da cultura, do profissionalismo, ela parece manter uma superficialidade estratégica em suas críticas pra se comunicar com um público mais amplo. Ela só detona filmes, por exemplo, quando é extremamente seguro fazê-lo; quando a opinião pública já deu permissão. Por isso, às vezes ela me parece mais uma comunicadora/guia de cinema do que uma crítica que coloca avaliação e análise em primeiro lugar. Ela evita posicionamentos que possam soar ideológicos (nunca fala mal da "agenda woke", até quando esta passa dos limites), foca muito em atores, personagens, nas sutilezas dos relacionamentos da história, buscando sempre elogiar as pessoas envolvidas na produção. Então vejo os vídeos dela mais pela personalidade carismática, por achar agradável ver pessoas mais cultas e maduras falando sobre cinema (um pouco como era o Rubens Ewald Filho antes) em vez desses YouTubers jovens que só falam de cultura pop e não ligam para cinema de verdade. Ela parece se guiar pelo "bom senso", pelo "equilíbrio", dificilmente fala coisas totalmente absurdas — mas nem sempre o bom senso dela bate com o meu (ela é bem adepta do Não Idealismo), e temo que se ela fosse um pouco mais assertiva e aberta em suas opiniões, ela se provaria não muito diferente de um Pablo Villaça.


Tiago Belotti (Meus 2 Centavos): Acompanhava o Tiago mais há uns 3, 4 anos, antes dele ter as crises de depressão e ficar menos consistente no canal. Nunca concordei muito com ele, mas achava interessante acompanhar o Meus 2 Centavos não só pelo humor (acho que ele tem carisma e sabe se expressar muito bem em vídeo), mas também porque ele representava o gosto de uma fatia relevante do público (o típico jovem-adulto masculino votante do IMDb), então era uma forma de eu ficar mais em contato com esse tipo de espectador, entender melhor o "Senso de Vida Malevolente", o "Idealismo Corrompido" que define muitos dos cinéfilos. Mas de uns anos pra cá, comecei a me irritar com ele e deixei de acompanhar o canal. Não sei se ele que ficou mais "corrompido" ou eu que estou com menos paciência.



Max Valarezo (Entre Planos)
: Tem tudo pra virar um Pablo Villaça quando ficar mais velho. É culto, se comunica de forma inteligente, tem uma postura profissional — e está totalmente comprometido com políticas de esquerda e com o Anti-Idealismo no cinema.




Alexandre Linck (Quadrinhos na Sarjeta): É mais focado em quadrinhos, mas discute alguns filmes também, geralmente por uma ótica política/ideológica. Me deparei com uma análise interessante dele no YouTube sobre a "estética totalitária" na cultura pop (filmes do Zack Snyder etc.) e apesar do viés claro de esquerda, achei o conteúdo inteligente e interessante do ponto de vista educativo. Resolvi assistir a mais alguns vídeos, mas depois do terceiro já estava com dor de cabeça. Não só dá a impressão que para ele tudo é política — que as mensagens explícitas ou implícitas da história importam mais que qualquer questão artística — como ele é um dos esquerdistas mais radicais que já vi na área. Pegando a crítica de Ficção Americana e a análise do quadrinho Confinada como base, fiquei com a impressão que o prazer dele é pegar obras que estão se esforçando para parecerem progressistas, e mostrar que elas são hipócritas, que não foram longe o bastante no progressismo. Confinada (que felizmente nunca li no Instagram) me parece superar Bacurau em seu ódio explícito dos "privilegiados". Mas para Linck, o fato da personagem branca ser detestável e mau caráter acaba fazendo ela roubar a cena e se tornar mais memorável do que a personagem negra, que é boa. O senso de vida malevolente de Linck o faz achar que personagens maus são sempre mais fascinantes que personagens bons, portanto, ainda seria uma forma de racismo dar aos brancos a "honra" de serem os mais detestáveis! E assim chegamos ao fim da linha do altruísmo e da virtofobia. Qual seria a solução ideal para Linck? Que a negra fosse má e a branca fosse boa? Que todos fossem maus? Que os personagens fossem todos negros? A resposta provavelmente é: a opção que não permita que a história sirva, em nenhum nível, os interesses dos "privilegiados"; que represente um sacrifício total e autêntico da "classe opressora" em nome da "classe oprimida".




