domingo, 14 de setembro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


O filme é bagunçado e fica até difícil falar a respeito, pois não dá pra isolar um único elemento negativo e sugerir como ele poderia ter funcionado completamente. De repente o próprio livro já não era material para cinema (não li, portanto não sei).

Pra começar a intenção geral já não me agrada muito... O filme claramente não quer criar uma experiência positiva pro espectador - isso eu saquei da segunda vez que alguém pisou descalço em fezes... Portanto eu imagino que o objetivo aqui seja mais intelectual - que o propósito do filme seja passar uma mensagem. Mas que mensagem é essa? A única que ficou bem clara pra mim foi a seguinte: seria ruim se todos fossem cegos! E isso eu já sabia antes de ver o filme.

De repente ele também quis sugerir que o ser humano é podre e imoral (como falei de "O Nevoeiro"), e que todos mostrariam o seu lado perverso caso a humanidade ficasse cega num passe de mágica. Bom, que relevância isso tem? É óbvio que as pessoas mudariam radicalmente de comportamento se isso acontecesse, só que essa não é a realidade humana, isso nunca aconteceu nem nunca acontecerá! O filme se reduz a uma suposição bobinha... Seria como dizer "ah, se você virasse um rato, você seria uma pessoa suja". Se o filme queria fazer uma crítica à natureza humana, ele não é bem sucedido, pois ele precisou criar um contexto totalmente impossível pra provar o seu argumento. Se o ser humano é realmente imoral, você não precisaria criar uma realidade alternativa pra sugerir isso. Bastaria mostrar como isso já acontece no nosso mundo.

E o problema do filme não é a situação ser irreal (a cegueira coletiva), mas o comportamento das pessoas não ter lógica. Na vida real, por exemplo, o personagem do Gael, sendo cego, jamais conseguiria ter tanto poder num lugar onde ninguém enxerga - a idéia de que as pessoas passariam fome e chegariam a vender o corpo só porque ele carrega uma arma é absolutamente ridícula. Como ele iria atirar nas pessoas? E mesmo que ele chegasse a esse grau de poder, a primeira coisa que o personagem da Julianne Moore faria (já que ela enxerga) seria tirar arma dele! Muito antes de passar fome! Ela sim poderia ter certo poder ali se quisesse. Ou seja, é fácil falar mal da humanidade quando você está livre pra distorcer a realidade e fazer as pessoas agirem ao seu gosto... Difícil é fazer isso com coerência e inteligência, como "Dogville" fez, por exemplo. "Ensaio" só vai agradar os mais pessimistas, aqueles que já entrarem na sala convencidos, e que não precisarão de argumentos inteligentes pra aceitarem a ideia cínica do filme.

No fim, o filme tem certa força pela ousadia e originalidade da história e pela presença sempre agradável de Julianne Moore. Tecnicamente, Meirelles apenas cumpre o papel de publicitário. Planos propositalmente mal enquadrados, fotografia estourada, como se quisesse conscientizar a platéia da própria visão ou simular uma sensação de cegueira - mas isso serve mais pra irritar o espectador e mostrar que o diretor é espertinho do que pra gerar grandes reflexões - provavelmente um visual lindo faria a gente pensar muito mais sobre a cegueira do que as imagens feias do filme, mas Meirelles optou pelo óbvio; se fosse "Ensaio Sobre a Surdez" ele faria longas sequências sem áudio ou o filme inteiro mudo, e se fosse "Ensaio Sobre a Labirintite" ele rodaria a câmera loucamente até que a platéia inteira vomitasse.

Blindness (CAN/BRA/JAP, 2008, Fernando Meirelles)

NOTA: 4.0