sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Tenet

Minhas críticas aos filmes do Nolan são quase sempre as mesmas pois minha objeção em geral não está relacionada ao conteúdo particular de cada filme, mas à linguagem, ao Nolan em si, ao fato de eu achar ele roteirista/contador de histórias trapaceiro, não-objetivo, com vícios bem específicos que já fazem parte de sua marca registrada. Então não importa qual o tema da vez, todos os filmes passam pelo "tratamento Nolan" e terminam com as mesmas características que sempre detesto. Tenet não foi diferente. É o velho esquema: a premissa não tem a menor lógica, a narrativa é um absoluto caos, e o diretor usa a confusão da plateia e seu poder de manipulação pra tentar parecer científico, genial, profundo, complexo, sem ser nada disso. No meu livro eu falo mais a fundo sobre essa questão no capítulo "Emoções Irracionais" — um texto que foi tirado aqui do blog mas que foi incrementado e ganhou parágrafos extras nesse segmento sobre Nolan.

Tenet / Reino Unido, EUA / 2020 / Christopher Nolan

NOTA: 4.0

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Outros filmes vistos - Outubro 2020

On the Rocks (2020): 7.0



Convenção das Bruxas (The Witches / 2020): 6.0



Borat: Subsequent Moviefilm (2020): 5.5




Rebecca - A Mulher Inesquecível (Rebecca / 2020): 4.0



Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7 / 2020): 4.0




 Magnatas do Crime (The Gentlemen / 2020): 5.0





quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Books of Blood

Antologia de terror na linha de Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (2019) que conta várias histórias envolvendo mortes e eventos sobrenaturais, aparentemente desconectadas, mas que aos poucos se mostram partes de um mesmo universo. O filme foi baseado em livros escritos por Clive Barker entre 84–85 que já tiveram uma adaptação para o cinema em 2009 mas não fez muito sucesso. Comecei o filme animado, principalmente por questões estéticas: as locações atraentes, a direção de arte, a escolha da atriz da primeira história — tinha algo meio anos 80 na produção (a biblioteca no início parecia o começo de Os Caça-Fantasmas, a heroína parecia uma "final girl" de filmes como Sexta-Feira 13 ou A Hora do Pesadelo). Achei que o filme conseguiria fazer o que O Homem Invisível (2020) fez — parecer atual, mas resgatando alguns ingredientes indispensáveis de filmes do passado que foram sendo esquecidos. Em termos de direção o filme até traz um pouco disso, o grande problema aqui é que as histórias me pareceram extremamente arbitrárias e mal resolvidas. Uma coisa que me incomoda profundamente em histórias de terror é quando o filme falha em estabelecer uma justificativa para o sobrenatural, o porquê de subitamente coisas sobrenaturais começarem a acontecer, já que no mundo em que vivemos nada disso ocorre normalmente. Pra mim é importante que o sobrenatural tenha uma causa, e que o filme seja consistente em relação a isso. Por exemplo: em Brinquedo Assassino, o sobrenatural ocorre pois um serial killer usa vodu haitiano para transferir sua alma para um boneco. Então tudo o que ocorre de sobrenatural no filme está conectado à essa premissa do vodu haitiano funcionar. Outros filmes podem usar extraterrestres, cemitérios indígenas, religião, bombas atômicas, o poder do cérebro e diversas outras coisas como causa. O importante é ser consistente e não misturar categorias. Se em Brinquedo Assassino, além do boneco ganhar vida, o garotinho fosse aterrorizado por vozes vindo pelas paredes, isso seria um fenômeno de outra natureza que não poderia ser explicado pela premissa do vodu/transferência de alma. Books of Blood faz isso o tempo todo. E o pior pra mim é quando um filme borra a linha entre eventos sobrenaturais ocorrendo no mundo externo, com visões/alucinações ocorrendo apenas na mente do personagem. Há uma cena na primeira história, por exemplo, em que a protagonista está num ônibus, e ao olhar pra cima (onde há um painel com ventilação, botões etc.) ela enxerga 2 olhos através do painel (olhos que jamais poderiam estar ali). Então você conclui que 1) ela está alucinando, ou 2) é um filme sobre fantasmas, aparições, entidades não-físicas. Mas conforme a história se desenvolve, o horror da trama no fim tem a ver com um casal de psicopatas que enterram pessoas em sua residência e as mantêm semi-vivas dentro de paredes, sob o piso etc. As peças não se encaixam direito, as histórias levantam expectativas que nunca são satisfeitas, e às vezes elas parecem simplesmente tolas, mal escritas. Algumas cenas isoladas conseguem provocar arrepios (adorei o menininho com leucemia, por exemplo, e essa trama do médium pra mim foi a mais interessante), e talvez essa habilidade de imaginar acontecimentos ou cenas sinistras seja o grande mérito da obra original (que eu não li pra poder julgar). Mas no filme, esses são apenas momentos eficazes isolados dentro de uma narrativa estranha e insatisfatória.


Books of Blood / EUA / 2020 / Brannon Braga

NOTA: 5.5

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Cenas de um Homicídio: Uma Família Vizinha

(CONTÉM SPOILERS)

Documentário "true crime" da Netflix sobre o assassinato de uma mãe grávida e suas 2 filhas pequenas que ocorreu em 2018 no Colorado. Toda a história é contada através de câmeras de segurança, vídeos de redes sociais, câmeras acopladas a uniformes de policiais (as "bodycams" que têm sido usadas nos EUA pra combater a violência policial), o que dá um ar moderno e inovador pro documentário, que jamais poderia ter sido feito dessa forma até há poucos anos. Há material o suficiente pra contar a história, mas ainda senti falta de depoimentos, narração, material gravado especialmente para o documentário — acho que esse tipo de restrição estética (assim como found-footage ou filmes que se propõem a mostrar apenas a tela do computador) acaba servindo mais como um gimmick do que como algo que enriquece a experiência. Mas a história é tão chocante que no fim isso não diminuiu em nada meu envolvimento.

