NOTAS DA SESSÃO:
- A fotografia é brilhante (em conjunto com o design de produção e toda a parte visual).
- Muito bem dirigida a sequência inicial sem diálogos.
- O protagonista e a trama são bem apresentados e moderadamente interessantes.
- Não gosto do relativismo da história! Tom Hanks dá muito crédito moral pro espião russo pelo fato dele estar fazendo o seu trabalho corretamente... É como se não houvesse diferença entre pessoas que trabalham pela liberdade e pessoas que trabalham pela tirania, desde que elas sejam "íntegras".
- Como nós não temos nenhuma dúvida de que o cara é um espião, fica difícil simpatizar totalmente pela causa do Tom Hanks. Imagine se, em 12 Homens e Uma Sentença, nós soubéssemos o tempo todo que o garoto acusado fosse um assassino. Mesmo não havendo provas, não seria tão interessante ver o Henry Fonda lutando para salvá-lo.
- Hanks é um advogado disciplinado, meio "cdf", que faz seu trabalho "direitinho", mas não chega a ser um personagem inesquecível, admirável, etc.
- Apesar dos princípios duvidosos do protagonista, essa primeira parte do filme prende a atenção pois levanta questões morais interessantes. Quando o filme abandona esse tema e parte pra Alemanha, a história se torna mais fraca. O filme criou a expectativa de que Hanks iria defender os direitos do espião até as últimas consequências, que as coisas ficariam cada vez mais difíceis. Ficamos curioso pra saber qual seria o posicionamento dele, mas depois essa história é deixada de lado, é resolvida sem um clímax, e o filme fica menos dramático, mais burocrático, focando na negociação entre EUA, Alemanha e Rússia. Não há mais uma grande expectativa em relação ao que vai acontecer com o protagonista. Não há um vilão interessante, argumentos fortes contrariando o que Hanks está fazendo, então há pouco apelo emocional. O grande prazer do filme é estético, afinal Spielberg sabe realizar um filme como ninguém. Mas a história não é das mais fortes.
- Spielberg devia parar de se associar com pessoas que não têm nada a ver com a sensibilidade dele (os irmãos Coen escreveram o roteiro) e também devia evitar temas mais intelectuais que não é onde ele brilha mais. Ele é muito melhor com ação, suspense, aventura, escapismo, emoções fortes, etc.
CONCLUSÃO: Um prazer puramente estético pra quem gosta de ver um filme bem realizado, mas a história não é das mais estimulantes emocionalmente/intelectualmente. Spielberg praticando "minimalismo emocional".
(Bridge of Spies / EUA / 2015 / Steven Spielberg)
FILMES PARECIDOS: O Jogo da Imitação / Argo / Munique
NOTA: 8.0
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
Sicario: Terra de Ninguém
NOTAS DA SESSÃO:
- Boa a cena inicial! O caminhão derrubando a parede, o tiro, a descoberta dos corpos, a explosão. O fato de ser uma mulher numa situação dessa torna tudo mais curioso (prefiro a Emily Blunt nesses papéis menos femininos). A história tem um objetivo claro e a protagonista é íntegra e respeitável.
- Gosto das imagens e da direção discreta (porém firme) do Denis Villeneuve.
- A história é um pouco confusa pra quem não entende do trabalho dessas pessoas. Por que a Emily Blunt desconfia tanto do Benicio del Toro e do Josh Brolin? Não é clara qual é a ameaça pra ela. Pro espectador leigo fica apenas uma sensação indefinida de que há algo de corrupto e misterioso na CIA, no FBI, etc.
- Sequência da chegada em Juarez bastante tensa! Os tiros, os homens pendurados, as pessoas armadas no trânsito, etc.
- O "vilão" do filme (o traficante) é muito distante e não há uma expectativa de que a Emily Blunt possa capturá-lo, o que torna a história menos empolgante (não é como em A Hora Mais Escura). Acaba sendo mais um drama sobre uma jovem idealista descobrindo que as pessoas no fundo são más (Toro, Brolin, etc.), só que não há uma narrativa muito forte, conflitos pessoais interessantes, a protagonista é passiva demais, etc.
- A narrativa é sutil (ou confusa) demais pro meu gosto. A plateia não entende todo o "passo a passo" da operação, fica apenas testemunhando o que os personagens fazem. Quem eles esperam encontrar no túnel exatamente? Por que a Emily aponta a arma pro Benicio del Toro?
- SPOILER: Cena da grande "vingança" do Benicio del Toro é forte. Se ele fosse o protagonista e o filme tivesse estabelecido esse tema de vingança desde o começo, acho que a história teria sido mais envolvente e tido um clímax mais satisfatório.
- O tema do filme (que é negativo e não me agrada muito) é bem resumido na frase do Benicio del Toro "Você não sobreviverá aqui, você não é um lobo. Esta é uma terra de lobos agora."
CONCLUSÃO: Produção decente com uma direção competente do Denis Villeneuve, mas com uma história impessoal, às vezes pouco clara e burocrática demais.
(Sicario / EUA / 2015 / Denis Villeneuve)
FILMES PARECIDOS: O Abutre / Selvagens / Marcas da Violência / Traffic: Ninguém Sai Limpo
NOTA: 5.5
- Boa a cena inicial! O caminhão derrubando a parede, o tiro, a descoberta dos corpos, a explosão. O fato de ser uma mulher numa situação dessa torna tudo mais curioso (prefiro a Emily Blunt nesses papéis menos femininos). A história tem um objetivo claro e a protagonista é íntegra e respeitável.
- Gosto das imagens e da direção discreta (porém firme) do Denis Villeneuve.
- A história é um pouco confusa pra quem não entende do trabalho dessas pessoas. Por que a Emily Blunt desconfia tanto do Benicio del Toro e do Josh Brolin? Não é clara qual é a ameaça pra ela. Pro espectador leigo fica apenas uma sensação indefinida de que há algo de corrupto e misterioso na CIA, no FBI, etc.
- Sequência da chegada em Juarez bastante tensa! Os tiros, os homens pendurados, as pessoas armadas no trânsito, etc.
- O "vilão" do filme (o traficante) é muito distante e não há uma expectativa de que a Emily Blunt possa capturá-lo, o que torna a história menos empolgante (não é como em A Hora Mais Escura). Acaba sendo mais um drama sobre uma jovem idealista descobrindo que as pessoas no fundo são más (Toro, Brolin, etc.), só que não há uma narrativa muito forte, conflitos pessoais interessantes, a protagonista é passiva demais, etc.
- A narrativa é sutil (ou confusa) demais pro meu gosto. A plateia não entende todo o "passo a passo" da operação, fica apenas testemunhando o que os personagens fazem. Quem eles esperam encontrar no túnel exatamente? Por que a Emily aponta a arma pro Benicio del Toro?
- SPOILER: Cena da grande "vingança" do Benicio del Toro é forte. Se ele fosse o protagonista e o filme tivesse estabelecido esse tema de vingança desde o começo, acho que a história teria sido mais envolvente e tido um clímax mais satisfatório.
- O tema do filme (que é negativo e não me agrada muito) é bem resumido na frase do Benicio del Toro "Você não sobreviverá aqui, você não é um lobo. Esta é uma terra de lobos agora."
CONCLUSÃO: Produção decente com uma direção competente do Denis Villeneuve, mas com uma história impessoal, às vezes pouco clara e burocrática demais.
(Sicario / EUA / 2015 / Denis Villeneuve)
FILMES PARECIDOS: O Abutre / Selvagens / Marcas da Violência / Traffic: Ninguém Sai Limpo
NOTA: 5.5
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
A Colina Escarlate
ANOTAÇÕES:
- O filme sofre daquele problema da "fantasia dentro da fantasia". A época, a cenografia, a luz, a performance dos atores - tudo já é tão distante da nossa realidade que, ao aparecerem os fantasmas, não há nenhuma surpresa, pois não se cria um contraste interessante com o real.
- O visual é incrível (fotografia + direção de arte).
- Ter um fantasma aparecendo às claras pra protagonista logo na primeira cena estraga parte da curiosidade da história. Ela já viveu um momento praticamente insuperável de terror - não dá pra esperar algo de muito mais intenso daqui pra frente.
- Além do visual exuberante, há certa inteligência nos diálogos que destaca o filme de outros mais medíocres do gênero. Mia Wasikowska está apropriada nesse papel.
- Interessante a cena da dança segurando a vela. Mas é um pouco confusa a trama e relação entre os personagens. Não dá pra saber direito quem está apaixonado por quem, quem está com ciúmes de quem... Não ficamos sabendo qual o segredo que o pai da Edith descobre a respeito do Thomas Sharpe, nem por que ele não fala nada pra filha... Assistimos tudo com pouco envolvimento, como se tivéssemos pego a história da metade.
- SPOILER: Por que essa cena das formigas devorando a borboleta? E a violência grotesca no assassinato do pai? (Culto à Dor).
- A mansão é incrível como cenografia. Mas é uma ambiente desagradável, decadente. É um pouco forçado esse buraco no telhado - quem com um mínimo de bom senso moraria num lugar assim? E por que caem folhas pelo buraco se não há árvores perto da casa? O filme parece estar mais interessado no estilo visual do que em criar um ambiente convincente.
- Toda a parte do terror, dos fantasmas, parece secundária e não funciona muito bem (quem entrar no cinema buscando um filme de gênero irá se frustrar).
- SPOILER: Thomas e a irmã queriam matar o próprio cachorro? O filme fez a gente simpatizar por Thomas no começo, e agora começa a mostrá-lo como um monstro interesseiro - a gente fica meio perdido. O romance e as relações são confusas, mal estabelecidas.
- É meio estranho caracterizar a mansão como se fosse um lugar mal-assombrado, um "personagem" assustador do filme, sendo que os fantasmas já apareciam pra protagonista mesmo em casas normais. E Edith não parece muito assustada com os fantasmas, então todo o suspense criado em torno deles não tem muita força. Não faz sentido a cena que ela se apavora com uma das fantasmas e começa a chorar, diz que quer ir embora da casa - ela já não tinha visto vários fantasmas antes?
- SPOILER: Trama forçada. Por que haveriam aquelas gravações guardadas de todas as ex-mulheres de Thomas? Será mesmo que ele teria conseguido conquistar tantas mulheres ricas, se aproveitado delas, tê-las matado pelo dinheiro e ainda saído impune? Será que um inventor tão brilhante e dedicado (algo que exige inúmeras virtudes) seria uma pessoa tão desonesta e destrutiva?
- SPOILER: Por que Thomas decide ajudar a esposa no fim? É pra gente achar ele mais gostável por isso e ficar contra a irmã apenas? Mas o que ele fez antes já é tão imperdoável! E a Edith ainda mostra certa consideração por ele?!
- SPOILER: Ridículo o médico ensinar onde o Thomas deve esfaqueá-lo na barriga. Desculpa ruim pra mostrar violência (a Jessica Chastain não é uma ameaça tão grande assim pro Thomas, a ponto dele se sentir forçado a esfaquear um inocente). O final todo é insatisfatório.
CONCLUSÃO: O visual impressiona mas o filme não tem força como suspense/terror e as relações não são bem escritas o bastante pro filme funcionar como drama apenas.
(Crimson Peak / EUA / 2015 / Guillermo del Toro)
FILMES PARECIDOS: Invocação do Mal / Mama / O Orfanato / O Labirinto do Fauno / Virgínia
NOTA: 5.0
- O filme sofre daquele problema da "fantasia dentro da fantasia". A época, a cenografia, a luz, a performance dos atores - tudo já é tão distante da nossa realidade que, ao aparecerem os fantasmas, não há nenhuma surpresa, pois não se cria um contraste interessante com o real.