INTERNACIONAIS:

The Critical Drinker: Este já é um que me interessa pelas análises. Em certos casos me surpreendo com a similaridade entre as observações dele e as minhas. A grande diferença é que ele é conservador e parece falar de cinema apenas na medida em que isso apela pro público geek de direita, agrada os algoritmos do YouTube, e serve pra atacar a esquerda woke. É mais um comentarista cultural do que um crítico de fato, e ele raramente vai falar de filmes menos comerciais, do cinema de forma mais ampla; apenas sobre tópicos quentes e controversos como Disney, Marvel, Star Wars etc. Ele representa aquele perfil atual de conservador que só se interessa por questões sociais, e que não condenaria um filme ideologicamente "só" por ser anticapitalista, por promover a destruição dos EUA (afinal, ele divide com a esquerda muitos dos mesmos princípios éticos; está sempre falando em altruísmo, tem auto-sacrifício como sinônimo de virtude etc.). Então apesar de muitas vezes apontarmos "negativos" similares nos filmes atuais, não acho que a visão positiva dele de arte se assemelharia muito à minha. Ainda assim, acho as observações dele sobre a decadência de Hollywood frequentemente perspicazes. Ele parece coletar todos os argumentos do seu público-alvo na internet antes de fazer uma análise, o que faz seus vídeos parecerem a "voz" de um público, mais até do que uma opinião pessoal (o personagem rabugento que ele encarna reforça essa ideia). As discussões acabam sendo repetitivas e limitadas muitas vezes, mas ele tem inteligência e respeito por qualidade cinematográfica o bastante pra promover alguns valores positivos no meio de todo o "hate".


Dan Murrell: Talvez o meu predileto hoje. Ele tem uma habilidade com palavras que admiro (fala de um jeito que parece ao mesmo tempo espontâneo e bem escrito), e diferentemente do Dalenogare, as críticas dele têm uma objetividade que me faz entender a experiência que ele teve, o que há de essencial e distintivo em cada filme, que elementos o levaram a ter certas reações — então concordando ou não com a avaliação final dele, eu sempre sinto que pelo menos ele viu o mesmo filme que eu. Ele é fã do Spielberg, cresceu com referências cinematográficas similares às minhas, só que ele é muito mais adaptado à cultura atual do que eu; está mais inserido no gosto mainstream, gosta de muitas coisas modernas, de filmes de arte Não Idealistas etc. Como o Dalenogare, ele também é uma boa fonte de notícias da indústria, e também tende à esquerda (ele, no entanto, costuma fazer um esforço maior pra justificar suas posições e reconhecer a existência de outros pontos de vista pra soar menos enviesado).


Patrick (H) Willems: Comecei a acompanhá-lo há pouco tempo. Ele não faz críticas de filmes individuais, mas as "video essays" dele sobre a indústria do cinema costumam ser bem interessantes, ricas em informações, e os vídeos são bem produzidos e divertidos em si — embora eu nunca ache que ele chegue no X da questão, na raíz do problema que está discutindo. É o outro lado da moeda do The Critical Drinker. Ambos acham que o cinema decaiu nas últimas décadas e estão atrás de um culpado, mas ambos parecem parcialmente cegos pois se recusam a olhar para os próprios valores e reconhecer que eles também contribuem para o estado atual do entretenimento. Pro Critical Drinker, é tudo culpa da esquerda. Não conheço o Patrick Willems o bastante pra saber o quanto ele culpa a direita. Mas certamente ele se recusa a ver qualquer problema na influência da esquerda em Hollywood (inclusive tem orgulho de bloquear comentários no canal que incluam o termo "woke"). Em vídeos como Who Is Killing Cinema? – A Murder Mystery ele parece um Sherlock Holmes usando lupas e instrumentos sofisticados pra encontrar pistas invisíveis, e até chegando a conclusões interessantes, mas ignorando o elefante branco na sala que qualquer míope consegue ver. Ainda estou coletando impressões. Em alguns vídeos achei ele bem sensato, já em outros, ele me pareceu completamente perdido e sem princípios (como no vídeo sobre Tenet e os "Vibes Movies" no qual ele celebra a Não-Objetividade e tudo aquilo que eu condeno em textos como Emoções Irracionais e 1999 e o Declínio da Objetividade). Talvez seja mais um desses críticos cujo valor está mais nas informações brutas, no trabalho de pesquisa, do que nos julgamentos e opiniões.


