sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Onde os Fracos Não Têm Vez
O filme começa com um monólogo do personagem de Tommy Lee Jones. Ele lamenta a violência e a crueldade do ser humano, porém diz que sua profissão exige que ele "faça parte desse mundo" e "ponha sua alma em jogo". O filme começa, somos apresentados ao vilão primeiro (Chigurh), e depois ao protagonista, Llewelyn. Mala de dinheiro, perseguição, hotéis, portas, tiros, sangue, mais hotéis, etc. Não há reflexões, diálogos profundos, personagens complexos, nada. O filme é o simples registro de uma perseguição. Puro cinema, puro suspense. Um pouco sério e pomposo demais pro conteúdo, mas nada que chegue a distrair. Mas o filme incomoda, pois mesmo nessa porção "thriller", ele contém cenas bastante confusas e idéias mal pontuadas. Exemplos:
- Qual o motivo do Llewelyn alugar um 2º quarto no mesmo hotel depois de esconder o dinheiro no duto de ar? Quando vi pela primeira vez, achei que fosse pra ele poder pegar a mala do quarto de trás, caso algo desse errado. Mas a verdade é que, quando ele volta pro hotel na noite anterior, o quarto já havia sido invadido pelos mexicanos. Ele percebe isso de dentro de um taxi, quando vê que a cortina do quarto está ligeiramente aberta. Daí ele vai dormir num outro hotel e no dia seguinte volta para alugar o 2º quarto. Ou seja, quem não memorizou que ele fechou a cortina antes de sair, terá dificuldades de acompanhar esse trecho.
- Como o agente interpretado por Woody Harrelson encontra Llewelyn no hospital? Isso não é explicado.
- Como os mexicanos encontram a esposa de Llewelyn e sua mãe em Odessa quando elas estão dentro de um taxi partindo para Del Rio? Não é explicado.
Não dá pra explicar ou resumir esse filme em poucas palavras. Mesmo tendo visto 2 vezes ainda tenho sentimentos mistos e perguntas sem respostas em relação a ele. O que se pode afirmar é que é um suspense pouco convencional, filmado com maestria pelos irmãos Coen, e que funciona completamente bem durante 1 hora. Depois disso, até o polêmico final, a platéia irá se dividir, e a metade maior sairá irritada, confusa, se sentindo traída ou no mínimo idiota. Aqueles que acreditarem que a "mensagem" compensou sua frustração, acharão o filme genial mesmo que não saibam explicar detalhadamente que mensagem foi essa. O resto simplesmente sairá da sala com um ponto de interrogação. Mas não se enganem, tudo isso é intencional e foi cuidadosamente planejado pelos diretores. A questão é: há uma desculpa boa o suficiente para se passar uma rasteira na platéia? É louvável fazer um filme propositalmente frustrante? Uma mensagem, que nada mais é do que a opinião de uma pessoa (nesse caso o autor do livro junto com os irmãos Coen), pode ser boa o bastante para justificar 2 horas de emoções desperdiçadas? E não dá pra dizer que o filme não era sobre o dinheiro. Era sim. Apesar de não haver música no filme (o que poderíamos interpretar como uma pista de que não deveríamos ter nos envolvido) a edição e todos os outros recursos cinematográficos fazem com que nos importemos por Llewelyn, sua esposa e a mala de dinheiro.- E como eles (mexicanos) acham Llewelyn e o matam em Del Rio antes mesmo da esposa chegar? Numa cena é explicado para Chigurh que um "receiver" também havia sido dado aos mexicanos (o que não faz muito sentido). Mas mesmo assim, o sinalizador já havia sido encontrado e removido por Llewelyn da mala de dinheiro.
- Como Chigurh sabe que Llewelyn vai encontrar a esposa justamente em Del Rio? Isso é explicado numa cena bastante vaga, quando Chigurh pergunta ao dono do caminhão de galinhas onde fica o aeroporto mais próximo (Del Rio). Ou seja, ele provavelmente deduziu que o próximo passo de Llewelyn seria colocar a esposa num avião, mas poucos entendem isso, pois enquanto isso é explicado, estamos mais interessados no fato de que Chigurh está prestes a matar o dono do caminhão! Hitchcock jamais cometeria esse erro.
- Quem ficou com o dinheiro? Me parece que ficou com o Chigurh, pois quando o Tommy Lee Jones volta no hotel em que Llewelyn foi assassinado (e o Chigurh está atrás da porta), ele vê a grade do duto de ar removida. Ou seja, aí devemos concluir que depois do massacre, os mexicanos foram embora sem o dinheiro, mas o Chigurh como já sabia onde o Llewelyn gostava de esconder o dinheiro, voltou lá depois da confusão e pegou a grana. Mas não dá pra ter certeza, pois como não tínhamos visto o quarto até então, não podemos ter certeza de que a grade do duto foi removida por Chigurh. Podia ter sido antes pela polícia, pelos mexicanos, pelo próprio Llewelyn, não sabemos. A cena toda é também comprometida pois neste momento estamos tentando entender pra onde foi o Chigurh que estava atrás da porta!! Ele simplesmente desaparece - e ele NÃO caberia atrás da porta. Ou seja, pra elaborar o conceito de que o assassino possa ser uma espécie de fantasma (idéia sugerida num diálogo logo antes desta cena), o entendimento da trama foi comprometido.