- O visual é incrível (fotografia + direção de arte).
- Ter um fantasma aparecendo às claras pra protagonista logo na primeira cena estraga parte da curiosidade da história. Ela já viveu um momento praticamente insuperável de terror - não dá pra esperar algo de muito mais intenso daqui pra frente.
- Além do visual exuberante, há certa inteligência nos diálogos que destaca o filme de outros mais medíocres do gênero. Mia Wasikowska está apropriada nesse papel.
- Interessante a cena da dança segurando a vela. Mas é um pouco confusa a trama e relação entre os personagens. Não dá pra saber direito quem está apaixonado por quem, quem está com ciúmes de quem... Não ficamos sabendo qual o segredo que o pai da Edith descobre a respeito do Thomas Sharpe, nem por que ele não fala nada pra filha... Assistimos tudo com pouco envolvimento, como se tivéssemos pego a história da metade.
- SPOILER: Por que essa cena das formigas devorando a borboleta? E a violência grotesca no assassinato do pai? (Culto à Dor).
- A mansão é incrível como cenografia. Mas é uma ambiente desagradável, decadente. É um pouco forçado esse buraco no telhado - quem com um mínimo de bom senso moraria num lugar assim? E por que caem folhas pelo buraco se não há árvores perto da casa? O filme parece estar mais interessado no estilo visual do que em criar um ambiente convincente.
- Toda a parte do terror, dos fantasmas, parece secundária e não funciona muito bem (quem entrar no cinema buscando um filme de gênero irá se frustrar).
- SPOILER: Thomas e a irmã queriam matar o próprio cachorro? O filme fez a gente simpatizar por Thomas no começo, e agora começa a mostrá-lo como um monstro interesseiro - a gente fica meio perdido. O romance e as relações são confusas, mal estabelecidas.
- É meio estranho caracterizar a mansão como se fosse um lugar mal-assombrado, um "personagem" assustador do filme, sendo que os fantasmas já apareciam pra protagonista mesmo em casas normais. E Edith não parece muito assustada com os fantasmas, então todo o suspense criado em torno deles não tem muita força. Não faz sentido a cena que ela se apavora com uma das fantasmas e começa a chorar, diz que quer ir embora da casa - ela já não tinha visto vários fantasmas antes?
- SPOILER: Trama forçada. Por que haveriam aquelas gravações guardadas de todas as ex-mulheres de Thomas? Será mesmo que ele teria conseguido conquistar tantas mulheres ricas, se aproveitado delas, tê-las matado pelo dinheiro e ainda saído impune? Será que um inventor tão brilhante e dedicado (algo que exige inúmeras virtudes) seria uma pessoa tão desonesta e destrutiva?
- SPOILER: Ridículo o médico ensinar onde o Thomas deve esfaqueá-lo na barriga. Desculpa ruim pra mostrar violência (a Jessica Chastain não é uma ameaça tão grande assim pro Thomas, a ponto dele se sentir forçado a esfaquear um inocente). O final todo é insatisfatório.
CONCLUSÃO: O visual impressiona mas o filme não tem força como suspense/terror e as relações não são bem escritas o bastante pro filme funcionar como drama apenas.
(Crimson Peak / EUA / 2015 / Guillermo del Toro)
FILMES PARECIDOS: Invocação do Mal / Mama / O Orfanato / O Labirinto do Fauno / Virgínia
NOTA: 5.0
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
Um Senhor Estagiário
NOTAS DA SESSÃO:
- É interessante a situação do protagonista: ele não tem mais amor nem carreira pra preencher a vida, e decide fazer algo a respeito.
- O elenco e a produção são de bom nível.
- O problema é que os conflitos do filme são muito leves. De Niro não estava deprimido, à beira da morte ou algo do tipo. Apenas entediado, e arrumou um estágio pra preencher o tempo. A empresa por outro lado também estava indo muito bem. Não é que estava à beira da falência e o De Niro chegou pra revolucionar tudo, trazer uma nova filosofia, etc. Ele vem apenas dar pequenos conselhos a ajudar em tarefas banais. E apesar da idade, ele é ótimo pro trabalho, se dá bem com todo mundo logo de cara, não cria nenhum problema sério pra Anne Hathaway... É tudo muito bonitinho, simpatiquinho - e chato.
- A empresa já é um sucesso absoluto e o grande "dilema" do filme é se a Anne Hathaway vai ou não contratar um CEO pra ajudá-la a administrar esse sucesso todo - é um conflito fraco demais!
- Triste ver a Rene Russo nesse papel secundário de massagista. As piadas envolvendo sexo entre ela e o De Niro são constrangedoras.
- Outro problema fatal é que não há nenhuma química entre o personagem do De Niro e o da Anne Hathaway. Ela é chata, pretensiosa, e ele é submisso, sem atitude... Não há uma relação envolvente entre os dois. Ela passa a ter certo "carinho" apenas porque ele é um empregado tão eficiente e submisso que se torna quase digno de pena - não é uma figura admirável que traz uma verdadeira transformação pra vida dela. Seria muito mais legal se ele fosse um personagem forte, mais agressivo, que chegasse pra desafiar as crenças da Anne, criando um grande conflito inicial... Mas o filme está tão empenhado na mensagem feminista, em mostrar Anne como uma empresária bem sucedida e autossuficiente, que não permite que ela precise do De Niro de maneira significativa.
- O filme tem a profundidade de um comercial de margarina. Cria aquele tipo de ambiente de classe alta onde tudo é perfeitamente decorado, todos estão bem vestidos, têm belos sorrisos, mas que traz algo de falso e superficial no ar. O filme não entra em discussões sérias, os personagens não têm momentos verdadeiros, ninguém expõe emoções autênticas... Tudo parece conversa de elevador.
- A sub-trama do roubo do computador da mãe da Anne é desnecessária e destoa da história. O humor dos atores coadjuvantes não funciona.
- Até a questão da traição é tratada de maneira extremamente distante, superficial, nas entrelinhas, como se a diretora tivesse medo de tocar num assunto tão "pesado" como infidelidade! O filme é tão água-com-açúcar que parece feito pra ser mostrado em hospitais pra senhoras com problemas cardíacos.
- De Niro e Hathaway conversando na cama: era pra ser uma cena calorosa, mostrando os dois se aproximando, "bonding", mas a relação entre eles é tão estranha e mal construída que acaba sendo incômodo de assistir.
CONCLUSÃO: Comédia água-com-açúcar superficial que fracassa principalmente por não conseguir criar um relacionamento atraente entre os protagonistas.
(The Intern / EUA / 2015 / Nancy Meyers)
FILMES PARECIDOS: Os Estagiários / Não Sei Como Ela Consegue / Simplesmente Complicado / O Amor Não Tira Férias
NOTA: 4.0
- É interessante a situação do protagonista: ele não tem mais amor nem carreira pra preencher a vida, e decide fazer algo a respeito.
- O elenco e a produção são de bom nível.
- O problema é que os conflitos do filme são muito leves. De Niro não estava deprimido, à beira da morte ou algo do tipo. Apenas entediado, e arrumou um estágio pra preencher o tempo. A empresa por outro lado também estava indo muito bem. Não é que estava à beira da falência e o De Niro chegou pra revolucionar tudo, trazer uma nova filosofia, etc. Ele vem apenas dar pequenos conselhos a ajudar em tarefas banais. E apesar da idade, ele é ótimo pro trabalho, se dá bem com todo mundo logo de cara, não cria nenhum problema sério pra Anne Hathaway... É tudo muito bonitinho, simpatiquinho - e chato.
- A empresa já é um sucesso absoluto e o grande "dilema" do filme é se a Anne Hathaway vai ou não contratar um CEO pra ajudá-la a administrar esse sucesso todo - é um conflito fraco demais!
- Triste ver a Rene Russo nesse papel secundário de massagista. As piadas envolvendo sexo entre ela e o De Niro são constrangedoras.
- Outro problema fatal é que não há nenhuma química entre o personagem do De Niro e o da Anne Hathaway. Ela é chata, pretensiosa, e ele é submisso, sem atitude... Não há uma relação envolvente entre os dois. Ela passa a ter certo "carinho" apenas porque ele é um empregado tão eficiente e submisso que se torna quase digno de pena - não é uma figura admirável que traz uma verdadeira transformação pra vida dela. Seria muito mais legal se ele fosse um personagem forte, mais agressivo, que chegasse pra desafiar as crenças da Anne, criando um grande conflito inicial... Mas o filme está tão empenhado na mensagem feminista, em mostrar Anne como uma empresária bem sucedida e autossuficiente, que não permite que ela precise do De Niro de maneira significativa.
- O filme tem a profundidade de um comercial de margarina. Cria aquele tipo de ambiente de classe alta onde tudo é perfeitamente decorado, todos estão bem vestidos, têm belos sorrisos, mas que traz algo de falso e superficial no ar. O filme não entra em discussões sérias, os personagens não têm momentos verdadeiros, ninguém expõe emoções autênticas... Tudo parece conversa de elevador.
- A sub-trama do roubo do computador da mãe da Anne é desnecessária e destoa da história. O humor dos atores coadjuvantes não funciona.
- Até a questão da traição é tratada de maneira extremamente distante, superficial, nas entrelinhas, como se a diretora tivesse medo de tocar num assunto tão "pesado" como infidelidade! O filme é tão água-com-açúcar que parece feito pra ser mostrado em hospitais pra senhoras com problemas cardíacos.
- De Niro e Hathaway conversando na cama: era pra ser uma cena calorosa, mostrando os dois se aproximando, "bonding", mas a relação entre eles é tão estranha e mal construída que acaba sendo incômodo de assistir.
CONCLUSÃO: Comédia água-com-açúcar superficial que fracassa principalmente por não conseguir criar um relacionamento atraente entre os protagonistas.
(The Intern / EUA / 2015 / Nancy Meyers)
FILMES PARECIDOS: Os Estagiários / Não Sei Como Ela Consegue / Simplesmente Complicado / O Amor Não Tira Férias
NOTA: 4.0
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Peter Pan
ANOTAÇÕES:
- Não gosto do visual plastificado, super-manipulado, azulado - parece que estamos vendo o filme no fundo do mar. Até a parte "real" do filme que se passa no orfanato parece um sonho.
- Peter não é muito carismático e se comporta como um garoto ordinário, não como alguém admirável.
- A ida pra Terra do Nunca é frustrante e não cria nenhum senso de magia (nunca dê pra um britânico fazer o serviço de um americano!). Quando eles chegam lá, o lugar é feio, cheio de personagens asquerosos, as pessoas cantam a música do Nirvana - isso tudo é pra destruir a inocência associada à história do Peter Pan (me lembra daquela terrível abertura das olimpíadas de Londres, onde eles tentavam misturar espetáculo e otimismo com músicas do Beatles e do David Bowie).
- Meta de Peter é encontrar a mãe, mas isso não é muito envolvente pra plateia, já que nem ela nem Peter a conhecem.
- Peter não tem uma amizade atraente com o Gancho, nem com a personagem da Rooney Mara. As relações são chatas ("realistas"), baseadas em conflito e rivalidade.
- O casting me parece errado. Peter é apenas profissional e a Rooney Mara ficaria muito melhor se tivesse uma atitude positiva, e não essa cara antipática de semi-vilã o filme inteiro.
- SPOILER: A mãe está morta? A grande meta do protagonista?
- SPOILER: O grande momento do voo de Peter acontece por um ato de sacrifício (ele se joga pra tentar salvar o amigo). E daí, além de comemorar o feito de maneira tola, o Gancho manda ele parar de se gabar (o tipo de toque que mancha o momento e impede que surja qualquer senso de encantamento).
