Não superei totalmente o fato de que estava vendo um filme da Disney situado na Londres dos anos 60, cheio de referências à contracultura, com músicas de The Doors, David Bowie, Nina Simone na trilha, e que pede para simpatizarmos com uma vilã/anti-heroína moralmente ambivalente, motivada em partes pelo desejo de "destronar" os ricos e poderosos — o que me fez ver Cruella como uma espécie de Coringa (2019) para um público mais familiar. Mas tirando esse estranhamento, o filme é surpreendentemente bem feito, não só em termos de produção — o roteiro também me pareceu bastante inteligente, bem construído, e Emma Stone e Emma Thompson formam uma dupla memorável de rivais. PRA QUEM GOSTOU DE: Malévola (2014) / O Diabo Veste Prada (2006) / Coringa (2019)
Bastante satisfatório pra quem entra no cinema sabendo o que vai consumir. As lutas são muito bem coreografadas, os efeitos especiais são divertidos (gostei particularmente dos poderes do Sub-Zero), e embora parte da graça dependa da nostalgia e de você pegar as referências ao jogo, a história estabelece bem suas regras e cria um conflito claro entre bem e mal que faz com que ela funcione até pra quem está no meu nível de expertise e memória — que é aquele onde você já não sabe direito se Kung Lao e Chun Li pertencem ao mesmo jogo. PRA QUEM GOSTOU DE: Power Rangers (2017) / G.I. Joe: Retaliação (2013)
Aqueles Que Me Desejam a Morte (Those Who Wish Me Dead / 2021): 6.0
Angelina Jolie faz uma bombeira que vigia queimadas florestais e passa a proteger um garoto sendo perseguido por dois assassinos. O filme é uma espécie de neo-western com um pé em filme-catástrofe dos anos 90, e tenta resgatar um estilo mais tradicional de thriller. O roteiro tem algumas coisas meio bagunçadas — em vez de focar na Angelina e no garoto, o filme dá ênfase a alguns personagens secundários e eventos que às vezes parecem até mais dramáticos que a própria história central; como se o drama da Angelina fosse o mais fraco entre tudo o que está ocorrendo, o que enfraquece a trama e especialmente o clímax. Há também a tentativa de dar um tom mítico e profundo pra história que não é justificado pelo conteúdo real do filme (os personagens e conflitos são bem superficiais), e isso deixa a produção parecendo desnecessariamente pretensiosa (senti o mesmo em Relatos do Mundo e em A Qualquer Custo, este último também escrito por Taylor Sheridan). Mas os vilões implacáveis e a ação garantem um mínimo de entretenimento pra quem curte o gênero.
Army of the Dead: Invasão em Las Vegas (Army of the Dead / 2021): 4.5
Após uma cena de abertura interessante, o filme rapidamente decai em mais um desses enredos estilo John Wick, onde a cada 5 minutos os personagens se deparam com um novo agrupamento de inimigos e entram em uma batalha sangrenta. É preciso ver um valor intrínseco na violência, em imagens de pessoas dando tiros umas nas outras, sem qualquer contexto dramático, pra realmente se divertir com um filme como este, o que não é bem o meu caso (os anarquistas talvez simpatizem mais com a história, pois um diálogo no meio do filme sugere que esta seria a visão de uma América "livre", mais próxima de seus ideais).
Oxigênio (Oxygène / 2021): 5.0
Não sei se é aquele efeito de quando você compra um carro, que você passa a notá-lo na rua com muito mais frequência, mas desde o texto sobre 1999 parece que todo filme que assisto vira mais um exemplo para aquela discussão. Esse aqui é um suspense de confinamento estilo Enterrado Vivo, porém que se passa num "caixão" mais futurista e cheio de recursos. A protagonista, como de costume, tem dificuldade de distinguir o que é real ou imaginário, e, pra variar, está sofrendo pela morte de um ente querido. Diferente de Passageiro Acidental, cujos personagens mantêm a calma e a racionalidade diante da emergência, a heroína aqui entra em desespero logo que acorda, e passa o filme todo chorando, perdendo o controle, sentindo dor, o que torna ainda mais "agradável" a ideia de ficar 1h30 olhando pra alguém numa câmara criogênica. O filme é bem realizado e tem algumas ideias interessantes enquanto ficção-científica — SPOILER: exceto, claro, a maneira como Liz finalmente consegue o oxigênio no final, uma das soluções mais dignas de um facepalm desde que Leslie Nielsen tropeçou no fio e tirou a bomba da tomada em Corra que a Polícia Vem Aí 2 1/2. Talvez o mais interessante de tudo seja que, ao apresentar essa imagem de uma mulher perdendo a sanidade, trancada num espaço pequeno, sem contato com outros seres humanos, correndo risco de morrer por falta de oxigênio, sua única referência do mundo externo sendo uma tela de computador que oculta informações, e ainda com o governo tentando enfiar agulhas nela o tempo todo, o filme criou a metáfora perfeita para esses anos de pandemia.