Mark Kermode: Pelo conhecimento, pela experiência na área, e pela atitude "apertei o botão do fo*****" (que parece vir da idade) às vezes tiro uns insights interessantes dos vídeos dele (e quem sabe umas risadas). Mas é a velha maldição: quanto maior a cultura e o potencial intelectual do crítico, piores parecem ser seus valores. Em gosto e princípios estéticos, não temos muito em comum.



Chris Gore e Alan Ng (Film Threat): O Film Threat tem cumprido um pouco a função que o Tiago Belotti cumpria pra mim no passado. Frequentemente discordo das avaliações dos dois, mas além da dinâmica entre Chris e Alan ser sempre divertida, eles são um ótimo termômetro do público mainstream — especialmente o público masculino, inclinado à direita (mas sem cair naquela bolha revoltada do Critical Drinker). É um canal descontraído, que não busca análises tão profundas sobre os filmes, mas que foge da banalidade por ser comandado por insiders com conhecimento real sobre a indústria, e que frequentemente surgem com informações/notícias de primeira mão.


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11 comentários:

Korvoloco Aspicientis disse...

Eu vejo as críticas do Pablo Villaça mais por conta do conhecimento do cinema que tem, sempre tem algo legal que aprendi com ele, afinal tem décadas de bagagem cinematográfica além da influência direta do Robert Ebert, mas me irrita a posição política/ideológica dele em muitas críticas.
E realmente, o vídeo dele falando que Os Últimos Jedi foi o melhor filme da franquia foi a gota d'água.

O Max Valarezo até começou bem, apesar das ideologias que ele segue, mas sei lá, com o tempo parece que ele perdeu aquela paixão em seus vídeos. Talvez seja impressão minha, não o vejo como antes.

Gosto da Isabela Boscov, ela deve ser uma pessoa divertida para conversar sobre cinema, mas sempre achei que faltava algo. Acho que ela tenta passar mais algo "good vibes", hehehehe

O Tiago Belotti foi um dos críticos que eu mais seguia antes dos problemas com depressão, divórcio etc. Ele tem talento e carisma, mas o pessimismo do cara me dá uma certa agonia, como naquela vez em que ele disse na crítica de A Felicidade Não se Compra, o personagem deveria ter se matado no final por "ser mais interessante"...
Ele também é um esquerdista militante, mas acredito que tá mais pelo engajamento, pois é só ver as postagens dele no Twitter, quando o Tiago posta sobre filmes ou comentários aleatórios não são uma fração se comparado a postagens políticas e ideológicas. E repare que as postagens políticas e ideológicas nem são de alguém que entenda de fato do assunto, é só pra não se sentir excluído da bolha, acredito eu.

Eu também sigo o Roberto Sadovski. Normalmente não gosto do que ele se tornou nesses últimos anos. Ele praticamente virou um Pablo Villaça em matéria de militância política e ideológica (até acho que ele se tornou ainda mais agressivo que o Pablo), além dele ser mais dessa parte nerd que envolve gibis e afins, uma área que nunca curti muito, e que elogia coisas bem questionáveis no mundo do entretenimento. O pior é que ele chegou num nível que quem não concorda com ele, é um imbecil retrógrado. O que gosto dele é que tem uma bagagem imensa com entrevistas de atores e diretores hollywoodianos, ele tem muitas histórias e curiosidades bacanas pra contar, além de ser o meu primeiro crítico que acompanhei desde que ele escrevia na saudosa revista Set.

Caio Amaral disse...

O Sadovski eu nunca acompanhei muito porque o conteúdo dele até onde sei é exclusivo pra assinantes do UOL. Tenho visto ele às vezes nas parcerias com a Isabela Boscov.. Seria legal eu incluir ele aqui se tivesse mais acesso às críticas.