- Toda essa sequência no reino das fadas é pavorosa. O diretor não é bom de 3D e fica fazendo cortes rápidos e movimentos bruscos de câmera. E há tanta fantasia que se torna enjoativo. 1 coisa voar num contexto onde mais nada voa é algo mágico. Mas se estamos numa ilha flutuante, dentro de um navio flutuante, com um garoto flutuando rodeado de fadas flutuantes, o surpreendente acaba sendo que algumas coisas não estejam flutuando.
- Final ruim: as fadas formando a figura da mãe (agora há espíritos no filme?), o romance entre a Rooney Mara e o Gancho não empolga...
CONCLUSÃO: Joe Wright (de Orgulho e Preconceito e Anna Karenina) não é a pessoa certa pra criar entretenimento familiar.
(Pan / EUA, Reino Unido, Austrália / 2015 / Joe Wright)
FILMES PARECIDOS: John Carter: Entre Dois Mundos / Alice no País das Maravilhas (2010) / A Bússola de Ouro / Piratas do Caribe: No Fim do Mundo
NOTA: 3.5
- Não gosto do visual plastificado, super-manipulado, azulado - parece que estamos vendo o filme no fundo do mar. Até a parte "real" do filme que se passa no orfanato parece um sonho.
- Peter não é muito carismático e se comporta como um garoto ordinário, não como alguém admirável.
- A ida pra Terra do Nunca é frustrante e não cria nenhum senso de magia (nunca dê pra um britânico fazer o serviço de um americano!). Quando eles chegam lá, o lugar é feio, cheio de personagens asquerosos, as pessoas cantam a música do Nirvana - isso tudo é pra destruir a inocência associada à história do Peter Pan (me lembra daquela terrível abertura das olimpíadas de Londres, onde eles tentavam misturar espetáculo e otimismo com músicas do Beatles e do David Bowie).
- Meta de Peter é encontrar a mãe, mas isso não é muito envolvente pra plateia, já que nem ela nem Peter a conhecem.
- Peter não tem uma amizade atraente com o Gancho, nem com a personagem da Rooney Mara. As relações são chatas ("realistas"), baseadas em conflito e rivalidade.
- O casting me parece errado. Peter é apenas profissional e a Rooney Mara ficaria muito melhor se tivesse uma atitude positiva, e não essa cara antipática de semi-vilã o filme inteiro.
- SPOILER: A mãe está morta? A grande meta do protagonista?
- SPOILER: O grande momento do voo de Peter acontece por um ato de sacrifício (ele se joga pra tentar salvar o amigo). E daí, além de comemorar o feito de maneira tola, o Gancho manda ele parar de se gabar (o tipo de toque que mancha o momento e impede que surja qualquer senso de encantamento).
- Toda essa sequência no reino das fadas é pavorosa. O diretor não é bom de 3D e fica fazendo cortes rápidos e movimentos bruscos de câmera. E há tanta fantasia que se torna enjoativo. 1 coisa voar num contexto onde mais nada voa é algo mágico. Mas se estamos numa ilha flutuante, dentro de um navio flutuante, com um garoto flutuando rodeado de fadas flutuantes, o surpreendente acaba sendo que algumas coisas não estejam flutuando.
- Final ruim: as fadas formando a figura da mãe (agora há espíritos no filme?), o romance entre a Rooney Mara e o Gancho não empolga...
CONCLUSÃO: Joe Wright (de Orgulho e Preconceito e Anna Karenina) não é a pessoa certa pra criar entretenimento familiar.
(Pan / EUA, Reino Unido, Austrália / 2015 / Joe Wright)
FILMES PARECIDOS: John Carter: Entre Dois Mundos / Alice no País das Maravilhas (2010) / A Bússola de Ouro / Piratas do Caribe: No Fim do Mundo
NOTA: 3.5
Arte e Traição Moral
Um dos textos mais interessantes da Ayn Rand sobre arte na minha opinião (retirado do livro The Romantic Manifesto), que fala sobre a função da arte na formação dos nossos valores morais.
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Arte e Traição Moral (Ayn Rand, 1965)
Quando eu vi o Sr. X pela primeira vez, pensei que ele tinha o rosto mais trágico que eu já tinha visto: não era a marca deixada por alguma tragédia específica, não o olhar de uma grande tristeza, mas um olhar desolado de desespero, de fadiga e resignação que parecia ter sido deixado pela dor crônica de muitas vidas. Ele tinha vinte e seis anos de idade.
Ele tinha uma mente brilhante, um ótimo histórico escolar na área de engenharia, um começo promissor em sua carreira - e nenhuma energia pra ir adiante. Ele estava paralisado por um estado de dúvida tão extremo que qualquer tipo de decisão o enchia de ansiedade - até mesmo a questão de se mudar de um apartamento inconveniente. Ele estava estagnado em um trabalho que tinha se tornado pequeno para ele e se transformado numa rotina chata e sem inspiração. Ele estava tão solitário que ele tinha perdido a capacidade de perceber isto, ele não tinha nenhum conceito de amizade, e suas poucas tentativas em relacionamentos amorosos tinham terminado desastrosamente - ele não sabia dizer por que.
Na época em que o conheci, ele estava fazendo terapia, lutando para descobrir as causa de seu estado. Não parecia haver uma causa existencial para ele. Sua infância não tinha sido feliz, mas não pior e, em alguns aspectos, até melhor que a da média. Não haviam eventos traumáticos em seu passado, grandes choques, decepções ou frustrações. Ainda assim sua impessoalidade congelada sugeria um homem que não sentia nem desejava mais nada. Ele era como um monte de cinzas que nunca haviam estado em chamas.
Discutindo sua infância, eu perguntei a ele uma vez com o que ele já tinha estado apaixonado (o que, não quem). "Nada", ele respondeu - depois mencionou um brinquedo que tinha sido seu favorito. Numa outra ocasião, eu mencionei um evento político atual de uma irracionalidade e injustiça chocantes, que ele admitiu ser mau com indiferença. Eu perguntei se aquilo o deixava indignado. "Você não entende," ele respondeu suavemente. "Eu nunca fico indignado com nada."
Ele tinha algumas convicções filosóficas equivocadas (por influência de um curso em filosofia contemporânea), mas seus objetivos intelectuais pareciam uma luta confusa na direção certa, e eu não conseguia descobrir nenhum pecado ideológico maior, nenhum crime proporcional à punição que ele estava sofrendo.
Daí, um dia, quase que como um comentário casual sobre o papel dos ideais humanos na arte, ele me contou a seguinte história. Alguns anos antes, ele tinha visto um filme semi-Romântico e tinha sentido uma emoção que ele não podia descrever, particularmente em relação ao personagem de um industrial que era movido por uma visão apaixonada, intransigente e dedicada de seu trabalho. Sr. X estava falando de forma incoerente, mas transmitindo com clareza que o que ele tinha vivenciado era mais do que admiração por um personagem em particular: foi a sensação de ver um tipo diferente de universo - e sua emoção tinha sido a de exaltação. "Era o que eu queria que fosse a vida," ele disse. Seus olhos brilhavam, sua voz estava ansiosa, seu rosto estava vivo e jovem - ele era um homem apaixonado, pela duração daquele momento. Daí, o cinza inanimado voltou e ele concluiu num tom de voz monótono, com um traço de saudosismo torturado: "Quando eu saí do cinema, eu me senti culpado por ter sentido isso." "Culpado? Por que?" Eu perguntei. Ele respondeu: "Porque eu pensei que o que me fazia reagir dessa forma ao industrial, é a parte em mim que está errada... É o elemento impraticável em mim... A vida não é assim..."
O que eu senti foi um arrepio gelado. Qualquer que fosse a raiz do seu problema, essa era a chave; era o sintoma não de amoralidade, mas de uma profunda traição moral. Pra que e para quem um homem pode estar disposto a pedir perdão pelo que há de melhor nele? E o que ele pode esperar da vida depois disso?
(No fim, o que salvou o Sr. X foi seu compromisso com a razão; ele manteve a razão como um absoluto, mesmo que ele não soubesse seu total significado e aplicação; um absoluto que sobreviveu pelos períodos mais difíceis que ele teve que enfrentar em sua luta pra recuperar sua saúde psicológica - pra reparar e liberar a alma que ele passou a vida negando. Por causa de sua perseverança determinada, ele venceu sua batalha. Hoje - depois de ter largado seu trabalho e tomado uma série de riscos calculados - ele é um sucesso brilhante, numa carreira que ele ama, e no caminho para conquistas cada vez maiores. Ele ainda luta com alguns resquícios dos seus erros do passado. Mas, como uma medida de sua recuperação e da distância que ele caminhou, eu sugiro que você releia meu parágrafo de abertura antes de eu dizer que vi uma foto recente dele que o pegou sorrindo, e de todos os personagens de A Revolta de Atlas, o que a qualidade daquele sorriso se adequaria mais seria Francisco d'Anconia.)
Há inúmeros casos como esse - esse foi apenas o mais obviamente dramático na minha experiência, e envolvia um homem de uma estatura incomum. Mas a mesma tragédia se repete ao nosso redor, de várias maneiras escondidas e variadas - como uma câmara de tortura nas almas dos homens, da qual um choro irreconhecível nos alcança de vez em quando e logo é silenciado. A pessoa, nesses casos, é tanto "homem, a vítima" quanto "homem, o matador." E alguns princípios se aplicam a todas elas.
O homem é um ser que constrói a própria alma - ou seja, que seu caráter é formado por suas premissas básicas, particularmente por seus valores. Nos anos cruciais e formativos de sua vida - na infância e adolescência - a arte Romântica é sua principal (e hoje em dia, sua única) fonte de um senso de vida moral. (Em anos posteriores, arte Romântica frequentemente é sua única experiência dele.)
Por favor, notem que arte não é sua única fonte de moralidade, mas de um senso de vida moral.
Um "senso de vida" é um equivalente pré-conceitual de metafísica, uma avaliação emocional do homem e da existência integrada de maneira subconsciente. Moralidade é um código abstrato e conceitual de valores e princípios.
O processo de desenvolvimento de uma criança consiste de adquirir conhecimento, o que requer o desenvolvimento de sua capacidade de compreender e lidar com níveis cada vez maiores de abstrações. Isso envolve o crescimento de duas correntes relacionadas mas diferentes de abstrações: as cognitivas e as normativas. A primeira lida com o conhecimento dos fatos da realidade - a segunda, com a avaliação desses fatos. A primeira forma a fundação epistemológica da ciência - a segunda, da moralidade e da arte.
Na cultura de hoje, o desenvolvimento das abstrações cognitivas de uma criança são assistidas até certo ponto, mesmo que inadequadamente, com muitos obstáculos (por conta de influências e doutrinas anti-racionais que estão cada vez piores). Mas o desenvolvimento das abstrações normativas de uma criança não apenas é deixado sem auxílio, como é sufocado e destruído. A criança cuja capacidade de valorizar sobrevive ao barbarismo moral de sua educação tem que achar seu próprio caminho para preservar e desenvolver seu senso de valores.
