quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Wicked

Apesar de não gostar muito das músicas e de certos subtextos da história, acho que o musical Wicked tem uma narrativa forte, atemporal, e se o filme funciona, é por causa dos méritos originais da peça. Mas esta é uma versão menos acertada, com certos problemas de tom e ritmo que eu não lembro dos palcos (já vi 2 montagens, uma no Brasil e uma na Broadway). Pra começar, não há sentido algum dividir essa história em 2 filmes, sendo que tudo que há de mais icônico e memorável no musical acontece na Parte 1. Imagine dividir A Noviça Rebelde em 2 filmes: no primeiro, temos Maria girando nas colinas, "My Favorite Things", "Do-Re-Mi", "Climb Ev'ry Mountain", o casamento, daí no segundo filme, ficamos com a chegada dos nazistas e a fuga. Essa primeira parte de Wicked tem 2h40min — praticamente a mesma duração da história inteira no teatro. Isso quer dizer que muita coisa foi inflada, e essas gorduras ficam perceptíveis, às vezes prejudicando cenas que no palco eram redondas. Enquanto algumas sub-tramas continuam mal desenvolvidas (o romance com o príncipe Fiyero, a perseguição contra os animais falantes, a promessa de transformar Elphaba em uma garota popular), outras parecem desnecessariamente esticadas. O número showstopper "Defying Gravity", por exemplo, ficou cheio de intervalos no meio da canção (sendo que as composições de Wicked já são meio dispersas), como se o cineasta soubesse da importância do momento e não quisesse que a cena acabasse rápido demais. O problema é que tempo e ritmo são elementos fundamentais na música. Ao esticar uma boa cena cuja base é uma canção, você não termina com uma cena mais prazerosa necessariamente, pois pode estar comprometendo o que fazia a cena funcionar em primeiro lugar.

O melhor do filme pra mim é a performance da Cynthia Erivo como Elphaba, que traz uma delicadeza nas expressões que é impossível de se criar nos palcos. Já Ariana Grande se sai bem mais por causa da eficácia do texto do que por sua interpretação particular de Glinda, que não é tão magnética quanto poderia ser (a maquiagem dá uma qualidade meio anêmica pra personagem que também não ajuda). Falando em anemia, eu realmente detesto a névoa esbranquiçada jogada sobre a fotografia do filme. É quase um pecado desbotar um universo tão marcado pela cor quanto o de O Mágico de Oz, sem falar que o tratamento de imagem faz os cenários (vários deles reais) parecerem tão falsos quanto os desses filmes da Marvel criados inteiros no computador.

Dito isso, Wicked tem uma base narrativa sólida que continua rendendo um bom entretenimento. Vimos incontáveis histórias de origem nas últimas décadas, mas Wicked acho que ainda é a que melhor constrói uma narrativa original a partir de uma história familiar. As conexões com O Mágico de Oz são criativas, bem integradas à trama, e a produção não se limita ao fan-service: o que torna o musical popular é a relação carismática entre as protagonistas, a discussão universal sobre preconceito, sobre introversão vs. extroversão — elementos que não dependem de O Mágico de Oz para tocar o público.

Wicked / 2024 / Jon M. Chu

Satisfação: 7

Categoria: Idealismo Imperfeito

Filmes Parecidos: Wonka (2023) / Malévola (2014) / Oz: Mágico e Poderoso (2013) / Frozen: Uma Aventura Congelante (2013) / A Bela e a Fera (2017)

17 comentários:

Dood disse...

Concordo em grande parte com sua análise sobre Ariana Grande. Desde sua estreia em Brilhante Vitória e Sam & Cat, sempre tive a sensação de que faltava algo mais impactante em sua presença artística. Ela se apoia em um estilo 'doce e encantador', mas que, muitas vezes, carece de magnetismo genuíno. No cenário musical sinto que falta aquela energia visceral que vemos em lendas como Whitney Houston ou Mariah Carey — artistas que não apenas cantam, mas transcendem a música com emoção e presença. O sucesso de Ariana reflete uma tendência atual de valorizar performances mais contidas e polidas, mas que, para alguns, podem soar desconectadas de uma força mais crua e arrebatadora.