É, o Tiago dependendo do filme e do estado de espírito, é um dos que faz as melhores críticas em vídeo. Mas hoje eu sempre penso 2 vezes antes de clicar nos vídeos dele, porque há sempre uma chance desses comentários deprê (ou militantes) deixarem a crítica indigesta rs.

Mas todo crítico "sincerão" é assim. Com certeza quem não compartilha dos mesmos valores que eu tb deve me achar indigesto. Quando você se posiciona, tem valores explícitos, você polariza. Daí requer compatibilidade. Já quando você fica mais na superfície.. é "good vibes" tipo a Isabela Boscov.. não precisa haver tanta compatibilidade. Você se sente à vontade pra ouvir a crítica, porque nenhum comentário ali vai arruinar seu humor rs. São duas abordagens.. abs.

Dood disse...

Quanto a críticos de cinema: eu acompanho mais você e a Boscov - essa última nem tanto pelas críticas em si, mas pelo burburinho que ela faz. Você me desperta uns insights mais reflexivos que eu gosto mais, até mesmo quando cita coisas que eu só tive pincelada em aulas de literatura como Naturalismo e Romantismo, até por conta da própria influência do objetivismo.

O entre planos deixei de acompanhar tanto, sei lá acho que ele tava muito destoado ultimamente. Um que também acompanhava era o Elegante, conhece?

Caio Amaral disse...

O formato "video essay" do Entre Planos às vezes leva a pessoa a forçar demais a barra pra fazer leituras mirabolantes de coisas pequenas dos filmes que ninguém reparou.. que no fim nem são tão profundas assim. Acho legal o formato pra tópicos importantes, pra um conteúdo especial.. mas não pra vídeos semanais.

Não conhecia esse Elegante.. vou dar uma olhada. Um dos motivos de eu ter feito o post foi justamente eu querer ouvir novos nomes, saber quem vocês acompanham de interessante etc.


Dood disse...

Caio, você conhece o Jurandir Gouveia? O que acha dele?

Mandaram esse video em um dos grupos do Facebook que participo:


https://www.youtube.com/watch?v=0KbhnkTq0Ag

Caio Amaral disse...

Olá Dood! Não acompanho. Tinha visto 1 ou 2 vídeos dele só até agora, e minha impressão era a de ser um canal do tipo "escravo do algoritmo", sem muita autenticidade e substância.

Nesse vídeo que você mandou, ele começa dizendo que todos os filmes da Netflix se tornaram parecidos — mas daria pra dizer o mesmo do vídeo dele e de todos esses canais de video essays do YouTube que falam sobre cinema. A fórmula parece ser sempre criar algum tipo de intriga no título que dê a impressão do espectador estar sendo mentalmente manipulado.. Tipo "Como filme X usa cores para criar efeito Y", "O detalhe em filme Z que você nunca reparou" (algo que atrai muito o público conservador - e se você lembra daquele meu vídeo Conservadores vs. Liberais | Ayn Rand você entende o porquê). Sugerir que a cultura está em declínio e que há algo artificial e invisível por trás disso também é parte da fórmula, e nesse ponto eu até teria algo em comum com esses canais. O problema desses vídeos é que as explicações que eles dão pras tais técnicas e fenômenos culturais quase sempre são superficiais e enganadoras. (As explicações reais acho que não viralizariam tanto.)

Pegue este vídeo do Jurandir sobre os filmes da Netflix, por exemplo. O argumento é que no começo, a Netflix ainda produzia conteúdos com muita personalidade, mas que daí entre 2016 e 2022 tudo começou a degringolar (pelo que a pesquisa feita na Ucrânia revela) e o resultado são filmes sem alma tipo "Donzela".