Além de todos os seus outros males, a moralidade convencional não está preocupada com a formação do caráter de uma criança. Ela não ensina ou mostra que tipo de homem ela deve ser e por que; ela está preocupada apenas em impor uma série de regras sobre ela - regras concretas, arbitrárias, contraditórias e frequentemente incompreensíveis, que são predominantemente proibições e deveres. Uma criança cuja única noção de moralidade (de valores) consiste de coisas como: "Lave suas orelhas!" - "Não seja rude com a tia Rosalie!" - "Faça sua lição de casa!" - "Ajude o papai a cortar a grama (ou a mamãe a lavar a louça)!" - encara as seguintes alternativas: ou uma resignação amoral passiva, levando a um futuro de cinismo sem esperança, ou uma rebeldia cega. Observe que quanto mais independente e inteligente é uma criança, mais indisciplinada ela é no que diz respeito a essas ordens. Mas, de qualquer forma, a criança cresce com nada além de ressentimento e medo ou desprezo pelo conceito de moralidade que, pra ela, é apenas "um espantalho feito de deveres, de tédio, de punição, de dor... um espantalho em um campo árido, balançando uma vara pra espantar os seus prazeres..." (A Revolta de Atlas).
Esse tipo de educação é a melhor, não a pior, que uma criança normal é submetida na cultura de hoje. Se os pais tentam inculcar um padrão moral do tipo contido em advertências como: "Não seja egoísta - dê seus melhores brinquedos pra criança da casa ao lado!" ou se os pais viram "progressistas" e ensinam a criança a ser guiada por seus impulsos - o dano para pro caráter moral da criança pode ser irreparável.
Onde, então, uma criança poderá aprender o conceito de valores morais e de um caráter moral, na imagem do qual ela irá moldar sua alma? Onde ela pode encontrar o exemplo, o material do qual ela desenvolverá uma cadeia de abstrações normativas? Ela não encontrará nem uma pista nos exemplos caóticos, desconcertantes e contraditórios oferecidos pelos adultos no seu dia a dia. Ela pode gostar de alguns adultos e desgostar de outros (e, frequentemente, desgostar de todos), mas abstrair, identificar e julgar suas características morais é uma tarefa que está além de sua capacidade. E os princípios morais que ela pode ser ensinada a recitar são, pra ela, abstrações flutuantes sem nenhuma conexão com a realidade.
A maior fonte e demonstração de valores morais disponível para uma criança é a arte Romântica (particularmente a literatura Romântica). O que a arte Romântica oferece para ela não são regras morais, não são uma mensagem didática explícita, mas a imagem de uma pessoa moral - a abstração concretizada de um ideal de moralidade. Ela oferece uma resposta concreta e diretamente compreensível para a pergunta abstrata que a criança sente, mas não consegue ainda conceituar: Que tipo de pessoa é moral e que tipo de vida ela vive?
Não são princípios abstratos que uma criança aprende da arte Romântica, mas a pré-condição e o incentivo para mais tarde entender tais princípios: a experiência emocional de admiração pelo potencial mais elevado do homem, a experiência de admirar um herói - uma visão de vida dominada e motivada por valores, uma vida onde as escolhas do homem são praticáveis, eficazes e crucialmente importantes - isto é, um senso de vida moral.
Enquanto o ambiente de sua casa o ensinou a associar moralidade com dor, a arte Romântica lhe ensina a associá-la com prazer - um prazer inspirador que é uma descoberta sua e profundamente pessoal.
A tradução deste senso de vida para termos conceituais adultos iria, se não fosse impedida, acompanhar a expansão do conhecimento da criança - e os dois elementos básicos de sua alma, o cognitivo e o normativo, iriam desenvolver-se juntos de maneira integrada e harmoniosa. O ideal que, aos sete anos de idade, era personificado por um cowboy, poderá se tornar um detetive aos doze, e um filósofo aos vinte - conforme os interesses da criança progredissem de histórias em quadrinhos para mistérios para o universo ensolarado da literatura, arte e música Românticas.
Mas qualquer que seja a sua idade, moralidade é uma ciência normativa - uma ciência que projeta valores a serem conquistados por uma série de passos, de escolhas - e ela não pode ser praticada sem uma visão nítida do objetivo, sem uma imagem concretizada do ideal a ser atingido. Se o homem deve ganhar e manter uma estatura moral, ele precisa de uma imagem do ideal, desde o primeiro dia pensante de sua vida até o último.
Na tradução deste ideal para termos filosóficos conscientes e para sua real prática, uma criança precisa de assistência intelectual ou, pelo menos, de uma chance de encontrar seu próprio caminho. Na cultura atual, ela não recebe nenhuma das duas coisas. Os ataques que seu precário, imaturo, recém-visualizado senso de vida moral recebe de pais, professores, "autoridades" adultas e bullies de sua própria geração são tão intensos e perversos que apenas o herói mais resistente pode suportá-los - tão perversos que de todos os pecados cometidos pelos adultos contra as crianças, este é aquele pelo qual eles mereceriam queimar no inferno, se tal lugar existisse.
Todo tipo de punição - de proibição, a ameaças, a raiva, a condenações até a indiferença e zombaria - é solta contra a criança aos primeiros sinais de seu Romantismo (o que significa: aos primeiros sinais de seu senso de vida moral emergente). "A vida não é assim!" e "Desça das nuvens!" são as frases feitas que melhor resumem as motivações dos agressores, além da visão de vida e de mundo que eles desejam inculcar.
A criança que resiste e condena os agressores - não ela própria e seus valores - é uma rara exceção. A criança que apenas suprime seus valores, evita comunicação e se recolhe num universo solitário e privado, é quase tão rara. Na maioria dos casos, a criança reprime seus valores e desiste. Ela desiste de toda a esfera de valorização, de escolhas e julgamentos de valores, sem perceber que o que ela está renunciando é à moralidade.
A renúncia acontece por um processo longo, quase imperceptível, uma pressão constante que a criança absorve e vai aceitando aos poucos. Seu espírito não se quebra em um golpe repentino; ele é sangrado até a morte através de milhares de pequenos arranhões.
A parte mais devastadora deste processo é que o senso moral de uma criança é destruído, não apenas através das fraquezas e falhas que ela possa ter desenvolvido, mas através de suas recém formadas virtudes. Uma criança inteligente tem consciência de que ela não sabe como é a vida adulta, que ela tem muita coisa pra aprender e está ansiosa para aprendê-lo. Uma criança ambiciosa é incoerentemente determinada a fazer algo importante dela própria e de sua vida. Então quando ela escuta ameaças como "Espere até você crescer!" e "Você nunca irá a lugar nenhum com essas noções infantis!" são suas virtudes que se voltam contra ela: sua inteligência, sua ambição e qualquer que seja o respeito que ela sinta pelo conhecimento e julgamento dos mais velhos.
Então a fundação de uma dicotomia letal é plantada em sua consciência: o moral versus o prático, com a implicação de que a praticidade exige a traição de seus valores, a renúncia de seus ideais.
Sua racionalidade é colocada contra ela através de uma dicotomia parecida: razão versus emoção. Seu senso de vida Romântico é apenas uma sensação, uma emoção incoerente que ela não pode comunicar, explicar nem defender. É uma emoção intensa, porém frágil, terrivelmente vulnerável a qualquer alegação sarcástica, já que ela não pode identificar seu real significado.
É fácil convencer uma criança, e especialmente um adolescente, que seu desejo de ser o Buck Rogers é ridículo: ele sabe que não é exatamente o Buck Rogers que ele tem em mente e, ao mesmo tempo, é - ele se sente preso em uma contradição - e isso confirma seu sentimento constrangedor de que ele está sendo ridículo.
Então os adultos - cuja principal obrigação moral para com uma criança, nesse estágio de seu desenvolvimento, é ajudá-la a entender que o que ela ama é uma abstração, ajudá-la a entrar na esfera conceitual - atingem o exato o oposto. Eles paralisam sua capacidade conceitual, eles atrofiam suas abstrações normativas, eles sufocam sua ambição moral: seu desejo por virtude, sua autoestima. Eles paralisam o desenvolvimento de seus valores num nível primitivo, literal: eles a convencem que ser como Buck Rogers significa usar um capacete espacial e destruir exércitos de marcianos com uma arma desintegradora, e que é melhor ela abandonar essas ideias se ela pretende ter uma vida respeitável. E eles a derrotam com pérolas de argumentação como: "Buck Rogers - haha! - ele nunca fica gripado. Você conhece alguma pessoa real que nunca pega uma gripe? Bem, você teve uma semana passada. Então não fique pensando que você é melhor que o resto de nós!"
A motivação deles é óbvia. Se eles realmente considerassem o Romantismo uma "fantasia impraticável", eles não sentiriam nada além de um divertimento amigável ou indiferente - não o ressentimento intenso ou a raiva incontrolável que eles de fato sentem e demonstram.
Enquanto a criança é levada a temer, desconfiar e reprimir suas emoções, ela não pode deixar de observar a violência histérica das emoções dos adultos direcionadas contra ela nesse e em outros assuntos. Ela conclui, subconscientemente, que todas as emoções como essas são perigosas, que elas são elementos irracionais e destrutivos nas pessoas, que podem cair sobre ela a qualquer momento de uma maneira terrível por algum motivo incompreensível. Esse é o penúltimo tijolo no muro de repressão que ela ergue pra enterrar suas próprias emoções. O último é um orgulho desorientado e guiado a uma decisão como: "Eu nunca deixarei que eles me machuquem novamente!" E a maneira de não ser machucada, ela decide, é nunca sentindo nada.
Mas uma repressão emocional não pode ser completa; quando todas as outras emoções são sufocadas, uma passa a dominar: medo.
O elemento de medo estava envolvido no processo de destruição moral da criança desde o início. Suas virtudes vitimizadas não foram o único motivo; suas falhas contribuíram também: medo dos outros, especialmente dos adultos, medo da independência, da responsabilidade, da solidão - assim como insegurança e o desejo de ser aceito, de "pertencer". Mas é o envolvimento de suas virtudes que torna sua posição tão trágica e, mais tarde, tão difícil de corrigir.
Conforme ela cresce, sua amoralidade é reforçada e reafirmada. Sua inteligência impede que ela aceite as escolas atuais de moralidade: a mística, a social ou a subjetiva. Uma mente jovem e ansiosa, buscando a orientação da razão, não consegue levar a sério o sobrenatural e é impermeável ao misticismo. E não leva muito tempo até ela perceber as contradições e a hipocrisia humilhante da escola social de moralidade. Mas a pior influência de todas, para ela, é a escola subjetiva.
Ela é muito inteligente e honrada (de sua maneira distorcida) pra não saber que o subjetivo significa o arbitrário, o irracional, o cegamente emocional. Estes são os elementos que ela passou a associar às atitudes das pessoas em questões morais, e a ter pavor. Quando a filosofia formal lhe diz que a moralidade, por sua própria natureza, é fechada para a razão e não pode ser mais do que uma questão de escolha subjetiva, este é o beijo da morte em seu desenvolvimento moral. Suas convicções conscientes agora se unem ao seu sentimento subconsciente de que escolhas de valores vêm do elemento irracional das pessoas e são um inimigo perigoso, incompreensível e imprevisível. Sua decisão consciente é: não se envolver em questões morais; seu significado subconsciente é: não valorizar nada (ou pior: não valorizar nada demasiadamente, não ter nenhum valor imprescindível e insubstituível).
Disso para a política de um covarde moral, existencialmente, e para um terrível senso de culpa, psicologicamente, não é um passo muito distante para um homem inteligente. O resultado é um homem tal qual o que eu descrevi.
É preciso der dito, para o seu crédito, que ele não foi capaz de se "ajustar" às suas contradições internas - e que foi precisamente seu sucesso profissional inicial que o quebrou psicologicamente: isso expôs o seu vazio de valores, sua falta de propósito pessoal e, portanto, a futilidade de seu trabalho.