A Mulher na Janela (The Woman in the Window / 2021): 6.0
Este é um "6.0" diferente dos debaixo. Em vez de um filme uniformemente razoável, minha nota seria uma média entre alguns pontos excelentes, misturados com alguns problemas fatais. Os pontos positivos estão na produção e na sofisticação do estilo de Joe Wright, sempre talentoso e ousado. O grande problema é que a trama já perde o sustento logo no início, quando tudo no filme (não apenas os eventos da história, mas também a fotografia, a edição, etc.) indica que a protagonista é louca e está imaginando as coisas que vê. Sem um senso mínimo de objetividade, todas as tentativas do filme de engajar através da lógica dos acontecimentos e criar reviravoltas surpreendentes falham, pois a atmosfera de sonho vai contra esse propósito e ativamente pede para o espectador não confiar em nada do que se passa na tela.
Mundo em Caos (Chaos Walking / 2021): 6.0
O conceito das emoções visíveis é interessante, e nas mãos de um roteirista melhor poderia ter sido usado pra uma discussão mais rica sobre o declínio da privacidade no mundo pós-internet, ou quem sabe sobre o declínio da objetividade na cultura atual, etc. No fim, virou apenas um filme de aventura num futuro distópico como tantos outros, simpático até, mas cuja ação poderia ter permanecido basicamente a mesma sem esse artifício, que é (ou deveria ter sido) seu maior diferencial.
Os Pequenos Vestígios (The Little Things / 2021): 6.0
O roteiro tem uma solidez respeitável que talvez se deva ao fato dele ter sido escrito no início dos anos 90, quando os padrões para filmes de suspense (e para o cinema americano em geral) eram mais altos. A semelhança com Seven (1995) acaba prejudicando um pouco, até por criar a expectativa de um final igualmente bombástico e conclusivo, que o filme promete mas acaba não entregando da melhor forma.
13 comentários:
Eu achei A Mulher na Janela bem mediano,enquanto eu assistia teve alguns momentos que eles não trabalharam muito bem no suspense com algumas coisas sendo jogadas bem de cara, não dando tempo nem pra sentir a cena. Eu gostei quando descobrimos quem é o assasino e achei que o filme ficaria melhor depois dali, mas as cenas finais foram bem ruinzinhas na minha opinião.
Sim.. colocaram estilo acima de conteúdo.. e prejudicaram o suspense.. o final também achei estranho.. ela dá uma olhada na casa, depois chama o táxi.. dava a impressão que ia ter uma revelação final, mas o filme simplesmente acaba.. rs.
Olá, Caio.
Seria o "fenômeno Baader-Meinhof" ou "efeito de ilusão de frequência"?
Exato.. só não sei se dá pra classificar como ilusão mais, nesse caso hehe.
Assisti ontem oxigênio, eu entrei no filme achando que ia ser algo mediano mas me surpreendi muito enquanto assistia. Achei legal o filme ter sido feito na França, eu acho interessante a ideia de outros países estarem se arriscando em generos mais 'americanos' como é a ficção científica. Tudo me surpreendeu um pouco desde a trilha sonora quanto o CGI que ficou bem realista e quando tudo terminou não acreditei que fiquei 1 hora e meia imerso num filme que é inteiro numa 'caixa'. O fato do Deux ex machina no final não me incomodou tanto porque tem tantos filmes em que acontece alguma desgraça no final então achei interessante ela ter ficado viva e tudo ter dado certo.
Bom uma coisa que não tem nada haver com o tema acima, esses dias minha professora de história da arte pediu pra que a gente visse Um Cão Andaluz e depois escrevesse um pouco sobre ele. Eu fiquei um pouco animado porque é considerado um clássico do cinema e queria saber porque desse título. Depois que eu terminei o filme eu estava meio 'assustado', principalmente com a cena do olho e outras bizarrices que acontecem no filme, a única cena bonita e que eu gostei foi a do final onde o casal passeia pela praia, mas depois disso aparece o cadaver deles se decompondo e acaba o filme e eu achei muito desnecessário. Fiquei até com medo de falar muito mal do filme e a professora falar algo (ela é muito legal então acho dificíl ela me retrucar maldosamente, mas as pessoas da minha sala quem sabe...). Então você já viu esse filme? O que achou das bizarrices dele? hahaha
Oxigênio pra mim foi um pouco demais pro lado do desagradável, do "culto à dor", mas também vi alguns pontos positivos..! O final achei legal.. mas ao mesmo tempo, é um pouco como o caso do A Mulher na Janela, que também tem um final positivo: depois que eu passei 1h30 num ambiente de caos e sofrimento, o final ser positivo não anula toda a experiência vivida hehe.