Caio Amaral disse...

Eu nem cheguei a fazer essa avaliação toda da Ariana hehe, mas concordo que ela não é "visceral". Vocalmente, até tem habilidades que poderiam colocá-la entre as grandes divas.. mas em termos de performance, emoção, personalidade... passa longe. Emoções autênticas e apaixonadas saíram de moda junto com o Idealismo nos anos 2000... Não é uma marca das gerações mais jovens, que são mais inibidas, menos livres emocionalmente.

Dood disse...

"Graças ao conteúdo do seu blog, tenho percebido em mim um instinto crescente para observar e refletir sobre percepções artísticas. Acompanho a Ariana Grande desde a época das séries da Nickelodeon, já que minha sobrinha era fã de *iCarly* e *Brilhante Vitória (Victorious)*. Nas produções que atuou (Victorious e Sam and Cat), ela sempre desempenhou um papel de escada, sendo usada como alívio cômico, sem grandes destaques.

Lembro que, anos depois, ouvi uma música dela na trilha sonora de *A Bela e a Fera* (live-action), e só então conectei o nome à atriz das séries. Fui pesquisar mais sobre sua carreira e percebi como ela se transformou em uma estrela da música pop. Eu noto uma presença artística parece moldada para refletir uma tendência, priorizando performances moderadas. Eu noto uma falta de naturalidade e um esforço de se prender a um padrão.

Caio Amaral disse...

Legal, fico feliz de estimular essa percepção. Vi trechos de coisas que ela fazia antes de ficar famosa no pop, mas não cheguei a ver essas séries. Lembro de ter me surpreendido até com uns vídeos no YouTube, visto um potencial cômico... Por isso estranhei a Glinda dela ser menos cômica que as que vi no teatro. Mas muito depende da direção também né... Vamos ver como ela se sai em papéis futuros.

"Moderação" é uma tendência mesmo no pop... Essas vozes mais suavez tipo a da Billie Eilish são o supra-sumo hoje.

Dood disse...

Ariana Grande ficou muito marcada pelo estigma da 'adorável bobinha' com sua personagem Cat em Brilhante Vitória, algo que parece ter definido a percepção de muitos sobre sua carreira. Pelo que vi de Wicked, ela realmente combina com Glinda, já que o papel exige esse tom. No entanto, sua carreira musical sempre me pareceu meio deslocada. Falta aquela presença forte que até algumas cantoras mais conteporâneas tem um pouco mais. Sei que eu tô falando como um ignorante nesse meio (conheço pouco). Mas agora pensando em Taylor Swift, Lady Gaga e Katy Perry ela parece bem abaixo.

Sabe aquela sensação de alguém se moldando para caber em algo que não é muito natural? É isso que sinto com Ariana no cenário musical. Além disso, concordo que é estranho dividir um musical tão coeso da Broadway em dois filmes. Pela sua resenha, já dá medo do que vem na parte 2 — parece que vai perder o impacto e cair numa versão mais 'aguada'. É algo que deixa qualquer fã do musical com receio.

Caio Amaral disse...

Eu acho tb que essa atitude de ninfeta impede ela de projetar uma personalidade mais forte.. Mas se você for considerar sucesso comercial e popularidade, não dá pra dizer que ela tem uma carreira musical "deslocada", que não decolou ainda... Pois ela está no Top 5 hoje da maioria das listas que vc for pegar de artistas femininas mais bem-sucedidas. Não que isso prove alguma coisa sobre qualidade (há várias unanimidades por aí que pra mim são deslocadas, rs). Mas só caso vc esteja achando que ela fez mais sucesso na época da Nickelodeon, e agora é uma diva pop ainda tentando se encontrar.