Ele sabia - embora não em termos totalmente conscientes - que ele estava atingindo o oposto de seus objetivos originais. Em vez de levar uma vida racional (motivada e orientada pela razão), ele estava gradualmente se tornando um subjetivista temperamental, guiado por impulsos, pelo calor do momento, particularmente em seus relacionamentos pessoais - por causa da ausência de valores firmemente definidos. Em vez de buscar independência da irracionalidade dos outros, ele estava sendo forçado a se tornar alguém de segunda-mão ou a algum comportamento equivalente, à dependência cega do sistema de valores dos outros, a um estado desprezível de conformismo. Em vez de prazer, a visão de qualquer valor elevado ou experiência mais nobre lhe trazia dor, culpa, terror - e o levava não a querer conquistá-la ou lutar por ela, mas a evitá-la, a evadir e a fugir dela (ou se desculpar por ela) para se conciliar com os padrões dos homens convencionais que ele desprezava. Em vez de "homem, a vítima" como ele fora predominantemente, ele estava se tornando "homem, o matador."
A evidência mais clara disso foi fornecida por sua atitude em relação à arte Romântica. A traição de um homem aos seus valores artísticos não são a causa primária de sua neurose (é uma causa contributiva), mas ela se torna um de seus sintomas mais reveladores.
Isso é importante principalmente para o homem que deseja resolver seus problemas psicológicos. O caos de seus valores e relacionamentos pessoais pode, num primeiro momento, ser complexo demais pra ele resolver. Mas a arte Romântica lhe oferece uma abstração clara, luminosa e impessoal - e portanto um teste claro e objetivo de seu estado interno, uma pista disponível para sua mente consciente.
Se ele encontra-se temendo, evadindo e negando a experiência mais elevada disponível para o homem, um estado de exaltação plena, ele pode ter certeza que está em apuros e que suas únicas alternativas são: ou checar seus valores desde o começo, desde a figura reprimida, esquecida e traída de seu Buck Rogers particular, e dolorosamente reconstruir sua cadeia de abstrações normativas - ou se tornar por completo o tipo de monstro que ele é naqueles momentos quando, com uma risadinha sarcástica, ele diz a um idiota qualquer que a exaltação é impraticável.
Assim como a arte Romântica é a primeira visão do homem de um senso de vida moral, ela é também sua última maneira de se agarrar a ela, o seu último colete salva-vidas.
A arte Romântica é o combustível e a vela de ignição da alma de um homem; sua função é atear uma alma em fogo e nunca deixá-lo apagar. A tarefa de dar a este fogo um motor e uma direção pertence à filosofia.
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Arte e Traição Moral (Ayn Rand, 1965)
Quando eu vi o Sr. X pela primeira vez, pensei que ele tinha o rosto mais trágico que eu já tinha visto: não era a marca deixada por alguma tragédia específica, não o olhar de uma grande tristeza, mas um olhar desolado de desespero, de fadiga e resignação que parecia ter sido deixado pela dor crônica de muitas vidas. Ele tinha vinte e seis anos de idade.
Ele tinha uma mente brilhante, um ótimo histórico escolar na área de engenharia, um começo promissor em sua carreira - e nenhuma energia pra ir adiante. Ele estava paralisado por um estado de dúvida tão extremo que qualquer tipo de decisão o enchia de ansiedade - até mesmo a questão de se mudar de um apartamento inconveniente. Ele estava estagnado em um trabalho que tinha se tornado pequeno para ele e se transformado numa rotina chata e sem inspiração. Ele estava tão solitário que ele tinha perdido a capacidade de perceber isto, ele não tinha nenhum conceito de amizade, e suas poucas tentativas em relacionamentos amorosos tinham terminado desastrosamente - ele não sabia dizer por que.
Na época em que o conheci, ele estava fazendo terapia, lutando para descobrir as causa de seu estado. Não parecia haver uma causa existencial para ele. Sua infância não tinha sido feliz, mas não pior e, em alguns aspectos, até melhor que a da média. Não haviam eventos traumáticos em seu passado, grandes choques, decepções ou frustrações. Ainda assim sua impessoalidade congelada sugeria um homem que não sentia nem desejava mais nada. Ele era como um monte de cinzas que nunca haviam estado em chamas.
Discutindo sua infância, eu perguntei a ele uma vez com o que ele já tinha estado apaixonado (o que, não quem). "Nada", ele respondeu - depois mencionou um brinquedo que tinha sido seu favorito. Numa outra ocasião, eu mencionei um evento político atual de uma irracionalidade e injustiça chocantes, que ele admitiu ser mau com indiferença. Eu perguntei se aquilo o deixava indignado. "Você não entende," ele respondeu suavemente. "Eu nunca fico indignado com nada."
Ele tinha algumas convicções filosóficas equivocadas (por influência de um curso em filosofia contemporânea), mas seus objetivos intelectuais pareciam uma luta confusa na direção certa, e eu não conseguia descobrir nenhum pecado ideológico maior, nenhum crime proporcional à punição que ele estava sofrendo.
Daí, um dia, quase que como um comentário casual sobre o papel dos ideais humanos na arte, ele me contou a seguinte história. Alguns anos antes, ele tinha visto um filme semi-Romântico e tinha sentido uma emoção que ele não podia descrever, particularmente em relação ao personagem de um industrial que era movido por uma visão apaixonada, intransigente e dedicada de seu trabalho. Sr. X estava falando de forma incoerente, mas transmitindo com clareza que o que ele tinha vivenciado era mais do que admiração por um personagem em particular: foi a sensação de ver um tipo diferente de universo - e sua emoção tinha sido a de exaltação. "Era o que eu queria que fosse a vida," ele disse. Seus olhos brilhavam, sua voz estava ansiosa, seu rosto estava vivo e jovem - ele era um homem apaixonado, pela duração daquele momento. Daí, o cinza inanimado voltou e ele concluiu num tom de voz monótono, com um traço de saudosismo torturado: "Quando eu saí do cinema, eu me senti culpado por ter sentido isso." "Culpado? Por que?" Eu perguntei. Ele respondeu: "Porque eu pensei que o que me fazia reagir dessa forma ao industrial, é a parte em mim que está errada... É o elemento impraticável em mim... A vida não é assim..."
O que eu senti foi um arrepio gelado. Qualquer que fosse a raiz do seu problema, essa era a chave; era o sintoma não de amoralidade, mas de uma profunda traição moral. Pra que e para quem um homem pode estar disposto a pedir perdão pelo que há de melhor nele? E o que ele pode esperar da vida depois disso?
(No fim, o que salvou o Sr. X foi seu compromisso com a razão; ele manteve a razão como um absoluto, mesmo que ele não soubesse seu total significado e aplicação; um absoluto que sobreviveu pelos períodos mais difíceis que ele teve que enfrentar em sua luta pra recuperar sua saúde psicológica - pra reparar e liberar a alma que ele passou a vida negando. Por causa de sua perseverança determinada, ele venceu sua batalha. Hoje - depois de ter largado seu trabalho e tomado uma série de riscos calculados - ele é um sucesso brilhante, numa carreira que ele ama, e no caminho para conquistas cada vez maiores. Ele ainda luta com alguns resquícios dos seus erros do passado. Mas, como uma medida de sua recuperação e da distância que ele caminhou, eu sugiro que você releia meu parágrafo de abertura antes de eu dizer que vi uma foto recente dele que o pegou sorrindo, e de todos os personagens de A Revolta de Atlas, o que a qualidade daquele sorriso se adequaria mais seria Francisco d'Anconia.)
Há inúmeros casos como esse - esse foi apenas o mais obviamente dramático na minha experiência, e envolvia um homem de uma estatura incomum. Mas a mesma tragédia se repete ao nosso redor, de várias maneiras escondidas e variadas - como uma câmara de tortura nas almas dos homens, da qual um choro irreconhecível nos alcança de vez em quando e logo é silenciado. A pessoa, nesses casos, é tanto "homem, a vítima" quanto "homem, o matador." E alguns princípios se aplicam a todas elas.
O homem é um ser que constrói a própria alma - ou seja, que seu caráter é formado por suas premissas básicas, particularmente por seus valores. Nos anos cruciais e formativos de sua vida - na infância e adolescência - a arte Romântica é sua principal (e hoje em dia, sua única) fonte de um senso de vida moral. (Em anos posteriores, arte Romântica frequentemente é sua única experiência dele.)
Por favor, notem que arte não é sua única fonte de moralidade, mas de um senso de vida moral.
Um "senso de vida" é um equivalente pré-conceitual de metafísica, uma avaliação emocional do homem e da existência integrada de maneira subconsciente. Moralidade é um código abstrato e conceitual de valores e princípios.
O processo de desenvolvimento de uma criança consiste de adquirir conhecimento, o que requer o desenvolvimento de sua capacidade de compreender e lidar com níveis cada vez maiores de abstrações. Isso envolve o crescimento de duas correntes relacionadas mas diferentes de abstrações: as cognitivas e as normativas. A primeira lida com o conhecimento dos fatos da realidade - a segunda, com a avaliação desses fatos. A primeira forma a fundação epistemológica da ciência - a segunda, da moralidade e da arte.
Na cultura de hoje, o desenvolvimento das abstrações cognitivas de uma criança são assistidas até certo ponto, mesmo que inadequadamente, com muitos obstáculos (por conta de influências e doutrinas anti-racionais que estão cada vez piores). Mas o desenvolvimento das abstrações normativas de uma criança não apenas é deixado sem auxílio, como é sufocado e destruído. A criança cuja capacidade de valorizar sobrevive ao barbarismo moral de sua educação tem que achar seu próprio caminho para preservar e desenvolver seu senso de valores.
Além de todos os seus outros males, a moralidade convencional não está preocupada com a formação do caráter de uma criança. Ela não ensina ou mostra que tipo de homem ela deve ser e por que; ela está preocupada apenas em impor uma série de regras sobre ela - regras concretas, arbitrárias, contraditórias e frequentemente incompreensíveis, que são predominantemente proibições e deveres. Uma criança cuja única noção de moralidade (de valores) consiste de coisas como: "Lave suas orelhas!" - "Não seja rude com a tia Rosalie!" - "Faça sua lição de casa!" - "Ajude o papai a cortar a grama (ou a mamãe a lavar a louça)!" - encara as seguintes alternativas: ou uma resignação amoral passiva, levando a um futuro de cinismo sem esperança, ou uma rebeldia cega. Observe que quanto mais independente e inteligente é uma criança, mais indisciplinada ela é no que diz respeito a essas ordens. Mas, de qualquer forma, a criança cresce com nada além de ressentimento e medo ou desprezo pelo conceito de moralidade que, pra ela, é apenas "um espantalho feito de deveres, de tédio, de punição, de dor... um espantalho em um campo árido, balançando uma vara pra espantar os seus prazeres..." (A Revolta de Atlas).
Esse tipo de educação é a melhor, não a pior, que uma criança normal é submetida na cultura de hoje. Se os pais tentam inculcar um padrão moral do tipo contido em advertências como: "Não seja egoísta - dê seus melhores brinquedos pra criança da casa ao lado!" ou se os pais viram "progressistas" e ensinam a criança a ser guiada por seus impulsos - o dano para pro caráter moral da criança pode ser irreparável.
Onde, então, uma criança poderá aprender o conceito de valores morais e de um caráter moral, na imagem do qual ela irá moldar sua alma? Onde ela pode encontrar o exemplo, o material do qual ela desenvolverá uma cadeia de abstrações normativas? Ela não encontrará nem uma pista nos exemplos caóticos, desconcertantes e contraditórios oferecidos pelos adultos no seu dia a dia. Ela pode gostar de alguns adultos e desgostar de outros (e, frequentemente, desgostar de todos), mas abstrair, identificar e julgar suas características morais é uma tarefa que está além de sua capacidade. E os princípios morais que ela pode ser ensinada a recitar são, pra ela, abstrações flutuantes sem nenhuma conexão com a realidade.