Enfim, estas e outras coisas já estão nos irritando quando o filme se aproxima do fim. Cenas gratuitas, como a da explosão do carro (que não garantiria que o vilão fosse entrar na farmácia e roubar medicamentos sem ser visto), o enterro da mãe da Carla (que no meio disso tudo ainda teve tempo de morrer de câncer!), ou o violento acidente de carro no final que parece não servir pra nada, tudo só ajuda a dar um nó maior na cabeça do espectador.
O trecho "thriller" do filme (que na verdade é o filme inteiro exceto os 15 minutos finais) - este registro simples e vazio de uma perseguição, chega ao fim quando percebemos que o protagonista está morto. Não vimos quem, como ou quando. Simplesmente foi assassinado. Depois disso a platéia começa a coçar a cabeça. O filme já estava conturbado o bastante como um simples suspense, e agora além de ficar sem as respostas, a gente tem que aceitar que o nosso investimento foi todo em vão. Há a cena em que o policial (Tommy) volta no hotel à noite, há um diálogo apocalíptico entre o policial e Ellis num quarto escuro, há a cena do assassinato da esposa de Llewelyn (também não mostrado), e o relato de dois sonhos que o policial teve com o pai. O primeiro era sobre um dinheiro que o pai dava a ele e ele "acha que perdeu". O outro era uma piração sobre o pai cavalgando no deserto segurando um chifre. "And then I woke up" - e o filme termina.
O tema mais recorrente no filme não é violência ou a velhice citada no título original, mas o dinheiro. Da segunda vez que o vi, me convenci de que esse era o tema central do filme. Os 3 adolescentes que Llewelyn encontra na fronteira dão um casaco a ele em troca de dinheiro. Em seguida, Llewelyn pede também a cerveja - o menino pergunta "por quanto?". Quando Chigurh tem o acidente de carro, ele compra a camiseta de um dos 2 garotos (que teriam dado de graça). Mas depois, com o dinheiro já na mão enquanto Chigurh escapa, os 2 começam a brigar sobre como dividirão a grana. Llewelyn machucado oferece dinheiro aos 3 mariachis apenas para que o levem ao hospital! A vida das vítimas de Chigurh são decididas por uma moeda. Llewelyn arrisca sua vida e a da esposa por uma mala de dinheiro que nem lhe pertencia. O personagem de Woody Harrelson só trabalha pelo dinheiro. Tudo gira em torno de dinheiro (com diversos closes nas notas), mas apesar de tantas pistas, isso no fim ainda não me pareceu ter sido uma crítica tão completa e bem construída a ponto de sustentar o filme todo ou gerar qualquer senso de conclusão.
"Chinatown" consegue, "Rede de Intrigas" também. Esses filmes funcionam em todos os níveis.
Pegue "Cidade dos Sonhos"; outro suspense construído em torno de um uma bolsa de dinheiro, que eventualmente abandona a trama pra confundir a platéia com um final enigmático. A diferença é que, neste caso, sabemos desde antes dos créditos que o filme não obedece à lógica. Ele te promete loucura desde o primeiro instante, e loucura é o que você tem, em doses crescentes, até o clímax. E apesar disso, se você quiser achar um sentido por trás de tudo, você consegue. O conteúdo está na tela.
Em "Onde os Fracos Não Têm Vez", fica a sensação de que não foi nem um suspense, nem uma discussão moral satisfatória. De que havia algo por trás, mas nada tão específico que possa ser julgado. Creio que quem deu o Oscar ao filme foi justamente quem comprou essa barganha.
Mas ainda assim, é um filme que merece ser visto, revisto e discutido. A própria polêmica já o põe numa posição de destaque.
P.S. Em tempos de guerra a academia sempre premiou filmes de aparência mais "séria", mesmo que não fossem os mais populares: "Rosa de Esperança" em 43, "Farrapo Humano" em 45, "No Calor da Noite" em 68, "Perdidos na Noite" em 70, "Patton - Rebelde ou Herói" em 71, etc. Passada a crise, as coisas sempre voltaram ao normal.
No Country For Old Men (EUA, 2007, Ethan Coen e Joel Coen)
NOTA: 7.0
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Antes de Partir
Idosos morrendo não é o meu tema favorito do cinema. Menos ainda quando se trata de uma comédia. Vejo sem tantos problemas um drama sobre idosos morrendo, como “Longe Dela”, ou uma comédia sobre idosos saudáveis, como “Alguém Tem que Ceder”. Uma comédia sobre jovens morrendo talvez fosse menos deprimente, mas só me vem à cabeça “As Férias da Minha Vida”, de onde a Queen Latifah sai viva. Será que é impossível fazer uma comédia sensível e engraçada sobre degeneração física? Essa questão ficou na minha cabeça durante toda a projeção, me distanciando do filme. Fica a pergunta no ar, para um cineasta mais ousado que Reiner responder.
The Bucket List (EUA, 2007, Rob Reiner)
NOTA: 5.5
The Bucket List (EUA, 2007, Rob Reiner)
NOTA: 5.5
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