Dood disse...

Essa impressão deslocada e algo que eu tinha como pessoal: até porque vou pela orientação que a cultura colhe ídolos de acordo com uma tendência da época, você escreveu sobre isso. E, sim, devido a mesma ter seu talento visto na Nickelodeon acaba me deixando com a impressão de uma personalidade comedida. Porque geralmente vemos artistas se reiventando apresentando uma evolução. A Lady Gaga é um exemplo explícito desse tipo de fenômeno.

Caio Amaral disse...

A Gaga passou por várias fases... mas sempre foi super extravagante e desinibida né. Achei que a Ariana pudesse passar por uma transformação na carreira depois do atentado de Manchester em 2017.. mas acabou que não teve tanto impacto nessa questão da persona artística dela.

Dood disse...

Sim, explorar diferentes estilos é algo que pode realmente engrandecer a trajetória de um artista, e Ariana poderia se beneficiar mais disso. Por exemplo, adoro quando artistas saem da zona de conforto e se desafiam, como vimos com Lady Gaga em seu trabalho com Tony Bennett. Foi uma surpresa agradável e mostrou uma versatilidade incrível dela, algo que provavelmente conectou a um público ainda mais amplo.

Caio Amaral disse...

Sim... e estrelar um musical como Wicked talvez já seja um passo nessa direção né.

Dood disse...

Sim, esse passo é importante é vai mostrando para o público o quão versátil ele é e como ele consegue extrair dessa versatilidade, sem bem que no caso dela ela já tem uma base, mesmo sendo em papeis secundário ou que dividia protagonismo como em Sam e Cat.

Caio Amaral disse...

Trechos dela nessas séries antigas apareceram naquele documentário "Quiet on Set" recentemente, né... Muita gente nem sabia desses primórdios.

Dood disse...

Só eu mesmo pra saber essas coisas rs. Sempre fui de maior preferência a coisas da Nick nesse quesito era dos seriados. Até mais que produções da Disney Hannah Montana, que acho a Miley que como cantora ela se saia muito melhor que a série em si. Um que eu não gostei muito é o tal do Henry Danger que meu filho assistia. Eu larguei de mão na época de Victorious mesmo, eu sou o cara que vou na vibe de seriados infantis mais por conta de filho ou sobrinhos, até porque tenho um fascinio nesse mundo mundo de televisão, séries e desenhos...

Caio Amaral disse...

Percebo mesmo que vc ganhou uma certa expertise nessa área hehe. A época que consumi TV mesmo foi a década entre 1987 e 1997 mais ou menos, e meu foco nunca foi sitcom desses jovens. Dos anos 2000 pra frente, tive contato mais com os que tiveram adaptações pro cinema, como Hannah Montana... mas sou meio leigo, até pq não tinha crianças ao redor como vc.

Dood disse...

Eu acompanhei produções da TV aberta até por volta de 2010, especialmente na época da TV Globinho, eu sempre fui de uma natureza solitária e instrospectiva e só fui largar a TV de vez em 2015. Mesmo não sendo um espectador assíduo de sitcoms ou novelas mexicanas, sempre achei interessante observar como essas produções refletem aspectos culturais e formas de pensar de uma época ou região. É curioso como até mesmo programas infantis podem dizer muito sobre uma sociedade. Esse olhar mais atento e o hábito de complementar com pesquisas realmente dão outra dimensão ao que consumimos. Por esse olhas acabo interligando esses elementos isso vai das produções até seu elenco.

Caio Amaral disse...

Sim.. o entretenimento infantil diz muito sobre a cultura e impacta bastante a cultura também. Sempre bom ficar de olho..!

Dood disse...

Ainda mais quando você tem a intenção de ter filhos, como meu caso. Mas no geral eu sou de analisar o entretenimento de forma geral, sob a perspectiva de quem o consome. É um hobby intelectual: nunca consegui monetizar isso.