A maior fonte e demonstração de valores morais disponível para uma criança é a arte Romântica (particularmente a literatura Romântica). O que a arte Romântica oferece para ela não são regras morais, não são uma mensagem didática explícita, mas a imagem de uma pessoa moral - a abstração concretizada de um ideal de moralidade. Ela oferece uma resposta concreta e diretamente compreensível para a pergunta abstrata que a criança sente, mas não consegue ainda conceituar: Que tipo de pessoa é moral e que tipo de vida ela vive?
Não são princípios abstratos que uma criança aprende da arte Romântica, mas a pré-condição e o incentivo para mais tarde entender tais princípios: a experiência emocional de admiração pelo potencial mais elevado do homem, a experiência de admirar um herói - uma visão de vida dominada e motivada por valores, uma vida onde as escolhas do homem são praticáveis, eficazes e crucialmente importantes - isto é, um senso de vida moral.
Enquanto o ambiente de sua casa o ensinou a associar moralidade com dor, a arte Romântica lhe ensina a associá-la com prazer - um prazer inspirador que é uma descoberta sua e profundamente pessoal.
A tradução deste senso de vida para termos conceituais adultos iria, se não fosse impedida, acompanhar a expansão do conhecimento da criança - e os dois elementos básicos de sua alma, o cognitivo e o normativo, iriam desenvolver-se juntos de maneira integrada e harmoniosa. O ideal que, aos sete anos de idade, era personificado por um cowboy, poderá se tornar um detetive aos doze, e um filósofo aos vinte - conforme os interesses da criança progredissem de histórias em quadrinhos para mistérios para o universo ensolarado da literatura, arte e música Românticas.
Mas qualquer que seja a sua idade, moralidade é uma ciência normativa - uma ciência que projeta valores a serem conquistados por uma série de passos, de escolhas - e ela não pode ser praticada sem uma visão nítida do objetivo, sem uma imagem concretizada do ideal a ser atingido. Se o homem deve ganhar e manter uma estatura moral, ele precisa de uma imagem do ideal, desde o primeiro dia pensante de sua vida até o último.
Na tradução deste ideal para termos filosóficos conscientes e para sua real prática, uma criança precisa de assistência intelectual ou, pelo menos, de uma chance de encontrar seu próprio caminho. Na cultura atual, ela não recebe nenhuma das duas coisas. Os ataques que seu precário, imaturo, recém-visualizado senso de vida moral recebe de pais, professores, "autoridades" adultas e bullies de sua própria geração são tão intensos e perversos que apenas o herói mais resistente pode suportá-los - tão perversos que de todos os pecados cometidos pelos adultos contra as crianças, este é aquele pelo qual eles mereceriam queimar no inferno, se tal lugar existisse.
Todo tipo de punição - de proibição, a ameaças, a raiva, a condenações até a indiferença e zombaria - é solta contra a criança aos primeiros sinais de seu Romantismo (o que significa: aos primeiros sinais de seu senso de vida moral emergente). "A vida não é assim!" e "Desça das nuvens!" são as frases feitas que melhor resumem as motivações dos agressores, além da visão de vida e de mundo que eles desejam inculcar.
A criança que resiste e condena os agressores - não ela própria e seus valores - é uma rara exceção. A criança que apenas suprime seus valores, evita comunicação e se recolhe num universo solitário e privado, é quase tão rara. Na maioria dos casos, a criança reprime seus valores e desiste. Ela desiste de toda a esfera de valorização, de escolhas e julgamentos de valores, sem perceber que o que ela está renunciando é à moralidade.
A renúncia acontece por um processo longo, quase imperceptível, uma pressão constante que a criança absorve e vai aceitando aos poucos. Seu espírito não se quebra em um golpe repentino; ele é sangrado até a morte através de milhares de pequenos arranhões.
A parte mais devastadora deste processo é que o senso moral de uma criança é destruído, não apenas através das fraquezas e falhas que ela possa ter desenvolvido, mas através de suas recém formadas virtudes. Uma criança inteligente tem consciência de que ela não sabe como é a vida adulta, que ela tem muita coisa pra aprender e está ansiosa para aprendê-lo. Uma criança ambiciosa é incoerentemente determinada a fazer algo importante dela própria e de sua vida. Então quando ela escuta ameaças como "Espere até você crescer!" e "Você nunca irá a lugar nenhum com essas noções infantis!" são suas virtudes que se voltam contra ela: sua inteligência, sua ambição e qualquer que seja o respeito que ela sinta pelo conhecimento e julgamento dos mais velhos.
Então a fundação de uma dicotomia letal é plantada em sua consciência: o moral versus o prático, com a implicação de que a praticidade exige a traição de seus valores, a renúncia de seus ideais.
Sua racionalidade é colocada contra ela através de uma dicotomia parecida: razão versus emoção. Seu senso de vida Romântico é apenas uma sensação, uma emoção incoerente que ela não pode comunicar, explicar nem defender. É uma emoção intensa, porém frágil, terrivelmente vulnerável a qualquer alegação sarcástica, já que ela não pode identificar seu real significado.
É fácil convencer uma criança, e especialmente um adolescente, que seu desejo de ser o Buck Rogers é ridículo: ele sabe que não é exatamente o Buck Rogers que ele tem em mente e, ao mesmo tempo, é - ele se sente preso em uma contradição - e isso confirma seu sentimento constrangedor de que ele está sendo ridículo.
Então os adultos - cuja principal obrigação moral para com uma criança, nesse estágio de seu desenvolvimento, é ajudá-la a entender que o que ela ama é uma abstração, ajudá-la a entrar na esfera conceitual - atingem o exato o oposto. Eles paralisam sua capacidade conceitual, eles atrofiam suas abstrações normativas, eles sufocam sua ambição moral: seu desejo por virtude, sua autoestima. Eles paralisam o desenvolvimento de seus valores num nível primitivo, literal: eles a convencem que ser como Buck Rogers significa usar um capacete espacial e destruir exércitos de marcianos com uma arma desintegradora, e que é melhor ela abandonar essas ideias se ela pretende ter uma vida respeitável. E eles a derrotam com pérolas de argumentação como: "Buck Rogers - haha! - ele nunca fica gripado. Você conhece alguma pessoa real que nunca pega uma gripe? Bem, você teve uma semana passada. Então não fique pensando que você é melhor que o resto de nós!"
A motivação deles é óbvia. Se eles realmente considerassem o Romantismo uma "fantasia impraticável", eles não sentiriam nada além de um divertimento amigável ou indiferente - não o ressentimento intenso ou a raiva incontrolável que eles de fato sentem e demonstram.
Enquanto a criança é levada a temer, desconfiar e reprimir suas emoções, ela não pode deixar de observar a violência histérica das emoções dos adultos direcionadas contra ela nesse e em outros assuntos. Ela conclui, subconscientemente, que todas as emoções como essas são perigosas, que elas são elementos irracionais e destrutivos nas pessoas, que podem cair sobre ela a qualquer momento de uma maneira terrível por algum motivo incompreensível. Esse é o penúltimo tijolo no muro de repressão que ela ergue pra enterrar suas próprias emoções. O último é um orgulho desorientado e guiado a uma decisão como: "Eu nunca deixarei que eles me machuquem novamente!" E a maneira de não ser machucada, ela decide, é nunca sentindo nada.
Mas uma repressão emocional não pode ser completa; quando todas as outras emoções são sufocadas, uma passa a dominar: medo.
O elemento de medo estava envolvido no processo de destruição moral da criança desde o início. Suas virtudes vitimizadas não foram o único motivo; suas falhas contribuíram também: medo dos outros, especialmente dos adultos, medo da independência, da responsabilidade, da solidão - assim como insegurança e o desejo de ser aceito, de "pertencer". Mas é o envolvimento de suas virtudes que torna sua posição tão trágica e, mais tarde, tão difícil de corrigir.
Conforme ela cresce, sua amoralidade é reforçada e reafirmada. Sua inteligência impede que ela aceite as escolas atuais de moralidade: a mística, a social ou a subjetiva. Uma mente jovem e ansiosa, buscando a orientação da razão, não consegue levar a sério o sobrenatural e é impermeável ao misticismo. E não leva muito tempo até ela perceber as contradições e a hipocrisia humilhante da escola social de moralidade. Mas a pior influência de todas, para ela, é a escola subjetiva.
Ela é muito inteligente e honrada (de sua maneira distorcida) pra não saber que o subjetivo significa o arbitrário, o irracional, o cegamente emocional. Estes são os elementos que ela passou a associar às atitudes das pessoas em questões morais, e a ter pavor. Quando a filosofia formal lhe diz que a moralidade, por sua própria natureza, é fechada para a razão e não pode ser mais do que uma questão de escolha subjetiva, este é o beijo da morte em seu desenvolvimento moral. Suas convicções conscientes agora se unem ao seu sentimento subconsciente de que escolhas de valores vêm do elemento irracional das pessoas e são um inimigo perigoso, incompreensível e imprevisível. Sua decisão consciente é: não se envolver em questões morais; seu significado subconsciente é: não valorizar nada (ou pior: não valorizar nada demasiadamente, não ter nenhum valor imprescindível e insubstituível).
Disso para a política de um covarde moral, existencialmente, e para um terrível senso de culpa, psicologicamente, não é um passo muito distante para um homem inteligente. O resultado é um homem tal qual o que eu descrevi.
É preciso der dito, para o seu crédito, que ele não foi capaz de se "ajustar" às suas contradições internas - e que foi precisamente seu sucesso profissional inicial que o quebrou psicologicamente: isso expôs o seu vazio de valores, sua falta de propósito pessoal e, portanto, a futilidade de seu trabalho.
Ele sabia - embora não em termos totalmente conscientes - que ele estava atingindo o oposto de seus objetivos originais. Em vez de levar uma vida racional (motivada e orientada pela razão), ele estava gradualmente se tornando um subjetivista temperamental, guiado por impulsos, pelo calor do momento, particularmente em seus relacionamentos pessoais - por causa da ausência de valores firmemente definidos. Em vez de buscar independência da irracionalidade dos outros, ele estava sendo forçado a se tornar alguém de segunda-mão ou a algum comportamento equivalente, à dependência cega do sistema de valores dos outros, a um estado desprezível de conformismo. Em vez de prazer, a visão de qualquer valor elevado ou experiência mais nobre lhe trazia dor, culpa, terror - e o levava não a querer conquistá-la ou lutar por ela, mas a evitá-la, a evadir e a fugir dela (ou se desculpar por ela) para se conciliar com os padrões dos homens convencionais que ele desprezava. Em vez de "homem, a vítima" como ele fora predominantemente, ele estava se tornando "homem, o matador."
A evidência mais clara disso foi fornecida por sua atitude em relação à arte Romântica. A traição de um homem aos seus valores artísticos não são a causa primária de sua neurose (é uma causa contributiva), mas ela se torna um de seus sintomas mais reveladores.
Isso é importante principalmente para o homem que deseja resolver seus problemas psicológicos. O caos de seus valores e relacionamentos pessoais pode, num primeiro momento, ser complexo demais pra ele resolver. Mas a arte Romântica lhe oferece uma abstração clara, luminosa e impessoal - e portanto um teste claro e objetivo de seu estado interno, uma pista disponível para sua mente consciente.