Talvez o que tenha mais me marcado nessa tragédia seja a ilustração do quão destrutivas são relações baseadas em altruísmo e em certos valores religiosos. Embora esse seja um caso extremo, a dinâmica psicológica entre o casal é assustadoramente comum e reflete inúmeros relacionamentos que observamos por aí: a dinâmica doentia entre a pessoa que quer sair da relação, que não deseja mais dar amor, mas se sente no dever moral de permanecer, de continuar se doando, e a outra que percebe claramente que o outro quer sair da relação, mas finge não ver, e reforça o sentimento de pena e de dever moral para tentar prendê-lo, e se enganar que isso é o equivalente a ter seu amor. Embora o marido seja o único psicopata aqui, e a esposa obviamente não possa ser culpada em nada pela própria morte, pelo menos no que diz respeito ao relacionamento ela parece sim ter contribuído para sua deterioração. Ambos parecem ter sido irresponsáveis enquanto parceiros, de uma maneira que infelizmente é muito comum na raça humana. Se o marido não fosse dominado por sentimentos de dever, altruísmo, se ele respeitasse a própria felicidade, no momento em que ele percebesse que a relação não tinha mais futuro, ele teria parado de ter filhos, de assumir novos compromissos, teria tido uma conversa franca com a esposa, e se separado dela da maneira menos dolorosa possível. A esposa, por outro lado, se fosse independente e tivesse respeito próprio o bastante, não iria considerar ficar com alguém que não está genuinamente interessado nela. Em vez de reforçar o senso de culpa, teria deixado claro para o marido que ela preferiria se divorciar a manter um casamento infeliz a qualquer custo. Mas não... Ela não parecia se incomodar com o sacrifício dele. Pelo contrário — repare como ela fala admirada do fato de que o marido a conheceu quando ela estava doente, no seu pior estado, sugerindo que há algo de caridoso e não egoísta no amor dele, e que essa seria a base da relação. Óbvio que não iria durar. Nada disso justifica infidelidade, violência, é claro, mas uma situação tóxica como essa nunca se sustenta por muito tempo sem que os 2 lados não estejam colaborando com ela.

Fica muito claro no filme por que o relacionamento foi se deteriorando. O que permanece um mistério é o que levou o marido — que aparentava ser uma pessoa normal — a fazer algo tão monstruoso. É como se o filme estivesse mais interessado no lado do relacionamento, em expor a infidelidade e a violência masculina em geral, como se isso bastasse pra explicar o crime, do que em estudar a mente de Chris em particular, entender por que ele foi capaz de fazer o que fez, o que havia de incomum nele psicologicamente, emocionalmente, eticamente, já que milhões de outras pessoas passam por situações como essa todos os dias e nem todas terminam em massacre.


American Murder: The Family Next Door / EUA / 2020 / Jenny Popplewell

NOTA: 7.0

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

The Boys in the Band

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

 

ANOTAÇÕES:

- Embora a peça The Boys in the Band tenha sido um marco na questão da representatividade, a história no fundo acaba retratando gays de forma não muito favorável. Os personagens parecem todos promíscuos, superficiais, sem grande caráter, "bichas más" que só falam de roupa, sexo, aparência física. Claro que existe muita gente assim, e há uma atemporalidade notável nos personagens da história, mas a noção de que "representar" significa dar destaque ao comum, ao mediano, é uma abordagem Naturalista que não me agrada.

- É uma daquelas obras cuja intenção é confortar, não inspirar — foca nos dramas/dificuldades/sofrimentos dos personagens, expõe os problemas de cada um pro espectador se enxergar neles, não se sentir tão sozinho em sua miséria (outro elemento Não Idealista).

- Pelo menos há humor, diálogos divertidos, que deixam o drama mais leve. E embora os personagens e os relacionamentos não sejam atraentes, há bastante conteúdo no que diz respeito a relações humanas, construção de personagem, o que mantém a narrativa interessante.

- A história ganha mais força quando chega o personagem hétero/conservador na festa. Até então eram só amigos se divertindo num apartamento, e a história não parecia estar caminhando pra lugar algum. Agora existe uma tensão, uma curiosidade maior em relação ao que irá acontecer.

- O filme vai virando uma coisa meio Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, Gata em Teto de Zinco Quente. Ninguém parece conseguir ir embora da festa, as coisas vão ficando meio surreais, todo mundo começa a brigar, os "podres" vão sendo revelados. Há um Senso de Vida malevolente sem dúvida — a ideia de que há sempre algo maligno por trás das amizades, que no fundo as pessoas se odeiam, querem se destruir (gays especialmente, na cabeça do autor).

- A brincadeira do telefone prende a atenção e faz refletir. Acho meio tedioso o tom de autopiedade, mas narrativamente é uma boa forma de fazer os personagens chegarem ao limite, confrontarem seus maiores dramas/traumas/dilemas etc.

- SPOILER: Surpreendente a cena em que o Alan faz a ligação. E é interessante ficar em aberto o mistério envolvendo sua sexualidade.

- O final é um pouco amargo, ambíguo. O que tirar da história? Que as pessoas são más? Que os gays são deprimidos, venenosos uns com os outros?

CONCLUSÃO: Não me agrada o tom pessimista, nem me identifico muito com os personagens, mas é um drama rico em conteúdo, com boas performances, que captura algo de verdadeiro a respeito de muitas relações e dramas do mundo gay.


The Boys in the Band / EUA / 2020 / Joe Mantello

NOTA: 6.5