Nada disso faz o menor sentido. Se você olhar a lista de produções originais Netflix entre 2015 e 2020, a grande maioria já vai ser de coisas enlatadas.. daí no meio disso vc acha uma minoria de produções mais autorais, tipo Okja, Marriage Story, O Irlandês etc. Mas isso continua sendo verdade hoje.. Há muita coisa enlatada sendo lançada, mas filmes como Maestro, El Conde, O Assassino, Nyad não são "sem alma" como Donzela. O que se pode dizer sobre a Netflix é que ela nunca teve uma identidade, um selo de qualidade confiável (como a Apple parece estar tentando construir), pois sempre produziu coisas que vão do luxo ao lixo. Mas diria que os filmes de "prestígio" da Netlix hoje são melhores até que os filmes de prestígio feitos nos primeiros anos.

Outra coisa totalmente sem sentido é como o vídeo usa a tal pesquisa feita na Ucrânia pra dar um ar científico pro que ele está falando, quando na verdade o que a pesquisa diz não tem NADA a ver com o argumento que o Jurandir está tentando construir. O que a pesquisa diz é que entre 2016 e 2022 houve um aumento em narrativas não-lineares e histórias que envolvem flashbacks nas produções da Netflix (um dado que seria útil em textos meus sobre o declínio da Objetividade, por exemplo). Mas isso nada tem a ver com a opinião dele (já errônea) que os filmes da Netflix eram mais autênticos no começo, e começaram a ficar sem alma agora. Aliás "Donzela", que é o filme que ele pega pra representar tudo que haveria de ruim nessa tendência, é um filme totalmente linear!

Ou seja, o vídeo só funciona num nível puramente emocional. Ele apela pra sensação vaga do espectador de que o cinema atual está em decadência, que filmes enlatados da Netflix como Donzela representam esta decadência, e que clássicos do passado como Cidadão Kane e Terminator 2 eram muito melhores.. Bem, nesse nível até eu me identifico com o vídeo. O problema é que ele é uma enorme fraude do ponto de vista intelectual, pois ele finge estar dando explicações científicas pra essa decadência, quando não está nem perto disso. Quando ele insere gráficos na tela, pesquisas, etc., é o equivalente da pessoa mística que usa física quântica pra tentar dar algum embasamento pras suas crenças.

Dood disse...

Eu também achei estranho ele falar que filmes da Netflix hoje são piores que no início, isso eu fiquei até confuso pensando no histórico da empresa e nas análises de produções da plataforma aqui. O que acontece é que existe muito o lance da agenda Woke escancarada no entretenimento, ele cai num contexto cherry picking com o caso do filme Donzela para pegar o legado todo da plataforma e dizer que está ruim, acho que o mais sensato seria analisar obra por obra, e classificar.

Até eu mesmo cai num primeiro momento, mas admito minha ignorancia com os ultimos titulos produzidos por lá (mente ocupada em outras coisas atualmente e sou preso ainda a coisas mais antigas que ainda não vi, sem contar filmes que gosto de revisitar e tal...). Isso é bom, porque assim tem uma troca de informações e boas ponderações.

Caio Amaral disse...

Se ele tivesse dito que o problema de Donzela era algum elemento Woke e que os filmes da Netflix estavam piorando por isso... seria ainda uma explicação superficial, mas pelo menos não seria tão arbitrária. Mas ele não diz nada sobre isso.. Parece ele que pegou um vídeo de outro canal como referência pra saber como estruturar uma análise do tipo - qual o timing, o tom de voz, que horas fazer a publi, que horas introduzir um gráfico, como concluir e linkar para outro vídeo do canal etc. - mas não parou pra pensar se tinha algo relevante e coerente pra dizer. Mas é aquela coisa... 100 mil views em 3 dias - pra Insider é o que conta rs.

Dood disse...

Por isso que se ele usasse esse argumento do Woke seria um Cherry Picking, uma generalização simplista. Muitos canais caem nisso, você tem o diferencial de enxergar estruturalmente fora do espectro de uma ideologia específica, porque não é simplesmente um problema ideológico em filmes ruins. Eles existirão mesmo sem esse véu.



Caio Amaral disse...

Verdade, muitos simplificam... O "wokismo" é sem dúvida parte do problema, mas não explica todo o declínio de qualidade, nem outras tendências que já estavam em alta antes desse fenômeno ganhar força.

Caio Amaral disse...

Atualização: comentário sobre Alexandre Linck (Quadrinhos na Sarjeta).