Se ele encontra-se temendo, evadindo e negando a experiência mais elevada disponível para o homem, um estado de exaltação plena, ele pode ter certeza que está em apuros e que suas únicas alternativas são: ou checar seus valores desde o começo, desde a figura reprimida, esquecida e traída de seu Buck Rogers particular, e dolorosamente reconstruir sua cadeia de abstrações normativas - ou se tornar por completo o tipo de monstro que ele é naqueles momentos quando, com uma risadinha sarcástica, ele diz a um idiota qualquer que a exaltação é impraticável.
Assim como a arte Romântica é a primeira visão do homem de um senso de vida moral, ela é também sua última maneira de se agarrar a ela, o seu último colete salva-vidas.
A arte Romântica é o combustível e a vela de ignição da alma de um homem; sua função é atear uma alma em fogo e nunca deixá-lo apagar. A tarefa de dar a este fogo um motor e uma direção pertence à filosofia.
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
A Travessia
NOTAS DA SESSÃO:
- Impressionado desde a primeira cena na Estátua da Liberdade. Direção criativa, personagem carismático, casting perfeito do Joseph Gordon-Levitt. O fato dele estar em cima da estátua e fazer alguns truques estabelece de maneira rápida e interessante o personagem e os temas de mágica e de que "tudo é possível" que parece central no filme e no caráter dele.
- O objetivo dele é insano mas é interessante, bem estabelecido, e eu amo o que ele representa - a realização de um sonho "impossível", da visão de algo bonito, inédito, desafiador, que vai contra as regras e a opinião da maioria.
- Fotografia excelente e o 3D é muito bem utilizado. Não só por criar a sensação de vertigem muito bem, mas Zemeckis sabe que em 3D não se deve fazer cortes rápidos, movimentos bruscos de câmera, etc.
- Bom todo o trecho do treinamento. Philippe treinando primeiro com 5 cordas, até chegar em 1 (a narrativa visual do filme é impecável). O diálogo com o Papa Rudy sobre ter respeito pela plateia. As dicas que ele dá sobre a tensão correta da corda, sobre os últimos 3 passos serem igualmente importantes, etc.
- Legal o primeiro encontro de Philippe com Annie (ela abrindo a porta com mímica pra ele sair do círculo).
- Efeitos incríveis e imperceptíveis, usados a favor da história. Será que o Joseph teve que aprender a andar na corda para algumas tomadas?? Isso é muito mais interessante do que muitos desses filmes de ação onde as pessoas correm pelas paredes, fazem coisas irreais, etc.
- Ótimas as imagens da travessia da Notre-Dame.
- Bom o diálogo quando Philippe diz que não quer usar fio de segurança na travessia. É uma loucura, mas respeito a ambição dele e o desejo de criar algo autêntico. Bonita a relação de respeito mútuo entre ele e o Papa Rudy.
- Mostra bem as qualidades necessárias pra se realizar uma visão dessas. A prática, a paciência, o planejamento, a determinação, a seleção da equipe e a construção de uma relação saudável entre todos, etc.
- A única coisa no filme que não funciona muito bem: o humor com o personagem do maconheiro!
- Incrível a recriação das Torres Gêmeas!! Efeitos especiais dignos de um Oscar. A sensação de vertigem que o filme provoca é impressionante (vejam em IMAX 3D). Nunca vi nada igual no cinema. Cada vez que alguém corre ou dá um passo em direção à beirada eu suo frio!
- Lindo o momento do Philippe acalmando o garoto que tem medo de altura (quando eles estão se escondendo no fosso do elevador). É inteligente incluir na história um personagem que tem medo de altura, pois torna a experiência ainda mais visceral pro espectador.
- Suspense muito bom. A flecha com a linha de pesca prestes a cair / o guarda se aproximando, etc.
- Direção excelente. A câmera nunca vai pra torre Norte antes da travessia e vemos quase tudo pelo ponto de vista do Philippe. Isso associado à fotografia, aos planos mais longos, aos ótimos efeitos, torna tudo muito vívido e real.
- SPOILER: Bonito o momento da travessia. A ideia das nuvens entrarem e sairem depois que ele já está na corda é um toque de direção digno de aplauso!
- SPOILER: A sequência é longa e cheia de bons momentos: a ideia dele voltar e atravessar várias vezes, o pássaro, o helicóptero, a câmera que "cai" lá do alto e vai mostrar o público na rua, os guardas chegando, o momento final dos 3 passos (que foi apropriadamente "plantado" no começo do filme), etc. Roteiro excelente.
- SPOILER: Homenagem final às Torres Gêmeas e o "11" sendo formado no fade-out: genial.
CONCLUSÃO: Filme divertido, inspirador, brilhantemente realizado, que nos lembra tanto pela história quanto pela forma em que é feito de uma época em que o entretenimento era criado com mais paixão, técnica e boas intenções.
(The Walk / EUA / 2015 / Robert Zemeckis)
FILMES PARECIDOS: Evereste / Walt Nos Bastidores de Mary Poppins / O Equilibrista / Vôo United 93 / Prenda-Me Se For Capaz / Náufrago / Forrest Gump: O Contador de Histórias
NOTA: 10
- Impressionado desde a primeira cena na Estátua da Liberdade. Direção criativa, personagem carismático, casting perfeito do Joseph Gordon-Levitt. O fato dele estar em cima da estátua e fazer alguns truques estabelece de maneira rápida e interessante o personagem e os temas de mágica e de que "tudo é possível" que parece central no filme e no caráter dele.
- O objetivo dele é insano mas é interessante, bem estabelecido, e eu amo o que ele representa - a realização de um sonho "impossível", da visão de algo bonito, inédito, desafiador, que vai contra as regras e a opinião da maioria.
- Fotografia excelente e o 3D é muito bem utilizado. Não só por criar a sensação de vertigem muito bem, mas Zemeckis sabe que em 3D não se deve fazer cortes rápidos, movimentos bruscos de câmera, etc.
- Bom todo o trecho do treinamento. Philippe treinando primeiro com 5 cordas, até chegar em 1 (a narrativa visual do filme é impecável). O diálogo com o Papa Rudy sobre ter respeito pela plateia. As dicas que ele dá sobre a tensão correta da corda, sobre os últimos 3 passos serem igualmente importantes, etc.
- Legal o primeiro encontro de Philippe com Annie (ela abrindo a porta com mímica pra ele sair do círculo).
- Efeitos incríveis e imperceptíveis, usados a favor da história. Será que o Joseph teve que aprender a andar na corda para algumas tomadas?? Isso é muito mais interessante do que muitos desses filmes de ação onde as pessoas correm pelas paredes, fazem coisas irreais, etc.
- Ótimas as imagens da travessia da Notre-Dame.
- Bom o diálogo quando Philippe diz que não quer usar fio de segurança na travessia. É uma loucura, mas respeito a ambição dele e o desejo de criar algo autêntico. Bonita a relação de respeito mútuo entre ele e o Papa Rudy.
- Mostra bem as qualidades necessárias pra se realizar uma visão dessas. A prática, a paciência, o planejamento, a determinação, a seleção da equipe e a construção de uma relação saudável entre todos, etc.
- A única coisa no filme que não funciona muito bem: o humor com o personagem do maconheiro!
- Incrível a recriação das Torres Gêmeas!! Efeitos especiais dignos de um Oscar. A sensação de vertigem que o filme provoca é impressionante (vejam em IMAX 3D). Nunca vi nada igual no cinema. Cada vez que alguém corre ou dá um passo em direção à beirada eu suo frio!
- Lindo o momento do Philippe acalmando o garoto que tem medo de altura (quando eles estão se escondendo no fosso do elevador). É inteligente incluir na história um personagem que tem medo de altura, pois torna a experiência ainda mais visceral pro espectador.
- Suspense muito bom. A flecha com a linha de pesca prestes a cair / o guarda se aproximando, etc.
- Direção excelente. A câmera nunca vai pra torre Norte antes da travessia e vemos quase tudo pelo ponto de vista do Philippe. Isso associado à fotografia, aos planos mais longos, aos ótimos efeitos, torna tudo muito vívido e real.
- SPOILER: Bonito o momento da travessia. A ideia das nuvens entrarem e sairem depois que ele já está na corda é um toque de direção digno de aplauso!
- SPOILER: A sequência é longa e cheia de bons momentos: a ideia dele voltar e atravessar várias vezes, o pássaro, o helicóptero, a câmera que "cai" lá do alto e vai mostrar o público na rua, os guardas chegando, o momento final dos 3 passos (que foi apropriadamente "plantado" no começo do filme), etc. Roteiro excelente.
- SPOILER: Homenagem final às Torres Gêmeas e o "11" sendo formado no fade-out: genial.
CONCLUSÃO: Filme divertido, inspirador, brilhantemente realizado, que nos lembra tanto pela história quanto pela forma em que é feito de uma época em que o entretenimento era criado com mais paixão, técnica e boas intenções.
(The Walk / EUA / 2015 / Robert Zemeckis)
FILMES PARECIDOS: Evereste / Walt Nos Bastidores de Mary Poppins / O Equilibrista / Vôo United 93 / Prenda-Me Se For Capaz / Náufrago / Forrest Gump: O Contador de Histórias
NOTA: 10
sábado, 3 de outubro de 2015
Lista de qualidades estéticas
Uma lista das características e qualidades estéticas presentes nos melhores filmes (sob uma ótica Idealista).
As 2 qualidades fundamentais:
1. Proporcionam uma experiência prazerosa para o espectador — são feitos para estimular, inspirar, motivar, dar prazer e valor a quem os assiste (com base nos 4 Pilares do Idealismo) através de uma narrativa envolvente, com personagens carismáticos, cenas memoráveis, que caminham em direção a um clímax satisfatório.
2. Demonstram grandes virtudes por parte dos realizadores. Provocam um senso de admiração no espectador — celebram a visão, os valores e talentos do autor (ou autores), do elenco e da equipe envolvida na produção (domínio técnico, inteligência, criatividade, originalidade, profundidade emocional e intelectual, etc.).
As 2 qualidades fundamentais:
1. Proporcionam uma experiência prazerosa para o espectador — são feitos para estimular, inspirar, motivar, dar prazer e valor a quem os assiste (com base nos 4 Pilares do Idealismo) através de uma narrativa envolvente, com personagens carismáticos, cenas memoráveis, que caminham em direção a um clímax satisfatório.
2. Demonstram grandes virtudes por parte dos realizadores. Provocam um senso de admiração no espectador — celebram a visão, os valores e talentos do autor (ou autores), do elenco e da equipe envolvida na produção (domínio técnico, inteligência, criatividade, originalidade, profundidade emocional e intelectual, etc.).
Essas duas evitam a dicotomia corpo/mente que é responsável por muitos dos problemas do entretenimento: a ideia de que existe uma contradição necessária entre arte e entretenimento, entre razão e felicidade, entre qualidade e prazer, sofisticação e diversão, entre o moral e o prático, etc.
Outras qualidades (que derivam dessas fundamentais):
- Comunicam as ideias e valores do autor (ou autores) de maneira objetiva e adequada para a mente do espectador.
- Comandam com eficiência a atenção da plateia, demonstrando conhecimento sobre a cognição humana.
Outras qualidades (que derivam dessas fundamentais):
- Comunicam as ideias e valores do autor (ou autores) de maneira objetiva e adequada para a mente do espectador.
- Comandam com eficiência a atenção da plateia, demonstrando conhecimento sobre a cognição humana.
- Sabem enfatizar os elementos mais importantes da obra e atenuar os menos relevantes, deixando claro para o espectador o que é essencial, o que deve ser observado com atenção, e o que é secundário.