Um Cão Andaluz eu vi na época que trabalhava na locadora.. já tem mais de 15 anos, então tirando as imagens mais icônicas (como a do olho) eu lembro pouco. Mas lembro que era abstrato demais.. mesmo pra um curta.. prefiro os filmes do Buñuel que têm alguma linearidade, tipo O Discreto Charme da Burguesia, O Anjo Exterminador, etc. Não é meu tipo favorito de filme, mas desses cineastas estrangeiros famosos, o Buñuel era um dos que eu mais tinha simpatia.. pois esse tipo de surrealismo, como o do Dalí, geralmente tem um elemento grande de criatividade, surpresa, choque.. humor.. até inovações técnicas.. que me divertiam mesmo na ausência de qualidades que acho mais fundamentais.
Não entendo esse fascínio por Glamourizar vilões, tentar tornar justificável seus Atos. Transformaram o Coringa num doente mental ao qual devemos nos simpatizar, uma vítima da sociedade (o que Frank Miller coloca na HQ Cavaleiro das Trevas que é o estopim para indignação do Batman na HQ). Agora a Cruella, pela visão do background não deve ter nada a ver com a essência da antagonista de 101 Dálmatas.
Eu não lembro se no 101 Dálmatas eles já falavam da origem da Cruella.. Mas aqui eles mostram que por ser criativa e ter nascido com aquele cabelo preto e branco, ela sofria bullying na escola.. era uma "misfit".. depois ainda teve o trauma de virar órfã.. e por isso desenvolveu uma personalidade rebelde.. começou cometendo pequenos crimes na juventude, etc.. Isso tudo tem a ver com as tendências anti-idealistas que a gente vem observando.. é mais "moderno" dizer que ninguém é totalmente bom ou mau.. apontar que os heróis são cheios de falhas, que os vilões não estão totalmente errados.. somos todos "humanos", hehe.
Que me lembre, em 101 Dálmatas a única informação sobre o passado da Cruella era que ela havia sido colega de escola da Anita, que, junto com o marido Roger, era dona do casal de dálmatas protagonista da história. Isso embora no desenho Cruella parecesse bem mais velha que Anita, talvez por ser muito mais magra. A Cruella original era uma piada com a futilidade e os exageros do mundo da moda. Até sua magreza excessiva refletia isso.
Pedro.
A Cruella da Emma Stone é diferente... pro filme convencer que ela seria uma vítima injustiçada, eles tiveram que mudar tanto a personalidade dela que nem dá pra imaginar ela se tornando aquela vilã do desenho no futuro... que teria que ser uma mulher essencialmente gananciosa, elitista, etc.
@Pedro Cruella sempre foi uma vilã caricata, até no live action de 1995 quando foi feita pela Glenn Close. Tirar isso dela e transformar numa vítima é bem forçado.
Tem uma turma aí associando a Cruella a Arlequina de Aves de Rapina. Dizendo que a narrativa tem muitas similaridades, o que acha Caio, já que você viu os dois filmes?
Ah.. sempre vai dar pra traçar algum paralelo entre esses spin-offs onde o vilão se torna o protagonista. Mas eu não achei a Cruella parecida ou mesmo inspirada na Arlequina.. são personalidades/backgrounds bem diferentes. A grande diferença pra mim é que a Arlequina é um personagem mais cômico/caricato, não é pra ser levado a sério.. já a Cruella é um presonagem mais dramático, tridimensional, pelo qual o filme espera que você tenha certa compaixão, perdoe seus atos, a veja como vítima.. Isso pra mim é um fator crucial quando estamos falando de personagens maus/falhos.. se o filme não pede compaixão pelo personagem, e mostra ele fazendo maldades de forma exagerada, caricata, deixando claro que aquilo é totalmente injustificável.. o filme pode ser divertido, pois a história ganha um ar cômico.. mas quando isso é misturado com um elemento mais dramático, quando há uma certa "humanização" do mal, pra mim começa a perder a graça (enquanto filme, achei Cruella um filme bem melhor.. porém nessa questão específica da moralidade da personagem.. acho ele mais problemático que o Aves).
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