- São internamente coerentes / consistentes.
- Os acontecimentos e as ações dos personagens são críveis e fazem sentido dentro do contexto da história.
- Apresentam personagens carismáticos (sejam heróis, vilões ou algo no meio) e relacionamentos atraentes entre os personagens principais.
- Demonstram (no estilo, no conteúdo ou em ambos) uma atitude positiva em relação à vida, à plateia, e estão em harmonia com conceitos como: autoestima, talento, racionalidade, prazer, ambição, integridade, independência, criatividade, originalidade, benevolência, respeito à vida e à liberdade, entre outros (não consideram uma virtude "incomodar" a plateia, não romantizam sentimentos destrutivos, etc.).
- Não colocam estilo acima de conteúdo e acima de elementos mais importantes da obra como narrativa, desenvolvimento de personagens, envolvimento dramático, etc.
- Não são primeiramente um veículo para comentários sociais / políticos, nem para registros históricos. Funcionam como uma experiência artística independentemente de sua função social / educativa / jornalística.
- Não dependem que o espectador tenha informações externas especiais a respeito do autor ou de assuntos específicos para funcionar. Valorizam a universalidade e a atemporalidade.
- Focam em valores e temas universais que têm grande relevância para a vida humana.
- Demonstram um conhecimento especial sobre a natureza humana e sobre a realidade em geral.
- Sabem estimular o intelecto e provocar as emoções desejadas no espectador.
- Levam os personagens (e o espectador) aos limites da experiência humana dentro do contexto de cada história.
- Buscam atingir 1 ou mais clímax dentro da narrativa: picos; cenas memoráveis; momentos de satisfação concentrada.
- Respeitam o Princípio da Ascensão.
- Oferecem variedade ao longo da narrativa, um largo escopo de emoções. Não são monótonos e previsíveis emocionalmente / tematicamente.
- Sabem integrar os vários elementos do filme num todo coerente, sem partes sobressalentes, a favor do propósito da obra (estilo, conteúdo, trama, personagens, fotografia, som, etc). Criam um senso de harmonia, coesão e beleza.
- São uma expressão autêntica do autor: refletem uma individualidade, uma consciência específica, uma visão única - não estão apenas tentando imitar outros trabalhos, seguir fórmulas e tendências com objetivos puramente comerciais.
- Não têm defeitos sérios que comprometam a apreciação do filme.
- São internamente coerentes / consistentes.
- Os acontecimentos e as ações dos personagens são críveis e fazem sentido dentro do contexto da história.
- Apresentam personagens carismáticos (sejam heróis, vilões ou algo no meio) e relacionamentos atraentes entre os personagens principais.
- Demonstram (no estilo, no conteúdo ou em ambos) uma atitude positiva em relação à vida, à plateia, e estão em harmonia com conceitos como: autoestima, talento, racionalidade, prazer, ambição, integridade, independência, criatividade, originalidade, benevolência, respeito à vida e à liberdade, entre outros (não consideram uma virtude "incomodar" a plateia, não romantizam sentimentos destrutivos, etc.).
- Não colocam estilo acima de conteúdo e acima de elementos mais importantes da obra como narrativa, desenvolvimento de personagens, envolvimento dramático, etc.
- Não são primeiramente um veículo para comentários sociais / políticos, nem para registros históricos. Funcionam como uma experiência artística independentemente de sua função social / educativa / jornalística.
- Não dependem que o espectador tenha informações externas especiais a respeito do autor ou de assuntos específicos para funcionar. Valorizam a universalidade e a atemporalidade.
- Focam em valores e temas universais que têm grande relevância para a vida humana.
- Demonstram um conhecimento especial sobre a natureza humana e sobre a realidade em geral.
- Sabem estimular o intelecto e provocar as emoções desejadas no espectador.
- Levam os personagens (e o espectador) aos limites da experiência humana dentro do contexto de cada história.
- Buscam atingir 1 ou mais clímax dentro da narrativa: picos; cenas memoráveis; momentos de satisfação concentrada.
- Respeitam o Princípio da Ascensão.
- Oferecem variedade ao longo da narrativa, um largo escopo de emoções. Não são monótonos e previsíveis emocionalmente / tematicamente.
- Sabem integrar os vários elementos do filme num todo coerente, sem partes sobressalentes, a favor do propósito da obra (estilo, conteúdo, trama, personagens, fotografia, som, etc). Criam um senso de harmonia, coesão e beleza.
- São uma expressão autêntica do autor: refletem uma individualidade, uma consciência específica, uma visão única - não estão apenas tentando imitar outros trabalhos, seguir fórmulas e tendências com objetivos puramente comerciais.
- Não têm defeitos sérios que comprometam a apreciação do filme.
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
Perdido em Marte
ANOTAÇÕES:
- Bonita a parte visual: a paisagem marciana, os efeitos especiais, etc.
- O filme prende a atenção logo do começo e tem uma premissa interessante, embora a maneira como o Matt Damon é deixado pra trás parece um pouco forçada e mal explicada. Eles precisavam mesmo sair com pressa? Uma nave que vai até Marte não seria preparada pra aguentar tempestades? Os astronautas não podiam apenas aguardar a tempestade em outro lugar e depois voltar pra verificar se Damon estava mesmo morto?
- Usar o diário como pretexto pra ficar explicando a trama pro espectador me parece preguiçoso e pouco cinematográfico.
- Idealismo Corrompido: odeio a atitude cômica do Matt Damon, as piadas com música disco, etc. Isso tudo é feito pra destruir o aspecto épico e heroico da história que está sendo contada. Isso praticamente arruína o prazer de ver o filme pra mim.
- A história no fundo é tediosa. Ele tem apenas que ficar esperando durante anos e tomar cuidado pra não morrer de fome. Não há quase ação, um grande perigo se aproximando, uma descoberta fascinante (aliens, etc.) alguma relação pessoal importante, um vilão interessante, etc. E Damon leva tudo tão na boa que nem sentimos que ele corre grandes riscos.
- O filme pula o momento em que a mídia descobre que Damon está vivo e perde a chance de ter um bom momento.
- Não há nenhuma ideia inteligente no filme. É sempre assim: surge uma dificuldade desnecessária e não-essencial sobre um assunto técnico do qual a plateia não entende, e em seguida os personagens informam verbalmente a solução para essa dificuldade técnica, como se fosse uma sacada brilhante, mas deixando a plateia sem saber se ela é plausível e não exigindo nenhum raciocínio dela.
- Os astronautas e a equipe da NASA não parecem em nada com cientistas. Parecem o elenco de um sitcom. Aliás o roteiro e a direção têm um tom superficial, mastigado, pouco cinematográfico, típico de programas atuais de TV.
- Ele não tem como se comunicar com a Terra (conflito desnecessário) / ele vai atrás da Pathfinder (solução tola) / a Nave de resgate explode (conflito desnecessário) / aparecem os chineses e resolvem o problema (solução tola) / a nave do Matt Damon é muito pesada (conflito desnecessário) / ele desmonta a frente da nave e a cobre com uma lona (solução tola)
- Até parece que os astronautas não poderiam corrigir a altura da órbita e teriam que usar uma bomba pra mudar a direção da nave. Mais um conflito desnecessário com uma solução tola.
- SPOILER: Clímax fraco. Todos comemoram na Terra, mas Damon não tem uma relação importante com ninguém ali. Sem falar que depois desse "clímax" do resgate em Marte, eles ainda vão demorar meses pra chegar na Terra. Será que a comemoração principal não seria quando Damon chegasse finalmente em casa?
- SPOILER: Anticlímax terminar o filme na cena da palestra e com esse toque final de humor. E a música dos créditos talvez seja a mais horrível que eu já vi (eu gosto da música, mas usar essa música no fim de um filme como esse é simplesmente pra destruir o elemento heróico da história).
CONCLUSÃO: Premissa interessante mas desenvolvida num roteiro sem suspense, sem drama, sem inteligência, e dirigido de forma pra destruir o aspecto épico da história.
(The Martian / EUA / 2015 / Ridley Scott)
FILMES PARECIDOS: Interestelar (2014) / Guardiões da Galáxia (2014) / Gravidade (2013) / Lunar (2009)
- Bonita a parte visual: a paisagem marciana, os efeitos especiais, etc.
- O filme prende a atenção logo do começo e tem uma premissa interessante, embora a maneira como o Matt Damon é deixado pra trás parece um pouco forçada e mal explicada. Eles precisavam mesmo sair com pressa? Uma nave que vai até Marte não seria preparada pra aguentar tempestades? Os astronautas não podiam apenas aguardar a tempestade em outro lugar e depois voltar pra verificar se Damon estava mesmo morto?
- Usar o diário como pretexto pra ficar explicando a trama pro espectador me parece preguiçoso e pouco cinematográfico.
- Idealismo Corrompido: odeio a atitude cômica do Matt Damon, as piadas com música disco, etc. Isso tudo é feito pra destruir o aspecto épico e heroico da história que está sendo contada. Isso praticamente arruína o prazer de ver o filme pra mim.
- A história no fundo é tediosa. Ele tem apenas que ficar esperando durante anos e tomar cuidado pra não morrer de fome. Não há quase ação, um grande perigo se aproximando, uma descoberta fascinante (aliens, etc.) alguma relação pessoal importante, um vilão interessante, etc. E Damon leva tudo tão na boa que nem sentimos que ele corre grandes riscos.
- O filme pula o momento em que a mídia descobre que Damon está vivo e perde a chance de ter um bom momento.
- Não há nenhuma ideia inteligente no filme. É sempre assim: surge uma dificuldade desnecessária e não-essencial sobre um assunto técnico do qual a plateia não entende, e em seguida os personagens informam verbalmente a solução para essa dificuldade técnica, como se fosse uma sacada brilhante, mas deixando a plateia sem saber se ela é plausível e não exigindo nenhum raciocínio dela.
- Os astronautas e a equipe da NASA não parecem em nada com cientistas. Parecem o elenco de um sitcom. Aliás o roteiro e a direção têm um tom superficial, mastigado, pouco cinematográfico, típico de programas atuais de TV.
- Ele não tem como se comunicar com a Terra (conflito desnecessário) / ele vai atrás da Pathfinder (solução tola) / a Nave de resgate explode (conflito desnecessário) / aparecem os chineses e resolvem o problema (solução tola) / a nave do Matt Damon é muito pesada (conflito desnecessário) / ele desmonta a frente da nave e a cobre com uma lona (solução tola)
- Até parece que os astronautas não poderiam corrigir a altura da órbita e teriam que usar uma bomba pra mudar a direção da nave. Mais um conflito desnecessário com uma solução tola.
- SPOILER: Clímax fraco. Todos comemoram na Terra, mas Damon não tem uma relação importante com ninguém ali. Sem falar que depois desse "clímax" do resgate em Marte, eles ainda vão demorar meses pra chegar na Terra. Será que a comemoração principal não seria quando Damon chegasse finalmente em casa?
- SPOILER: Anticlímax terminar o filme na cena da palestra e com esse toque final de humor. E a música dos créditos talvez seja a mais horrível que eu já vi (eu gosto da música, mas usar essa música no fim de um filme como esse é simplesmente pra destruir o elemento heróico da história).
CONCLUSÃO: Premissa interessante mas desenvolvida num roteiro sem suspense, sem drama, sem inteligência, e dirigido de forma pra destruir o aspecto épico da história.
(The Martian / EUA / 2015 / Ridley Scott)
FILMES PARECIDOS: Interestelar (2014) / Guardiões da Galáxia (2014) / Gravidade (2013) / Lunar (2009)
NOTA: 3.5
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